Mtg Lore

Compêndio da Lore de Magic the Gathering

UM CORPO OCO

Ausha U. Farah

Uma escritora de ficção e desevolvedora de jogos. Já teve seu trabalho publicado na Uncanny Magazine, Anthema Magazine e trabalha como diretora narrativa para What Pumpkin Games. Escreveu a biografia de Rootha.

Os Poços de Entulho fedem.

Você está na base da câmara, olhando para o fosso na parede fumegante. Você consegue sentir o cheiro de necrogênio daqui, no cume da Basílica. Pequenos redemoinhos giram acima de você, como figuras acenando. O movimento entre as esferas é fortemente monitorado, mas este duto está longe o bastante nas extremidades, então não há ninguém fique observando. Pelo menos, ninguém com esperança de te deter.

Arte de Campbell White

Você abre suas asas, saboreando o puxão em seus ombros enquanto seu corpo faz aquilo que feito para fazer. Algumas batidas das asas são suficientes para te impulsionar para dentro do fosso, dividindo nuvens necrogênicas, deixando um rastro após sua passagem. Nada te desafia, embora alguns saltadores agarrados às paredes lisas se voltem para você com rosnados estrondosos que rapidamente se tornam gritos patéticos quando você arranca as cabeças de seus corpos com um golpe de sua lança. Você sente o cheiro do derramamento dos fluidos como se chovesse na esfera abaixo. No local em que sua superior espera pelas notícias de seu sucesso.

“Você conhece o traidor Geth?”

Você curva sua cabeça e não diz nada, o mármore frio sob seus joelhos. Não é uma questão que precisava de resposta. Todos sabem sobre o lich, o phyrexiano maculado com uma cabeça não completada. Uma mancha de sujeira em um tecido imaculado.

Quero que o encontre, Ixhel. Quero que você acabe com ele”

Você levanta os olhos lentamente do chão.

Acima de você está o trono, um tablado cercado por uma composição cintilante de osso e porcelana, puro artesanato phyrexiano. O assento está vazio; sem as exigências de uma reunião do conselho, Elesh Norn, Mãe das Máquinas, retirou-se para sua reflexão. Por conta disso, você se ajoelha diante de Atraxa, a Grande Unificadora, e a razão pela qual você respira.

Geth é um dos sete Barões de Aço dos Poços de Entulho, uma esfera que já nos causou um aborrecimento considerável,” Atraxa diz, sua voz tão vigorosa quanto um chicote. “Peço que você reduza esse número para seis. Traga-me a cabeça imunda dele.”

Será feito,” você diz, entoando as palavras. “Não prevejo dificuldades.”

Atraxa faz um som escorregadio no fundo da garganta. “Não,” ela diz. “Você não teria dificuldades, não é? Você é minha criação mais perfeita.”

Atraxa estende a mão para você, e você rapidamente baixa os olhos de volta para o vermelho vivo do tapete. As pontas dos dedos dela acariciam sua bochecha, e você sente um breve calor de algo dentro de você, onde poderia estar o coração de uma criatura inferior. É algo além da lealdade, além do justo desejo de espalhar a Ortodoxia das Máquinas pelo Multiverso.

Você ignora a sensação e espera que desapareça.

Até agora, sempre deu certo.

Você encontra um terreno elevado, o que é mais fácil na teoria do que na prática – esta esfera é chamada de Poços de Entulho por um motivo. A paisagem é rasa, marcada por poças brilhantes de necrogênio líquido, brilhante e venenoso. Estruturas retorcidas e corcundas de ossos preto-dourados rompem o horizonte. Você sente seus lábios se contrairem. Você sabe que cada esfera tem seu propósito na unidade perfeita de Nova Phyrexia, mas não pode evitar a repulsa. Não quando você tem a serenidade da Basílica da Equidade para comparar com o resto.

Felizmente, você espera que esta seja uma viagem curta. O que você disse para Atraxa não foi arrogante – você venceu todas as criaturas que já se opuseram a você.

Você enfrenta pouca oposição enquanto abre caminho pelo relevo, respirando o ar corrosivo enquanto avança, passando longe das poças brilhantes.

Em pouco tempo, seu avanço é interrompido. A fortaleza de Geth é visível além da próxima elevação, mas o caminho está bloqueado por um penhasco íngreme de rochas negras brilhantes. Você poderia escalá-lo, mas isso levaria tempo. Você poderia sobrevoá-lo, mas isso anunciaria sua presença para toda a esfera, o que lhe foi dito para evitar, sempre que possível. Você ainda está muito longe de precisar de medidas drásticas.

Entrando na sombra da face rochosa, você vê o contorno de um portão. Quase parecia um processo natural, como se a atmosfera supersaturada tivesse dado à rocha uma mente própria, como um Dominus. Não há trinco, nem fechadura. Em vez disso, você encontra uma fileira de moldes arredondados dispostos em forma de leque, na altura do ombro. Você pressiona a palma da mão sobre um deles.

Um som grave pulsa de dentro da pedra. Você dá um passo para trás. Ele desaparece tão rapidamente que você não tem certeza se realmente o ouviu. Você pressiona o local novamente. O mesmo som ecoa. Você pressiona cada molde por vez e cada um produz um som ligeiramente diferente.

Você inclina a cabeça e pressiona-os novamente. Algo sobre os sons causa desconforto no seu cérebro. Você não gosta disso.

“Tem que pressioná-los na ordem certa.”

A voz vem atrás de você, astuta e escorregadia, toda sibilante, mas engasga no final quando você se vira e bate o dono dela no solo acidentado, apertando seus dedos no pescoço dele.

“Por favor,” ele engasga.

Isso, combinado com a facilidade com que aquilo se dobra embaixo de você, mantém sua mão firme por tempo suficiente para dar uma olhada.

“A-Agora eu sei o que você está pensando-” a coisa gagueja. Você aperta mais forte a mão no pescoço dele, mesmo quando se surpreende levemente com o fato de ele ter um pescoço. Um rosto. Um tronco. Mãos nuas e feias. É um aspirante – um humano ou um elfo. Originalmente do Labirinto do Caçador, talvez, uma esfera vários níveis acima, a julgar por seu cheiro, tonalidade e forma de sua completação.

Arte de Aaron J. Riley

“Piedade!” Está gritando no seu ouvido. “Tenha piedade!”

Você zomba. “Identifique-se, criatura.”

“Belaxis!” ele fala. “Eu sou Belaxis. Você não pode me matar.”

“Posso sim,” você diz.

“Não! Digo, eu acredito em você, eu acredito em você!” O aspirante treme. Sua voz fica levemente anasalada de medo. “Eu só quis dizer que você não deveria me matar! Por favor, não me mate!”

Sua cabeça se inclina. “Por quê não?”

“Porque eu não quero morrer!”

Sua cabeça continua inclinada. “Por quê?”

“Certo, isso…” O aspirante está respirando pesadamente, sua frágil e indefesa caixa torácica subindo e descendo. O movimento é desagradável, mas convincente. “Certo, essa é uma boa pergunta. Filosófica. Por quê você não quer morrer?”

Você considera a questão. Sabe a resposta correta. A resposta que qualquer phyrexiano deveria dar. Por que alguém temeria a morte quando nenhum indivíduo tem valor? Cada vida em cada esfera existe apenas para espalhar a verdade de Phyrexia pelo Multiverso. Não há outra razão para estar vivo.

Ainda assim, o pensamento perturba algo no seu âmago. Você tenta avaliar o porquê.

“Porque eu sou necessário,” você decide.

O aspirante expira através dos buraquinhos nojentos em seu rosto. “Você não acha que se coloca num patamar muito elevado,” ele murmura. “Não que você não devesse!” ele acrescenta apressadamente, quando você começa a enforcá-lo novamente. Antes que você possa reduzir completamente a voz dele a nada, ele grita: “Você não pode me matar! Eu tenho um contrato com Lord Geth!”

Isso faz você parar. “O quê?”

“L-Lorde Geth.” O aspirante está respirando rápido. Ele cheira a medo. O que um fracote meio completado está fazendo em um lugar como este? Ele deveria ter sido despedaçado no Labirinto do Caçador em um dia. “Lorde Geth faz acordos. É por isso que o chamam de Barão dos Contratos!”

“Quem o chama assim?” Isso não fazia parte do seu dossiê.

“Lorde Geth salva as pessoas. Com seus acordos!” Os olhos do aspirante brilharam e reluziram. Eles estão se enchendo com um estranho óleo claro.

“Ele faz o quê?”

“Acordos! Proteção. Ele consegue te mover entre as esferas. Bem….” O aspirante lhe dá um olhar rápido e nervoso. “Não é ele, exatamente. Ele fez um contrato comigo e me tirou do Labirinto do Caçador. Ele me salvou. E agora eu guarneço o portão de suas propriedades.”

“Se eu matar você, esse portão se abre?”

“Sim. Espere! Não!” A respiração do aspirante acelera novamente. “Não é assim que funciona. Se você me matar, ele nunca abrirá! Jamais! Além disso, Lorde Geth saberá e virá atrás de você!”

Você se senta, um pouco confusa. Todos os aspirantes são tão ávidos? Você nunca esteve em posição de descobrir. “Se eu te matar, Lord Geth saberá?”

“Sim!”

“Como ele vai saber?”

“Não tenho certeza. Mate-me e descobrirá.”

Você ergue sua lança.

“Estou brincando, estou brincando! Ele vai saber!”

Você considera esta nova opção. Você poderia apenas matar esse aspirante e sumir com o lich assim? Suas ordens eram outras. Mas isso pode ser mais rápido.

Não. Você não pode se afastar.

“Posso te ajudar!”

“Você? Não fale bobagens, criatura.”

“Eu te disse, meu nome é Belaxis!” Parece que ele não está mais escorrendo pelos olhos, pelo menos. “Qual é o seu?”

“Ixhel,” você diz. “Da Basílica da Equidade.”

Belaxis arregala os olhos. Talvez você não devesse ter entregado seu nome a essa criatura inútil. Mas você também não está disposto a negá-lo.

“Ixhel.” Belaxis, o aspirante, enrola o nome em sua estranha boca rosada. “Ixhel. Eu posso te ajudar! Você quer passar por aquela porta, certo? Eu posso te ajudar.”

“O quê?”

“O quebra-cabeça! Posso ajudá-lo com o quebra-cabeça da porta.”

Você se levanta bruscamente. “Eu posso fazer isso sozinha.”

Isso, você se preocupa, talvez seja arrogância.

Os sons não fazem sentido ou não são suficientes para você decodificá-los. Isso te incomoda. Os sons perturbam seu cérebro; você acha que deveria saber o que eles significam, reconhecer o padrão que eles constroem.

Atrás de você, Belaxis mantém um fluxo constante de conversa.

“Hmm, veja – você é alta o suficiente para acertar todas as placas! Isso é útil para algo desse tipo, mas suas costas podem começar a doer. Ah! Comece com o da extrema esquerda…”

“Acho que ser alta é menos útil quando você está voando – essas asas funcionam? Aposto que é difícil para você ficar de pé quando está no ar. Você consegue lutar enquanto voa? Ah, os dois no meio precisam ser pressionados juntos—!”

“Nossa, a Basílica da Equidade, nunca vi. Tá, onde eu a teria visto, não é? É tão bonita quanto você? Ali, à direita!”

Você range os dentes, mas segue o conselho, usando as dicas para encadear os sons. Todos os phyrexianos operam em direção a um objetivo comum. Desconsiderar ajuda porque a pessoa que a oferece tem uma voz áspera e esganiçada seria contraproducente.

“Ah, agora sim, agora sim!”

A porta pisca com uma luz azul fina e o portão se abre. Você sente uma emoção de vitória calorosa geralmente associada com uma criatura partida ao meio. Quase dá vontade de virar e enterrar a lança na garganta do aspirante.

Você se vira para encontrá-lo de pé, olhando para o horizonte. A luz fria e radioativa dos poços brilha na armadura verde e prateada que reveste seu tronco e coxas. As partes expostas e ainda não completadas do seu corpo são macias, quase obscenas. Certamente, você nunca pareceu tão frágil.

Ele fica sentado aqui o dia todo, esperando que alguém como você apareça e tente abrir o portão. Como deve ser uma vida assim? Como ele fica parado com todo aquele clamor acontecendo dentro de sua cabeça? Ele deve gostar do tempo que passa aqui, se deseja tanto permanecer vivo. Que curioso.

Você se volta para o portão aberto, o túnel iluminado apenas por uma fina corrente de necrogênio descendo pelo meio. Você torce o nariz, mas escolhe o caminho para dentro.

“Adeus, Senhora Ixhel!” Belaxis se despede. “Dê meus cumprimentos ao Lorde Geth!”

Você não encontra ninguém tão estranho ou tagarela em seu caminho na propriedade de Lord Geth, mas você vê mais aspirantes aqui do que havia visto há muito tempo. Criaturas de toda a Nova Phyrexia. De todas as esferas. Algumas no meio da completação, outros que a completação deu errado. Eles deveriam ter sido descartados antes mesmo de respirar pela primeira vez; Geth teria feito acordos com eles também?

Estranho. Estranho como funcionam as mentes dessas meio-criaturas. Vinculando-se a uma criatura monstruosa e blasfema por nada além da promessa da continuidade de suas próprias vidas desprezíveis? Você não consegue entender. A única razão de existir é espalhar a perfeição pelo Multiverso. Se você não pode fazer isso, por que não se permitir ser desmontado, ser completado em algo que pode?

Você não encontra grande resistência em sua jornada, exceto por mais alguns saltadores que tentam a sorte, como sempre. Você localiza a fortaleza de Geth com bastante facilidade – é uma chaga no horizonte. Uma estrutura colossal de ossos pretos e tendões vermelhos, crescida da terra ardente do solo consagrado pelo necrogênio da esfera.

Este portão não é vigiado, nem tem um enigma ridículo. A porta está aberta à sua frente. Ninguém o desafia nas escadas e ninguém o desafia quando você entra no grande salão. Está quieto como um túmulo.

Ao passar por um arco baixo e preto, a raiva começa a tomar conta de você. Esta é uma sala do trono. Uma imitação alta e imponente do trono de Elesh Norn disposto entre tochas gotejantes. Está vazio.

Como ele ousa? Como ele ousa se comparar à Mãe das Máquinas? A insolência é inacreditável.

“Idiota.” Sua voz ecoa pelo amplo salão. “Lich. Abominação! Onde você está?”

“Você é menor do que eu pensei,” diz uma voz em seu ouvido. “Curioso.”

Esta é a segunda vez que alguma coisa rastejante conseguiu pegá-la de surpresa. Desta vez, você levanta sua lança, girando no ar. O golpe é forte o suficiente para impactar seu corpo. Por pouco, você se mantém de pé.

“Bom. Parece que você não é apenas bravata.”

Diante de você está o Lord Geth.

Arte de Martin de Diego Sádaba

Seu corpo pesado e de muitos membros paira acima de você, pernas aracnídeas plantadas no chão de mármore. Seu rosto hediondo olha para baixo. Ele não possui a energia ou a graça ágil de Belaxis, mas, por algum motivo, você não consegue deixar de pensar nele ao olhar nos olhos de Lord Geth. Ele segura sua lança entre duas de suas pinças.

“Suponho que a Mãe finalmente te enviou para tomar minha cabeça,” ele diz. “Ela odeia isso.”

Você segura sua espada e amplia sua postura. Geth é maior do que você esperava, e seu corpo está mais completado. Na verdade, apenas sua cabeça ainda é orgânica. Uma coisa feia e podre no centro de um corpo que seria útil de outra forma. Você o odeia mais do que odiou Belaxis, porque pelo menos aquilo não foi culpa dele. Geth, você sabe, insistiu nisso, recusou-se a se submeter totalmente.

“É nojento,” você zomba. “Isso se torna você.”

Geth ri. Seus olhos ardem. “O quão baixo eu caí na consideração dela, que enviou um soldado de infantaria, em vez de um pretor. Nem mesmo a Unificadora. Como está Atraxa, por falar nisso?”

Você brilha de raiva. Um soldado raso? Vocês? Quantos corpos você recuperou para completar?

Isso não importa, você diz a si mesma. Não importa o que ele pensa de você. Você não importa para nada.

“Você não tem o direito sequer de dizer o nome dela,” você sussurra. “Nem de pensar nele.”

Geth ri novamente. Ele defende seu próximo ataque com um golpe preguiçoso de uma garra, desviando aparentemente sem força alguma. O golpe ainda chocalha através de você. Você cerra os dentes para não deixá-lo ver o choque.

Estupidez. Estupidez de sua parte presumir que ele não lutaria. Você se acostumou demais a lutar contra os pequenos orgânicos incompletos e inúteis que não têm chance contra o poder de um verdadeiro phyrexiano.

“Você está enferrujada, pelo o que vejo,” Geth diz. “Você tem lutado contra criaturas que não podem revidar.” Ele lê você como se tivesse acesso aos seus pensamentos. “Colocando os dentes nos meus contratantes, não é?”

“Como se eu fosse cegar minha lâmina em um inimigo tão inútil,” você zomba.

“Sim, é o que você diria, não é?” Os golpes de Geth ficam mais poderosos enquanto ele fala. Você ouve o assobio do ar quando eles erram por muito pouco. “Mas isso é o que você e sua laia nunca entenderão. A única lealdade verdadeira é aquela que pode ser comprada.”

“Tolice.” Absurdo. Ele está falando a mesma bobagem que Belaxis, tentando enganá-la. Patético, um barão compartilhando a miséria de um nanico não-completado. Não é de admirar que seus comandantes o queiram morto.

E, no entanto, seu poder é inegável.

“Você duvida de mim? Então, por quê razão você luta, filha da Ortodoxia das Máquinas?”

“Meu nome é Ixhel,” você resmunga.

Geth sorri. A elasticidade de rosto dele é nojenta. Você não está acostumada a ver essas coisas. “Ixhel. Um bom nome para outra boneca phyrexiana.”

Você cospe. “Acha que me insulta?”

“O desinteresse do público não torna a piada menos engraçada.”

Piadas. Ah! Você vai mostrar para ele o que é uma piada. Especialmente agora que você está começando a perceber que faz muito mais sentido evitar seus golpes do que tentar apará-los. Ele está certo sobre uma coisa: lutar contra ninguém a deixou mole. Você não estava preparada para alguém com o tipo de força dele.

“E agora você está correndo como um rato,” Geth diz naquela voz grave e sonora. “Está com medo de ficar e lutar?” Ele dá outro golpe largo, forçando você a pular para trás em uma luta desajeitada. O mármore de osso sob seus pés não é familiar; você continua escorregando. Você deveria tê-lo forçado a sair e lutar contra você sob o céu.

“Não é de admirar que você seja fraca,” Geth diz com outra risada. “Nenhum de vocês entende a vitória nascida da verdadeira luta. A luta para sobreviver.”

“Você não sabe de nada!”

“Eu sei mais do que você pensa.” A cara feia de Geth está sorrindo para você agora, um rictus hediondo. “Sei que o que realmente faz um guerreiro é saber que se você perder, você morre. Não que, se você perder, haverá milhares de outros sem rosto para tomar o seu lugar. Sua onipresença os torna fracos.”

“Você está errado,” você grita de volta.

“Estou?” As chamas das tochas queimam as costas duras e blindadas de Geth. “Então por que você não abaixa suas armas e morre? Certamente seu comandante pode simplesmente mandar a próxima versão de você.”

Belaxis havia dito quase a mesma coisa, embora não com tantas palavras. Você se preocupa, por uma fração de segundo, que eles tenham se comunicado. Que Belaxis é um informante direto do barão, em vez de apenas um subalterno inútil. Você ignora o pensamento. Não faz diferença.

Geth parou de atacar, então você para também, fazendo tudo o que pode para esconder que já está exausta.

De alguma forma, Geth ainda está falando. “Quando vocês vencerem, o que manterá seu povo unido? Quando vocês se espalharem pelo Multiverso?”

Você queria poder cobrir os ouvidos. Você uiva, brandindo sua lança. Geth, em uma explosão de velocidade além de qualquer coisa que ele já havia demonstrado, irrompe em sua guarda, segurando você pela garganta com uma garra. Você congela.

Ele te puxa para perto, hálito quente e fétido. “E você, pequena emissária? Quando você queimar o resto do plano, o que você terá para sustentá-la além da sua ortodoxia? O amor daquela mãe rígida e estranha?”

A pergunta reverbera dentro de você. Pelo quê você vive? Por que você existe?

Com um forte grito de raiva, você arrasta sua lâmina ao longo da garganta dele, abrindo-a com um esguicho de sangue quente e óleo. Desvencilhando-se do alcance de Geth, você abaixa sua lâmina em um único golpe, separando a cabeça dele do corpo. Você a pega, sua voz gorgolejando em sua garganta arruinada.

“Apodreça no chão, criatura inútil. No final, seus contratos eram tão valiosos quanto sua vida patética.”

A dor é lancinante, mas não é nada comparada ao êxtase da vitória. E à medida que esse êxtase cresce, o mesmo acontece com o desejo. É avassalador. Ele te deixa de joelhos.

Este tolo, este monstro. Ele não merece o alívio da morte. Você o odeia, você o odeia! E, no entanto, quando sua garganta se fecha, você sente a carne ceder sob a ponta dos dedos, os olhos de brilho opaco ficando nublados. São quase lindos agora, belos como o brilho verde e prateado ao redor da carne vulnerável.

A cabeça de Geth balbucia palavras que você considera pouco mais que um absurdo. O que ele poderia ter sido se tivesse apenas cedido? Se tivesse percebido a verdade.

Talvez, nisso, você possa ajudá-lo.

Os Poços de Entulho são um buraco imundo e de má reputação, com certeza, mas eles têm seus momentos.

Dominando a paisagem, mais imponente até do que a torre de Lord Geth, está o Dominus da Dor. Quando os phyrexianos se estabeleceram neste plano e o óleo brilhante, em toda a sua glória, começou a transformá-lo em seu estado correto e verdadeiro, partes da terra despertaram. Elas se moveram, se sacudiram e começaram a vagar.

Ninguém sabe ao certo o que são os Domini, se eles pensam e desejam da mesma forma que os outros phyrexianos. Se eles planejam, como é provável, colocar tudo sob o domínio da Ortodoxia das Máquinas.

Mas você sabe o que este Dominus deseja, e um monólito imponente e afiado contra o céu está totalmente equipado para consegui-lo. É um voo curto da torre de Geth, e você não se importa mais com quem consegue te enxergar. Mas as palavras de Geth ainda vibram dentro de você, estranhas e pulsantes.

O Dominus está em repouso. Não olha para você. Ele se move e murmura, ossos polidos sussurrando ao vento. A podridão perfuma o ar. Corpos – de todos os tipos, de saltadores a aspirantes, até um único sacerdote esfarrapado – flutuam ao vento, empalados pelos espinhos ferozes do Dominus. Cada um deles deve ter sido escolhido e colocado com cuidado, seus gritos e espasmos embriagados com extasiada atenção.

Você não entende o Dominus, mas fará uso dele.

Um lamento penetrante ecoa pelos ermos enquanto você prende o corpo contorcista em seus braços em uma ponta afiada no lado leste do Dominus. Sangue brilhante resplandece na luz necrógena fria. É incrivelmente quente em suas mãos.

“Por quê?” coaxa Belaxis. As costas do aspirante se arqueiam em uma linha perfeita e limpa. O esporão ósseo se projeta de seu abdômen, mais branco até mesmo que sua carne não completada.

“Por quê?” Sua voz falha. “Eu te ajudei.”

Seus dedos se movem para baixo para segurar o queixo dele, puxando-o para cima. Seu rosto está se contorcendo, eloquente pela dor, tremendo com ela. O corpo dele, coberto por uma pele macia e violável, sente muito mais do que o seu.

“Eu sei,” você diz, enquanto o vê se contorcer. “E sou grata.”

Após a escuridão das esferas superiores, o branco puro da Basílica da Equidade é quase ofuscante. De pé na sala do trono, olhando para o assento da Mãe das Máquinas, o esplendor quase te deixa de joelhos.

Você passou os últimos dias no frio venenoso da Área Cirúrgica, sentada e observando enquanto sua criação se manifestava. Aquela esfera pertence a Jin-Gitaxias, um inventor e visionário, mas se você quiser usar o equipamento, quem iria impedi-la? Ninguém seria tolo o suficiente para tentar.

No final do processo, você ficou olhando para sua criação, uma sensação estranha brotando dentro de você, não muito diferente da experiência de arrancar membro a membro de um inimigo. Exceto que desta vez, você fez algo.

Você criou algo e trouxe para casa com você.

“Ixhel.” Atraxa é elegante e de cabeça erguida, a phyrexiana ideal. A Grande Unificadora, a arma perfeita na batalha. Ela traz vida à Ortodoxia das Máquinas. Ela espalha o óleo brilhante pelo Multiverso. Ela é a única voz verdadeira a quem você sempre responderá.

E agora ela olha para o que você trouxe com tanto desdém que você sente como se o plano tivesse se rachado.

Arte de Marta Nael

“Ixhel. O que você fez?”

O silêncio é ensurdecedor. À distância, o cântico sobe como um vento sinistro através de ossos pendurados. Suas respirações parecem facas.

“Comandante-”

“Responda-me.”

Você cai de joelhos. “Eu só, eu só queria fazer alguma coisa.” Você arrisca um olhar para cima, seu corpo queimando. “Como você me fez.”

Atraxa olha para você. “Eu criei uma arma. É isso o que você é.”

“Eu sei, eu sei. Eu só pensei…”

Atraxa solta uma risada áspera que você só a ouviu usar com os inimigos. Com os incompletos. “Você pensou?”

A palavra ecoou pelo corredor, quebrando a serenidade como uma janela de vidro. Ela agarra o seu âmago. Diante da certeza, não há necessidade de pensar. Você sabe disso. Você não precisava ouvir as coisas que ela está dizendo para você.

“Livre-se disso, é um-”

“Vishgraz.” Uma voz disse o nome. Depois de um momento, você percebe que deve ser a sua. Ninguém mais sabe disso.

“O quê?” A palavra cai sobre você como um golpe.

“O nome dele.” Você está prestes a cair no chão. Você nunca sentiu nada como esta culpa sufocante. Você nunca fez nada para merecê-la. Uma coisa que segue ordens é uma coisa que nunca pode decepcionar. “Seu nome é Vishgraz.”

Atraxa não responde por tanto tempo que você pensa que ela foi embora. Você olha para cima. Ela ainda está lá, mas não está olhando para você. “Livre-se disso,” ela ordena.

Ela deixa você ajoelhada no chão, olhando para um trono vazio.

Ao seu lado, uma voz familiar começa a rir. Uma risada leve e ritmada. Combina com este lugar brilhante, mas arranha seu interior.

“Você esperava algo diferente?”

Pela primeira vez desde que baixou os olhos ao rosto de sua comandante, você olha para ele.

Aquele rosto, outrora enraivecido, agora te enche de um carinho misterioso. É irreconhecível, coberto pelo revestimento espesso da completação, mas você sabe o que se esconde por baixo dele. A cabeça do traidor que você segurou em suas mãos. Pernas aracnídeas se projetam de um corpo bulboso, fortalecido com blindagem verde e prateada. O verde penetrante de seus olhos não contém nada da vivacidade de seu dono anterior e nada da angústia.

Dois daqueles membros já foram delicadas asas de osso branco e vermelho. O lugar de onde você as tirou, de suas próprias costas, ainda ardia com uma dor quente.

“O que você está falando?” Sua voz sai áspera.

Vishgraz oferece a você uma mão com um floreio levemente irônico. Você deixa ele te colocar de pé.

“Você acha que eles vão te agradecer por criar algo como eu?”

“Ela fez algo como eu,” você insiste, mesmo sabendo o quão pouco isso significa. O que é uma alegação de hipocrisia diante da Ortodoxia das Máquinas? Elesh Norn decide o que é verdade, e Atraxa fala com sua voz.

“Eu queria-” Você não conclui. Esse é o ponto crucial – você sente antes que saia de seus lábio. Você quis, e ao querer, você falhou.

Você pretendia dizer que queria salvá-los, dar a eles o que você tem, o que todos terão em breve – rebaixar a tolice de Geth e aumentar a atenção nervosa de Belaxis, mas… isso seria uma mentira, pelo menos em parte.

Você odiava Geth, as coisas que ele dizia soavam em sua cabeça como sinos dissonantes. Você gostava de Belaxis, ou gostava das linhas elegantes de sua carne não completada, da maneira como a luz refletia em seus olhos brilhantes e corpo pálido.

Você não sabe o porquê. Você só não queria que nenhum deles desaparecesse. Você queria trazê-los com você. Você é uma criatura miserável.

“Eu queria te salvar,” é tudo que você diz em voz alta.

Quando Vishgraz responde com a mesma risada ritmada, ao mesmo tempo você a esperava e não aguenta. Você se afasta dele. “Silêncio!”

“Me salvar?”

Você levanta a mão. “Eu disse, fique quieto!” Ele não estremece, não tenta te impedir. É isso o que mantém sua mão parada. Não é como se você pudesse causar algum dano real a ele, não mais.

“Salvo?” Ele se aproxima de você, os membros estalando, os olhos brilhando. “Dentro de mim, posso sentir esse corpo doendo para se despedaçar. Sinto as partes diferentes de todas as coisas que costumavam ser.”

Ele paira sobre você, um corpo tão grande que cobre a luz. Ele poderia te esmagar, se tentasse.

“Não me lembro do que eu era,” você diz. Você se inclina contra ele em uma paródia de um abraço. Você estremece. Parece que algo passou através de você, como Belaxis pelo espeto.

Você dá as costas rapidamente. “Venha comigo.”

Vishgraz fica quieto por um momento. “Onde estamos indo?”

Você olha para trás. “Vou me livrar de você.”

Os Poços de Entulho fedem. Você fica embaixo do mesmo fosso e olha para cima, através da névoa rodopiante de necrogênio. O mesmo local, mas você se sente a quilômetros de distância. Não é o plano que mudou.

Ao seu lado, Vishgraz faz um barulho questionador, como se estivesse esperando uma pancada.

“Vá,” você diz.

Nada.

“Vai!”

Uma lenta expiração. “Você deveria vir comigo.”

Isso faz você olhar para cima. Você ri. “Não.”

Arte de Andrew Mar

Vishgraz dá um passo vacilante em sua direção. “Você sabe, Ixhel. Você sabe que deveria. Eles afirmam ler as estrelas, saber que o Multiverso está destinado a ficar sob o domínio phyrexiano. A harmonia da completação se espalhará e isso é bom e o correto.” Outro passo. “Mas você sabe que tudo isso são cinzas. Você, seu povo, tudo o que você se propôs a fazer – tudo existe por capricho de um tirano.”

Você deveria negar.

Você não diz nada.

“Sua Ortodoxia das Máquinas significa tanto quanto meus contratos.”

“Você não é ele,” você esbraveja.

“Então o que eu sou?”

Você olha para o chão rachado. “Você é meu primeiro desafio. Agora vá.”

Ele fica em silêncio por um longo tempo e, quando responde, é apenas com o estalo silencioso de seus membros, aqueles que você deu a ele.

Você fica na base do fosso muito tempo depois de ele ter desaparecido na escuridão. No fundo do seu ser, há um desejo que deseja segui-lo.

Mas você não vai.

Ainda não.

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