Mtg Lore

Compêndio da Lore de Magic the Gathering

ORIGEM DE LILIANA: O QUARTO PACTO

James Wyatt

Escritor de D&D e Magic: the Gathering. É o autor dos livros "The Art of Magic: the Gathering". Escreveu dezenas de textos importantes, notadamente a biografia de Alesha.

Arte de Chase Stone

PRESENTE DO HOMEM CORVO

Um homem morreu em algum lugar próximo – perto demais – desperdiçando seu último suspiro em um grito desarticulado que apenas seu assassino e Liliana Vess puderam ouvir. Liliana se afastou do som, deixando o máximo possível de árvores retorcidas entre ela e o assassino.

Ela crescera andando pelas trilhas e caminhos da floresta de Caligo e conhecia-os tão bem quanto qualquer um – certamente melhor do que qualquer um dos soldados que lutavam e morriam sob seus galhos agora. Mesmo à noite, os bosques pareciam lar para ela, com corujas e rouxinóis cantando suavemente entre os ramos escuros. Mas naquela noite a floresta havia se tornado um campo de batalha, e os únicos sons eram os gritos dos moribundos e o grasnido dos corvos brigando pela carne dos mortos.

Arte de Karla Ortiz

Ela parou e escutou, esticando os ouvidos para qualquer som de perseguição, alguma indicação de que havia sido detectada. Nenhum soldado humano veio atrás dela, ela tinha certeza – apenas um corvo pulando e tremulando de galho em galho a seguia, esperando que ela morresse.

“Não esta noite, pássaro,” ela sussurrou. “Josu está dependendo de mim.”

O pensamento de seu irmão – delirando com febre, deitado, às portas da morte, na casa de seu pai – acelerou seu passo, e logo os sons da batalha desapareceram atrás dela. Se ninguém mais enfrentasse a floresta para encontrar a raiz esis que o curaria, então Liliana o faria.

“Estou pronta,” ela disse ao pássaro. “Vou curá-lo, e juntos vamos esmagar esses invasores.”

O corvo coaxou.

“Não ria de mim.” Ela se debruçou no chão e pegou uma pedrinha para atirar nele, mas quando levantou a cabeça o pássaro sumira.

Em seu lugar estava um homem, suas feições escondidas nas sombras do capuz do seu casaco. Ela jogou a pedra do mesmo jeito; bateu no ombro dele e caiu de volta ao chão. Ele retirou o capuz quando Liliana se atrapalhou com a faca em seu cinto.

Ele era alto e tinha um ar nobre, vestido com uma roupa preta e dourada que não mostrava sinais de sua passagem através das árvores e arbustos. Cabelo branco coroava a cabeça, despenteado pelo capuz, mas os cabelos das têmporas eram negros e varriam as orelhas. Seus olhos – estranhamente dourados, como o bordado de suas roupas – se alargavam e fixavam o olhar.

“Eu não estou aqui para te machucar, Liliana Vess,” disse o homem.

“Você sabe o meu nome,” ela disse, segurando sua adaga. “De alguma forma isso não me inspira confiança.”

Ele levantou as mãos vazias. “Seu pai é nosso senhor e general. Claro que eu conheço você.”

“Você está me seguindo?”

“Como você, eu prefiro me deitar na floresta do que acabar como um cadáver sem cabeça arrastado pelos cavalos dos inimigos de seu pai, minha pele esticada sobre seus escudos e meu crânio dançando entre as árvores.”

Arte de Chris Rahn

Enquanto falava, Liliana pensou ter ouvido batidas de casco à distância. “Eu tenho que ir,” ela disse.

“Mas aonde você vai?”

“A clareira…”

“Onde a raiz esis costumava crescer?”

Ela franziu o cenho. “Como você sabia… espere. ‘Costumava crescer?'”

“Você não sabe? Eles a queimaram.”

“Os atacantes?”

“As bruxas-de-pele deles. É um círculo de cinzas agora, onde eles cantam seus ritos e criam mais soldados para lutar contra seu pai.”

“Não,” disse Liliana.

Virando as costas para o homem estranho, ela correu, sem se importar com o barulho que fez quando atravessou os arbustos e tropeçou nas raízes. Cheirou a fumaça muito antes de chegar à clareira e deteve-se quando viu a luz das brasas reluzentes.

As asas de um corvo bateram no ar atrás dela e ela se virou. O homem de olhos dourados se levantou, olhando para o chão.

“Tanta morte,” ele disse.

Liliana abaixou o olhar e fitou com surpresa quando seus olhos encontraram os de um homem morto deitado a seus pés. Cadáveres espalhavam-se pelo chão – soldados nas cores de seu pai: preto e dourado. Alguns agarravam ferimentos horríveis, alguns carregavam queimaduras terríveis, e alguns estavam sem cabeça, a pele arrancada da gordura e dos músculos brilhantes pela magia negra das bruxas-de-pele. Nenhum pássaro carniceiro se agitava entre eles.

“E sem a raiz de esis,” disse o homem, “seu irmão será o próximo.”

“Não!” ela chorou. “Eu não vou deixar isso acontecer.”

“Não, você não vai.” A certeza constante de sua voz apenas exacerbou o pânico que atingia o peito de Liliana.

“Tem que haver outro jeito,” ela disse. “Mais raiz de esis… outra clareira.”

“Você sabe que não há outra clareira.”

“O que você está dizendo?” Liliana lutou contra o desejo de dar um tapa no homem enfurecedor. “Você sabe outra maneira de salvar Josu? Qual é?”

O homem apontou na direção da clareira. Ela se virou e olhou para as árvores, onde um brilho fraco de brasas ardia na escuridão.

Sua voz estava bem atrás dela, sua respiração em seu ouvido: “Você sabe.”

Mas ela não sabia. Durante anos ela estudara fielmente ao lado de Lady Ana, memorizando as propriedades curativas de raízes e ervas, aprendendo os sinais e sintomas de centenas de doenças e o melhor tratamento para dezenas de tipos de feridas. A raiz de esis era a única cura possível. “Você disse que a clareira estava queimada, que a raiz se fora.”

“Você sabe mais do que isso.” 

Todos os seus estudos, suas lições, as rotinas diárias de esmagar ervas e misturar poções – nada mais sugeria uma possível cura.

“A menos que…” ela murmurou.

“Você sabe.”

Claro! Ela quase pulou com o pensamento inesperado. Ao longo dos anos, ela expandiu seus estudos para além do que Lady Ana podia ensinar, mergulhando na magia que exigia uma abordagem mais direta da vida e da morte. Tudo a serviço de seu trabalho como curandeira, é claro. Ela conhecia a magia que poderia transformar até mesmo uma raiz esis queimada e enrugada em uma cura para Josu. Pelo menos em teoria.

Arte de Bastien L. Deharme

Mas como ele sabia disso?

“Eu não estou pronta,” ela disse. “Eu tenho muito mais a aprender.”

“Tenho certeza que Josu vai esperar enquanto você completa seus estudos.”

Liliana praguejou violentamente em silêncio e afastou-se do homem, aproximando-se da clareira queimada.

Ele a seguiu, falando diretamente em seu ouvido. “Você não pode se dar ao luxo de esperar, Liliana Vess. Você já sabe o suficiente. Você já é uma grande maga, embora não admita isso a si mesma. E você será ainda maior, assim que abraçar seu poder.”

Seu pânico estava mudando, transformando-se em uma onda inebriante de excitação. Ela era poderosa, mas sempre escondeu seu conhecimento proibido, com medo de censura. Abraçá-lo, ignorar as consequências – ela teve que admitir, como outras coisas proibidas, exultar seu poder parecia divertido.

Ela girou na direção dele, colocando uma mão em seu peito e o empurrou. “Como você sabe tanto sobre a minha magia?” Ela podia sentir a onda mágica dentro dela, o arrepio frio da aproximação da morte.

“Acho que nós dois somos mais do que parecemos,” ele disse.

Liliana sempre soubera: ela era mais, muito mais do que qualquer um já visto. E agora ela provaria isso. Ela sentiu algo dentro dela se libertar, como uma flor escura florescendo em um pântano profundo. Feitiços vieram à sua mente, entrelaçando-se em um plano desesperado e aterrorizante.

“Sim,” disse o homem. “Agora você enxerga. A raiz de esis é uma cura poderosa, mas era o caminho mais seguro. Você conhece um caminho mais poderoso.”

Ela sabia, percebeu com surpresa. Estendendo seus sentidos, sentiu o poder que se formava em toda a podridão e decadência do pântano próximo. Ela atraiu a mana para si com um sorriso sombrio, apenas vagamente consciente de que o estranho homem havia desaparecido novamente.

A cada passo à frente, o poder que se libertara dentro dela parecia florescer um pouco mais, solidificando sua determinação. Ele a impulsionou, encorajando-a a abraçar sua força. Uma dúzia de passos levou-a para longe da proteção das árvores e para dentro da clareira.

Agora havia um círculo de cinzas destruído, com brasas fumegantes em forma de anel na beirada. Quando ela percebeu a cena, lembrando-se da tranquila clareira que fora um dia, o terror começou a lutar com a fúria em seu coração. Três bruxas murchas estavam de costas no centro, os olhos fechados enquanto enviavam seus feitiços voando através da floresta para os campos de batalha nas terras de seu pai. Três sentinelas medonhas – crânios aterradores com pedaços de carne balançando, uma luz roxa doentia brilhando em suas órbitas vazias – flutuavam ao redor.

Seis inimigos e Liliana estava sozinha. Mas a vida de Josu dependia dela, e o poder que crescia dentro dela era mais do que suficiente.

“Olá, senhoras,” Liliana arrulhou.

Um dos crânios flutuantes balançou em direção a ela, um grito fantasmagórico subindo de sua boca escancarada e sem carne. Ela respondeu com um cântico próprio, uma série de sílabas baixas que ecoavam no ar morto. Uma faca de completa escuridão disparou de seu dedo esticado e esfaqueou o crânio, cortando a energia necromântica que lhe dava a aparência de vida, e caiu no chão.

As bruxas de pele abriram os olhos brancos e se voltaram para ela ao mesmo tempo.

Mais duas vezes, Liliana apontou, e os dois crânios restantes caíram nas cinzas, levantando pequenas nuvens onde aterrissavam.

“Eu acho que vocês precisam de alguns guarda-costas mais fortes,” ela disse. Sua confiança estava aumentando, substituindo seu medo pela fria determinação. Ela percebeu que era boa naquilo. Assim que se entregou, foi tão fácil. Muito mais fácil do que seus estudos monótonos com Lady Ana. E era tão bom!

As bruxas de pele iniciaram um canto, suas três vozes falando como uma só, e a dor dançou sobre Liliana como garras traçando marcas em sua carne.

Ela gritou.

Mas ela transformou seu grito em outro feitiço, usando a dor para focar sua mente. O feitiço rolou de sua boca como o tilintar de um sino, e um frio mortal acalmou sua pele queimada enquanto sua magia tomava forma. Três mãos espectrais flutuaram do chão aos pés das bruxas, arrastando sombras como braços fantasmagóricos.

Arte de David Palumbo

Agora era a vez das bruxas uivarem de dor quando as mãos desapareciam em seus peitos e emergiam de suas costas, agarrando-se a partículas brilhantes de luz dourada. Seus gritos se transformaram em gemidos patéticos assim que caíram no chão, apertando seus peitos com a pouca força que o feitiço de Liliana tinha deixado. Uma bruxa-de-pele esticou a mão para ela e murmurou algo que poderia ter sido um feitiço, mas Liliana não sentiu nada.

As três mãos espectrais convergiram em um ponto perto dos pés de Liliana e mergulharam de volta na terra com seus prêmios. Com um sorriso, Liliana começou a se abaixar, mas o coaxar áspero de um corvo atrás dela a assustou e ela se virou. Um dos cadáveres que ela viu do lado de fora da clareira agora estava de pé, cambaleando em sua direção.

“Então você lançou um feitiço depois de tudo,” ela disse para a bruxa-de-pele atrás dela. “Um esforço valente, mas acho que foi o último.”

Com uma respiração profunda, ela concentrou sua vontade e simplesmente apagou a aparência de vida que animava a carne do zumbi. Atrás dela, a bruxa deu um grito estrangulado.

Liliana olhou para o corpo do soldado, sua armadura rasgada e seu uniforme manchado de sangue. “Tanta morte,” ela disse. Ela levantou os olhos e encontrou o olhar do corvo empoleirado acima dela. “E isso é apenas o começo.”

A seus pés, um brilho dourado emergiu das cinzas onde as mãos espectrais haviam se enterrado. Afundando até os joelhos, ela mergulhou a própria mão no chão e pegou seu prêmio. Quando levantou a mão novamente, apertou um pedaço murcho e enegrecido da raiz de esis, brilhando suavemente dourado. Aquilo faria uma poção muito mais poderosa do que a que ela planejara originalmente, infundida com a vida que roubara das bruxas de pele. O homem estava certo – ela sabia o que fazer. Claro que ela sabia.

Embalando a raiz em seu peito, ela voltou para a floresta em direção à casa de seu pai.

Ela sorriu para o pássaro quando passou por ele. “Obrigado, Homem Corvo.”

PROMESSA DO VÁCUO

A raiz de esis enegrecida fez uma poção que brilhava dourada como o alvorecer que aquecia a neblina matinal, assegurando a Liliana o poder vivificador que continha. Embalou-o nas palmas das mãos enquanto passava pelo clamor da casa, contemplando a luz que vinha de sua magia negra. Os servos se curvaram e recuaram quando ela se aproximou, mas rapidamente recomeçaram seus gritos e se arrastaram atrás dela.

“Água fria!”

“Roupa nova!”

“Onde está aquele caldo?”

“Água!”

Ela ignorou todos os gritos, convencida de que o elixir que levava logo acabaria com todas as preocupações e comoção.

“Lady Liliana voltou!” Um servo chamou à frente dela e, finalmente, ela olhou para cima.

Ela estava no corredor do lado de fora do quarto de Josu. Em resposta ao grito do criado, Lady Ana saiu do quarto e colocou as mãos nos quadris, franzindo a testa para o frasco nas mãos de Liliana.

“Isso não é raiz de esis,” disse a curandeira.

Liliana fez uma pausa, sua confiança vacilou diante de sua imperiosa professora. Mas então ela ouviu Josu gritar na sala – “Crânios! Crânios flutuando entre as árvores!” – e ela se lembrou do que tinha passado para fazer a poção e o que estava em jogo. Ela endireitou as costas e encontrou o olhar imperioso de Lady Ana.

“É melhor,” ela declarou.

Ana zombou. “Eu vou julgar isso. Como você conseguiu? Quais são os componentes?”

“Este não é o momento para um exame. Josu está morrendo!”

“A administração de curativos não é para ser apressada,” disse Ana, cruzando os braços sobre o peito. “Algumas poções podem fazer mais mal do que bem.” Seus olhos foram para o frasco nas mãos de Liliana e seus lábios se curvaram.

“As bruxas!” Josu chorou de sua cama. “Não, não, as chamas!”

“Eu fiz a partir da raiz de esis,” disse Liliana, “mas a aperfeiçoei.”

“Aperfeiçoou? Como?”

“Está queimando!” Josu estava gritando, e Liliana podia ouvir o burburinho de criados tentando acalmá-lo, para abaixar sua febre, para trazer algum alívio ao seu tormento.

“Saia da frente, Lady Ana,” disse ela. “Josu precisa beber isso. Agora!”

Ana se levantou, com o rosto avermelhado. “Um aprendiz não se dirige ao seu mestre dessa maneira.”

Liliana respirou fundo, fortalecendo-se. Não era apenas o poder que crescia dentro dela – ela estava se abrindo, sua mente se expandindo, seu verdadeiro eu vindo à tona. Esta era a sua hora. A vida de seu irmão estava na balança. Ela sabia o que precisava fazer.

“Então é hora de meu aprendizado chegar ao fim,” ela disse. “Seu poder não é páreo para o meu mesmo.”

“Poder? As artes de cura não são sobre poder.”

“Você acha que não?” Liliana riu. “Afaste-se e observe.”

Ela empurrou a curandeira para dentro do quarto de seu irmão e caiu de joelhos ao lado de sua cama.

“Fique longe do meu paciente!” Ana estalou.

Durante todos os longos anos de aprendizado, aquela voz significava obediência instantânea, e Liliana quase recuou por puro reflexo. Mas Josu pegou sua mão e olhou para ela – não, olhou além dela – e todo o resto desapareceu.

“Josu?” ela murmurou. “Você pode me ouvir?”

“As bruxas,” ele disse. Não estava mais gritando, ele parecia uma criança assustada. “Elas tiraram a pele…”

Liliana ergueu o frasco brilhante, e sua luz dourada brilhou nos olhos de Josu enquanto ele olhava para ela. “Beba isso, irmão.” Ela levantou-a para os lábios dele. “Isso vai lhe fazer descansar.”

“Não faça isso!” Lady Ana fez um último protesto, mas já era tarde demais.

Arte de Izzy

A poção encheu a boca de Josu e uma gota reluzente de ouro escorreu pelo seu queixo. Por um momento, o medo torceu o seu rosto e Liliana ficou preocupada que ele pudesse cuspir o líquido precioso, mas depois engoliu, e engoliu mais uma vez, e mais uma. Então seus olhos se fecharam e ele se acomodou no travesseiro.

Seu único movimento foi a lenta subida e descida de seu peito enquanto respirava. Liliana afastou o cabelo da testa suada e a sugestão de um sorriso apareceu nos cantos de sua boca.

“Liliana,” ele suspirou.

Atrás dela, um dos servos deu um suspiro estrangulado. “Ele a reconhece!” a mulher disse.

Lady Ana deu uma gargalhada. “Tudo bem. Você acalmou o sono dele. Agora você pode me dizer…”

“Lili!” Josu gritou. Suas pálpebras se abriram para revelar dois orbes negros. Por um instante, ela viu seu rosto refletido neles, mas morto – seus próprios olhos apodreceram, sua pele estava esticada sobre seus ossos.

Ele endureceu, seus olhos vazios olhando para o teto. Liliana notou uma mancha enegrecida no lábio – onde sua poção havia escorrido de sua boca. Enquanto ela observava, ele pareceu encolher. Seus olhos afundaram de volta em seu crânio e sua pele pálida se tornou cerosa e apertada. As maçãs do rosto se projetavam da face e os lábios se afastaram dos dentes.

“O que você fez, garota?” Lady Ana sussurrou. Ela empurrou Liliana para o lado e se inclinou sobre a forma imóvel de Josu.

Liliana foi até o pé da cama, sua mente vacilando enquanto olhava para o irmão. O que ela fez? A poção – sua poção, preparada por sua habilidade e sua magia – não o curou de nada.

Ela o matou. Todos os seus esforços… e o resultado foi pior do que se ela não tivesse feito nada.

Muito pior.

Lady Ana levantou-se ao lado da cama, com o rosto sério, e começou a enxotar os criados para fora do quarto. Liliana sentou-se na beira da cama ao lado de seu irmão, pressionando sua mão fria e rígida entre as suas como se pudesse restaurar seu calor.

Então sua mão se soltou e agarrou sua garganta. Unhas afiadas mordiam sua pele.

“Muita dor…” Josu disse.

Ele se sentou, trazendo seu rosto ao lado do dela. “Para onde você me enviou?” ele perguntou.

O ar fétido de sua respiração feria suas narinas, mesmo enquanto ela lutava para inspirar, tentando tirar os dedos de seu pescoço.

“Muita… dor!” ele gritou e jogou Liliana contra a parede. Ela caiu no chão e Lady Ana gritou.

“Josu,” sussurrou Liliana, “sinto muito.”

“Você sente muito?!” Ele ficou de pé e cambaleou para ela. “Você me amaldiçoou, irmã!” Olhando para ela, ele levou os dedos com garras para o próprio pescoço. “Me condenou ao eterno tormento!” Ele passou as unhas pelo pescoço e pelo peito, rasgando a pele e o tecido da mesma forma… mas nenhuma gota de sangue se espalhou das feridas. “Tormento!”

Arte de Izzy

Apoiando-se contra a parede, Liliana lutou para ficar de pé, afastando-se dele. Mas apesar da rigidez de seus membros, ele foi rápido, e pegou o pescoço dela novamente, pressionando suas costas contra a parede.

“Deixe-me ajudá-lo, Josu,” ela implorou. “Volte, volte e vamos fazer isso direito.”

“Me ajudar?” Sua voz era um sussurro rosnando em seu rosto. “Estou perdido no Vazio, Lili. Perdido! Então, por que eu continuo aqui?”

“Eu não sei, irmão. Eu não sei. Mas nós consertaremos isso. Confie…”

Ele reforçou seu aperto e sufocou suas palavras. “Confiar em você? Confiar em você? Não!”

“Me solte,” ela resmungou.

“O Vazio te terá, Lili. Sua fome nunca morre. Ele terá a nós dois.”

“Me solte,” ela disse novamente. Seu terror e tristeza se dissiparam, deixando apenas uma raiva fria. Memórias das árvores cobertas de musgo, o ar úmido e a água fedorenta no coração do Caligo percorriam sua mente enquanto mana fluía dentro dela, gelando seu sangue e picando sua pele.

“Eu nunca vou te soltar, irmãzinha. Nunca mais. Nós ficaremos juntos, você e eu. Unidos nesta eterna agonia!”

“Me solte!” A fúria de Liliana provocou uma explosão de escuridão entre eles, derrubando Josu na cama quando a parede rachou e desmoronou sobre suas costas. As sombras dançaram através de seu corpo, em seguida, desapareceram, penetrando em sua pele pálida. Ele ficou em pé novamente, não tão rígido, e olhou para ela.

“Então minha querida irmãzinha se interessou por necromancia,” ele disse. “E me transformou nisso!” Ele projetou sua mão na direção dela e uma fonte de sombras voou dos seus dedos.

Ela ergueu suas mãos para se proteger, e as sombras a perfuraram, rasgando sua alma e batendo na parede atrás e ao redor dela. Embora isso a deixasse amargamente fria, o feitiço de Josu não a machucara tanto quanto havia danificado a parede. Como o apoio de suas costas se desintegrou em cinzas, ela tropeçou e caiu em meio aos escombros.

Liliana estava vagamente consciente do caos em erupção ao redor deles, os criados da casa gritando, correndo, choramingando de dor ou chorando em luto. Como deu tão errado? ela pensou. Ela tinha exultado com o poder florescente dentro de si, mas agora parecia desabar sobre si mesma, deixando um vazio desolado.

Não, ela pensou. Eu tenho que fazer isso direito.

Recuando enquanto ele andava a passos largos na direção dela novamente, ela tentou pensar em um feitiço que poderia desfazer o que tinha feito, de alguma forma, tomar sua aparência distorcida de vida e inflamá-la novamente com vida verdadeira. Nesse meio tempo, porém, ela teve que mantê-lo longe dela. Ela lançou vários feitiços na direção dele, rajadas de escuridão e garras de sombra. Repetidas vezes ele gritou de dor, continuando um fluxo interminável de ofensivas na direção dela. Em vez de parar seu avanço, seus feitiços pareciam torná-lo mais forte.

O que fazia sentido, ela percebeu. A magnitude das mentiras que dissera a si mesma ficou clara. Todo esse tempo, ela acreditara que estava estudando a necromancia de seus livros secretos e fazendo pesquisas sombrias para ajudar em suas artes de cura. Que ela poderia transformar o poder da morte ao serviço da vida e da saúde. Que um curandeiro deve usar todas as ferramentas à sua disposição. Mas Josu era o resultado, uma fusão horrível de vida e morte, e todos os seus feitiços destinados a manipular a força vital dos vivos não podiam fazer nada para ferir os mortos.

E Josu devolvia cada feitiço com um dos seus, quebrando paredes e janelas. Explosões dispersas, desviadas de seus alvos, golpeavam os servos e secavam sua carne, derretiam seus ossos ou consumiam suas almas.

Tanta morte, ela pensou. E a menos que eu pense em algo logo, eu sou a próxima.

O ataque implacável de Josu estava exigindo muito dela. O mana que a inundava e alimentava sua magia parecia amortecer o efeito dos feitiços nela, mas não era um escudo perfeito. Suas mãos estavam frias, seus membros rígidos e seus pensamentos diminuindo à medida que a magia da morte minava sua força, corpo e alma.

Josu – o que havia sido Josu – estendeu suas mãos e sombras a envolveram. Garras de escuridão lhe agarraram, levantando-a do chão e agarrando as partículas de vida e força que permaneciam em seu corpo. Ela sufocou quando as sombras alcançaram sua boca, tirando o ar de seus pulmões. Ela se sentia tão fria quanto a própria morte, sufocando como se tivesse sido enterrada viva, presa no aperto visceral da magia de seu irmão.

Ele estava bem na frente dela agora, olhando nos olhos dela, suas mãos parecidas com garras levantadas como se elas, e não seu feitiço, a segurassem no ar e espremessem a sua vida.

“Junte-se a mim, Lili,” ele disse. “Todo o tormento do Vazio será nosso para compartilharmos eternamente.”

Seus olhos imploravam para ele, mas nenhum lampejo de compaixão iluminava seus orbes negros e sem vida. Finalmente ela fechou os olhos, incapaz de olhar para o horror que havia criado. A morte a cercou e sua cabeça se inundou.

Então, em seu momento de total desolação, alguma coisa dentro de Liliana pegou fogo, uma faísca de escuridão infinita, mais fria que a garra da morte e mais quente que o sol, escura e infinita como o Vazio, mas eternamente viva, uma infinidade de possibilidades. o próprio poder da criação… e da aniquilação. Ela se agarrou a esse novo poder, tomando este último fragmento de esperança.

Sua alma queimou em uma agonia esquisita, e a magia de Josu se dissipou, incapaz de contê-la. Ela abriu os olhos e viu Josu recuando, o rosto retorcido pelo choque.

Ela esticou as mãos para os lados e os cadáveres espalhados pelos escombros se levantaram, seus servos para serem comandados novamente. A multidão de zumbis cambaleou para Josu, o cercou e o subjugou.

Arte de Izzy

Enquanto Josu lutava contra a pressão da carne morta-viva, algo a puxou por detrás. Virando-se, ela viu as ruínas da casa de seu pai mudarem. As paredes se retorciam e se dividiam, formando troncos escuros de árvores sob um manto de folhas negras. Nuvens de poeira se transformaram em um nevoeiro crescente, e o chão cheio de entulho se transformou em terra pantanosa, repleta de folhas mortas e raízes enrugadas. Seus pés não se moviam, mas ela sentia que estava sendo atraída por eternidades indescritíveis, arrancada do mundo que conhecia e empurrada para um outro mundo.

Então sua casa se fora, Josu se fora, os zumbis, tudo que ela conhecia se fora, e ela caiu de joelhos no chão pantanoso.

ANTES, ÉRAMOS DEUSES

Mais de um século depois, uma velha pisou de um mundo para outro. Os anos eram um fardo sobre seus ombros, tão pesados quanto sua dor.

“Você está atrasada.”

A voz estrondosa a saudou antes que ela tivesse deixado totalmente o outro mundo para trás, e com seu primeiro passo no chão de mármore do grande salão, ela o sentiu vibrar com o poder da voz.

“Ainda não,” disse Liliana com um sorriso. “Nem estarei, se você me ajudar como promete.” Olhando à frente, com a perspectiva da morte – a mais mundana das mortes imagináveis: desaparecer pela idade – ela veio procurar a ajuda de quem esteve em todos os planos poderosos o suficiente para mantê-los sob controle.

O chão tremeu novamente quando o dragão riu, e Liliana se virou para olhá-lo – virou-se, levantou a cabeça e deu um passo para trás para enxergar mais, e ainda assim sua enormidade encheu sua visão. Tão grande quanto o salão, os enormes chifres enrolados em cima de sua cabeça raspavam o teto e suas asas estendidas alcançavam as paredes de ambos os lados. Ela reprimiu um olhar de desconfiança – Nicol Bolas estava tentando intimidá-la, para lembrá-la de quem detinha a vantagem nas negociações. Pior ainda, estava funcionando.

“Eu posso te ajudar, Liliana Vess,” disse Bolas. “Mas agora, a imortalidade está além do alcance de todos nós.”

Arte de D. Alexander Gregory

“Diz o dragão de trinta mil anos.” Liliana virou as costas para ele novamente, olhando para suas mãos. Enrugada e manchada pela idade, sua pele estava solta de seus ossos. Ela se manteve tão ereta quanto pôde, não querendo mostrar a fragilidade de seu corpo na frente do poderoso dragão. Mas não era apenas seu corpo – sua alma era uma flor murcha, desprovida de esperança.

“Como nós caímos,” disse ele. “Antes, éramos deuses, gerenciando nosso caos privado através dos planos conhecidos e desconhecidos.”

Suas palavras ferroavam. Eles eram Planinautas, não deuses, mas naqueles primeiros anos não havia muita diferença. A centelha que se acendera em seu coração havia liberado um poder maior do que ela jamais poderia imaginar, tornando-a imortal e virtualmente onipotente, colocando as fileiras infindáveis ​​dos mortos firmemente sob seu comando. Ela percorrera os inúmeros planos do Multiverso durante décadas, exercendo sua vontade, seus caprichos, em mundos sem poder para resistir a ela. Só uma coisa, naqueles dias, parecia estar além do alcance de sua magia: desfazer o que havia feito a Josu.

Então, o Multiverso se reformulou, roubando dela – e de todos os outros planinautas – o poder divino que eles exerciam. Alguns a chamavam de Emenda, como se algo quebrado tivesse sido consertado, mas para Liliana, parecia o contrário. Aquilo a quebrou sem qualquer esperança de conserto. Ela passou décadas trabalhando para recuperar uma mínima fração do poder mágico que havia perdido, e não foi o suficiente – não foi o suficiente para manter a morte sob controle. Josu prometera que ficariam juntos na morte, compartilhando sua dor eterna, e Liliana nunca deixaria que as garras geladas da morte cumprissem aquela promessa.

“Você não caiu tanto,” disse Liliana, incapaz de manter a amargura de sua voz.

“Você não me conheceu no meu ponto alto. Perdi mais poder do que você poderia aprender em uma dúzia de vidas.”

“Então me dê cem!” Liliana se virou para ele. “Olhe para mim, Bolas! Eu posso sentir a morte respirando no meu pescoço.”

“Talvez seja porque ela foi uma companheira tão próxima durante todos esses anos.”

“Não é uma companheira, é uma ferramenta. Algo a ser infligido aos outros, não abraçado.”

“Tenho certeza que alguns de seus antigos professores discordariam.” O chão estrondou com a diversão do dragão novamente. “Certamente você aprendeu com os vampiros quando foi para Innistrad, estudou com os liches – os mestres da necromancia. Eles teriam abraçado a morte e ido além dela, sem temer a sua aproximação.”

Enquanto Nicol Bolas falava, ele abaixava a cabeça para mais perto de Liliana e ela se virou para ver seu rosto refletido em um enorme olho negro – enrugado e exaurido, sua beleza desbotada, o espectro da morte assombrando seus olhos, não muito diferente do que ela tinha visto nos olhos negros do corpo morto de Josu tantos anos atrás.

Liliana se virou. Eu sou mais do que pareço, ela se lembrou.

“Uma rainha não governa seu povo sendo um deles,” ela disse. “Se eu quisesse seguir esse caminho, estaria em Innistrad agora, não aqui. Então você pode me ajudar ou não?”

“Como eu te disse, posso colocar você em contato com os seres que podem te ajudar.”

“Quatro demônios, você disse. E o custo é a minha alma, certo? Pagável após a minha morte?”

“Não é tão simples assim.”

“Claro que não.” Liliana suspirou. “Nada nunca é simples com você, não é, Bolas?”

“Pelo contrário, muitas coisas que sua mente nem pode começar a entender são bem simples para mim.”

Ela bufou. “Sua modéstia é realmente de tirar o fôlego.”

“Uma simples declaração de um fato, Liliana Vess. Afinal, você é meramente humana.”

“‘Antes, éramos deuses.’ Eu preciso daquele poder de volta, Bolas. Poder, juventude e força. Mesmo que isso custe minha alma.”

“Bom.” A respiração do dragão estava perto, queimando a nuca. “Mas uma alma não é uma bugiganga que você pode entregar a um demônio, ou um âmbar que pode se agarrar após a sua morte. Você vai desistir de sua alma, tudo bem – porque ninguém com um fragmento de alma assumiria as tarefas que você realizará para saldar sua dívida.”

Liliana tentou reprimir um estremecimento.

“Mas por que isso deveria incomodá-la,” disse o dragão, “depois de tudo o que você já fez? Você estudou com os maiores necromantes de todos os planos. Você assassinou anjos. E você superou aquele que te iniciou neste caminho. Como você o chama? O Homem Corvo?”

Liliana assentiu distraidamente, pensando em seu primeiro encontro com o Homem Corvo, todos aqueles anos atrás, e nos terríveis acontecimentos que se seguiram. Ela o derrotara, como o dragão disse, mas não o matara – ainda não.

“Talvez você já tenha desistido da sua alma,” disse Bolas.

Essa perspectiva a incomodou, Liliana percebeu com alguma surpresa. Bolas estava certo. Desde seu primeiro encontro com o Homem Corvo na Floresta de Caligo, quando ela abraçara seu poder e o deixara guiá-la, sua vida tinha sido uma concessão moral após a outra, um deslizamento inexorável para a escuridão. O que sobrou que a separava dos vilões mais perversos do Multiverso?

Apenas este momento, ela pensou, este instante de hesitação.

Liliana se virou e olhou para o olhar fixo do dragão. “Vamos acabar com isso.”

ESCRITO EM SUA PELE

Pela quarta vez, Nicol Bolas levou Liliana de seu grande salão de mármore a um plano que ela não reconhecia. Depois de forjar três pactos com três demônios diferentes, o poder cresceu através de seu corpo – ainda assim ela ainda era uma boneca de pano nas garras do dragão.

E ela ainda era velha.

O dragão a depositou em outro grande salão. Chamas saltando encheram um arco na frente dela, mas quando Bolas se retirou, as chamas se apagaram e o quarto demônio apareceu – deslizou – em sua frente. No lugar das pernas, ele tinha uma cauda bulbosa atrás, que se arrastava na direção das fogueiras. Sua cabeça bestial projetou-se para a frente de seus ombros volumosos, dominada por um sorriso malicioso que mostrava seus dentes afiados. Dois chifres, superados por um elaborado capuz, deslizavam para os lados de uma crina castanha. Asas de couro laceradas estendiam-se de seus ombros. E seus longos braços arrastavam garras afiadas que quase alcançavam o chão.

Arte de Tianhua X

“Liliana Vess,” ele disse, inclinando-se para que sua respiração banhasse seu rosto. Sua voz era um sussurro áspero, e a língua de uma serpente balançou entre os dentes quando ele pronunciou o final de seu nome. “Eu sou Kothophed.”

“E você sabe meu nome, então eu acho que é o fim de nossas amabilidades.”

O demônio soltou uma risada curta. “De fato. E eu entendo que eu sou o quarto de seus patronos. Seus outros acordos atenderam às suas expectativas?”

“Eu estou satisfeita.” Bolas a avisara para não contar a nenhum dos demônios sobre os outros, e ela tentou evitar que sequer pensasse neles em sua mente.

“Está? Vamos renunciar ao nosso acordo, então? Você tem tudo o que você deseja?”

Ela sorriu. “Estou satisfeita com o benefício que obtive de cada acordo anterior, e tenho certeza de que ficarei satisfeita com este, quando estiver completo.”

“Oh, mas eu serei seu mestre mais exigente, Liliana. Eu tenho ótimas coisas em mente para você. Então, se você tiver a mínima hesitação, talvez queira reconsiderar. Você já ganhou uma grande quantidade de poder.”

“Não é suficiente,” disse ela. Bolas a avisara também de que, se tentasse renegar uma barganha, os demônios estariam livres para matá-la e, mesmo com o poder que ganhara, duvidava que ela fosse páreo para Kothophed. Mana negro irradiava dele como o calor de uma fogueira.

“Tão faminta por imortalidade,” disse o demônio, deslizando para frente e ao redor dela. “Mas você já ganhou poder suficiente para sustentar sua vida por décadas, pelo menos, talvez um século. E, enquanto isso, você poderia trilhar seu próprio caminho no Multiverso. Isso não é suficiente?”

“Segurando na mão da morte durante esse tempo que me resta? Não, isso não é suficiente. Eu quero estar livre de sua sombra.”

Como eu era antes de Josu, ela pensou. Jovem, viva e felizmente inconsciente sobre quantidade dos meus dias.

“Mas você já abraçou a morte,” disse o demônio, agora atrás dela. “Você a tomou em sua alma, a costurou com sua centelha de planinauta, a colocou em cada fragmento de poder mágico dentro de você. Ela lança uma sombra muito longa sobre você, minha querida.”

“A morte de todo mundo, menos a minha,” ela disse, mais para si mesma do que para o demônio.

Enquanto ela falava, a sala se dissolveu ao seu redor e ela ficou em uma planície estéril. Cadáveres espalhavam-se pelo campo até onde ela podia ver, e os corvos pulavam de corpo em corpo, colhendo os pedaços mais saborosos.

“Eu sou a sua morte,” Kothophed sussurrou em seu ouvido. “Mate-me e você nunca morrerá.”

Ela se virou, um feitiço se formando em seus lábios, mas o demônio desaparecera. Ela ouviu sua gargalhada atrás dela novamente, agora a uma dúzia de metros de distância.

Liliana esticou as mãos e os pássaros negros ergueram-se numa tempestade de asas, enquanto os cadáveres do campo de batalha se levantavam cambaleando em direção ao demônio. Kothophed examinou o campo como se contasse os zumbis, seu inabalável sorriso de chacal.

“Impressionante,” ele chamou. Então, dois movimentos da cauda do demônio lançaram corpos – novamente sem vida – espalhando-os em todas as direções.

“Apenas um aquecimento,” Liliana respondeu, tentando esconder o medo. Bolas tinha lhe dito que os demônios concordaram em não matá-la, não enquanto ela mantivesse os termos da barganha. Mas Kothophed parecia ansioso para quebrar o acordo desde o início, e essa batalha não parecia um teste.

Meia dúzia de vultos, feixes de sombra que irradiavam um frio de congelar os ossos, varreram o demônio, passando por seu corpo, mas emergindo de mãos vazias do outro lado. Um vulto daqueles poderia matar um homem, agarrando sua alma e deixando seu corpo frio no chão, porém seis não fizeram nenhum efeito sobre o demônio.

Assim que Liliana encontrou o ritmo de sua conjuração, ela lentamente se levantou do chão, cercada por uma aura de sombra. Ela agarrou a energia da própria vida do demônio, tentando tirar o poder dele para abastecer sua própria magia. Kothophed deslizou para mais perto dela em resposta a sua atração, e então uma onda de poder surgiu de dentro dele e a empurrou para trás.

Ondas de vultos perscrutadores, zumbis trôpegos e espectros em grandes sombras aladas respondiam a sua convocação frenética e corriam para o demônio sob seu comando, apenas para cair na cauda de Kothophed, nas garras em forma de espada ou nas mandíbulas rangentes. Mas eles lhe deram tempo – tempo para moldar um horror feito dos ossos e da carne dos mortos, um monstro que vomitava veneno, com as garras espectrais sugadoras de alma e a força bruta de um titã.

Por um momento, ela pensou que Kothophed estava realmente lutando com a criatura. O demônio lutou contra ele, aproximando-se de Liliana quando os dois monstros se agarraram em um emaranhado de membros, garras e presas. Mas quando o demônio chegou perto, ficou claro quem estava no controle da luta. Kothophed agarrou o horror e separou seus membros, jogando-os a seus pés.

Então ele a agarrou.

A respiração fria do demônio entorpeceu sua pele. Suas garras morderam sua carne. Ele a segurou com um pulso firme. Com a outra mão, ele traçou uma linha do topo da sua cabeça até os dedos de um pé, cortando profundamente, raspando contra os ossos. Ela gritou.

Após a incisão feita, o demônio descascou a pele envelhecida, arrancando-a como se fosse uma pele de coelho. Mas o que Liliana viu embaixo foi um corpo mais jovem, escorregadio de sangue, mas flexível e suave. Kothophed a deitou no chão, aos seus pés, e ela sentiu o mármore sólido debaixo dela. O campo de carvalhos se dissipou e ela se encontrava mais uma vez no salão de colunas do demônio.

Ela olhou para baixo. Seu vestido preto permanecia intacto. Mas sua pele, sua forma, sua postura eram as do seu eu mais jovem, bonitas novamente.

“O que,” ela balbuciou, “foi isso?”

O demônio riu alto e longamente.

“Se isso era para ser um teste,” ela disse, “então claramente eu falhei. Então, por que eu ainda estou aqui? Por que eu estou com essa aparência?”

O demônio reprimiu o riso e abaixou o rosto até que os olhos amarelos dele se fixaram nos dela. “Não foi um teste. Foi uma lição – uma que eu acredito que você nunca esquecerá.”

Ele aproximou uma garra em direção ao seu rosto novamente e ela estremeceu em antecipação, provocando outra risada. “Fique quieta,” ele disse. “Eu ainda não terminei a barganha.”

Seu toque era mais suave, mas ainda agonizante, enquanto ele traçava a garra em espirais em seu rosto. “Você é uma planinauta,” ele disse enquanto trabalhava. “Isso faz você especial. Você também é um dos magos mais poderosos de todos os planos, e isso a torna extraordinária.”

Arte de Aleksi Briclot
Sim, ela pensou. Assim disse o Homem Corvo.

Concluído seu o rosto, Kothophed foi para o pescoço e os ombros. “Mas perto de mim, você não é nada. Seus feitiços mais poderosos mal podem me tocar. Sua mente meramente humana nunca será páreo para a minha.”

Continue a pensar assim, ela pensou na dor. O demônio tinha a intenção de esmagá-la, mas o poder dentro dela estava florescendo novamente, mais brilhante e mais forte do que nunca. A agonia valia a pena.

“Se você tiver a ideia de testar sua força contra mim,” disse o demônio, “eu vou abrir você novamente. Mas desta vez, não haverá uma jovem e bela Liliana por baixo.”

As linhas traçadas pela garra de Kothophed não sangravam, mas brilhavam com uma luz pálida e violeta, como se o poder que ela lhes dava vazasse. Apesar da agonia, apesar das ameaças do demônio, ela sentiu a sombra da morte se afastar dela. Ela era jovem e poderosa, e ficaria assim por eras.

Ou até que os demônios viessem cobrar a dívida que ela devia.

Mas alguma parte de Liliana sabia que Kothophed era quem deveria ter medo. Ela era mais do que parecia, e o demônio a subestimara, como tantos outros antes dele. Era seu destino derrubar os demônios que a reivindicavam. Ela sabia disso, como se o conhecimento fosse parte de sua carne. Como se Kothophed, inconscientemente, tivesse tecido esse destino em seu ser.

Fora escrito em sua pele.

Arte de Karla Ortiz

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