Mtg Lore

Compêndio da Lore de Magic the Gathering

EPISÓDIO 02: CAVALEIRO ERRANTE, HERÓI EM ASCENSÃO

K. Arsenault Rivera

Escreveu os arcos de Innistrad: Caçada à Meia-Noite, Voto Carmesim e Marcha das Máquinas.

Atravessando os vales e adentrando as terras selvagens aventura-se Rowan Kenrith. Montada em um cavalo robusto, com uma lâmina afiada pendurada em seu quadril e faíscas dançando nas pontas dos seus dedos, ela viaja para onde os ventos a guiam. Alegremente, os pequenos do povo a acolhem em suas casas, oferecendo o pouco que têm; alegremente Rowan aceita sua gentileza. Nas primeiras horas da noite, quando perguntam por que ela está acordada, ela questiona se eles saberiam onde ela poderia encontrar uma cura para a Maldição do Sono.

“Você tem certeza de que não anseia por isso?” perguntou Royse, cujos tecidos finos até mesmo as fadas cobiçavam. Rowan já se hospedou em palácios bem menos decorados do que a casa de Royse. Parece que as fadas presenteiam aqueles que criam beleza. “Parece que você precisa de um descanso.”

“Descanso não me serve para nada,” Rowan respondeu.

Royse, com os olhos cintilando na escuridão, murmurou em voz baixa. “O descanso virá até você, goste ou não. É melhor enfrentá-lo sob suas próprias condições,” ela disse. “Mas se você está determinada a continuar em sua missão, valente cavaleira, há um castelo não muito longe daqui. Seu senhor faleceu há muito tempo – mais tempo do que a sua espécie se lembra.”

“Minha espécie?” A mão de Rowan apertou firmemente sua espada.

Royse apenas sorriu. A luz da lua iluminou sua pele e o encanto se desfez, revelando oito olhos, duas mandíbulas clicando, e oito braços escondidos sob seu manto.

Não é de se surpreender que seu tecido fascinasse tanto humanos quanto seres feéricos.

“Você é…” Rowan começou a dizer.

Royse colocou suas duas mãos humanas nos joelhos. “Eu prometi abrigo e te dei comida; não somos inimigas.”

Rowan relaxou o aperto na espada. Ela não dormiu naquela noite, mas aprendeu um pouco sobre tecelagem.

Pela manhã, Royse indicou o caminho para o castelo, desejando boa sorte a Rowan em sua jornada.

Agora, suas muralhas em ruínas e antigos parapeitos a recebem.

A poeira se acumula em seus pulmões enquanto adentra. Servos mortos-vivos se erguem para enfrentar sua lâmina. Com o coração endurecido contra tais visões, ela os abate, suas entranhas sujando os pisos de pedra. Quando finalmente encontra a biblioteca, suas prateleiras estão vazias. Não há alambiques aqui, nem caldeirões para a criação de poções, nenhum segredo perdido — apenas o que os saqueadores deixaram para trás.

Depois de tudo o que ela fez para chegar até aqui, de todo o sangue que derramou – nada.

Sozinha no castelo abandonado, Rowan Kenrith se torna uma tempestade. Ela imagina o que seu irmão diria se a visse aqui, e isso a leva a uma raiva ainda maior. Quando ela percebe que começou a chorar, seu corpo já está tremendo e cansado.

Contra toda a razão, há uma cama neste lugar, intocada pelos estragos do saque. Quando ela desaba sobre ela, percebe a verdade das palavras de Royse: o descanso virá até você, goste ou não.

O sonho a engole.

Mais uma vez, ela atravessa as portas deste castelo – mas elas estão inteiras, a madeira polida e nova. Nos salões, há bardos e dançarinos. Mulheres belas e homens bonitos a conduzem mais adiante. Um escudeiro habilidoso retira sua armadura tão suavemente que ela esquece que já a usara. Um manto quente é colocado sobre seus ombros, uma caneca de hidromel é colocada em sua mão. Levada por esses encantos, ela se encontra diante de uma mesa farta.

Seu pai e sua mãe estão no trono. Sadios e vigorosos, com os rostos radiantes na luz dourada do castelo, eles estendem os braços em sua direção. “Rowan, você conseguiu,” Linden diz.

O peito de Rowan se aperta. Lá estão eles, exatamente como ela se lembra — sem cicatrizes além daquelas que ganharam em sua juventude, sem feridas sangrentas. Eles estão tão felizes.

Ela deixa a caneca cair, correndo na direção deles com toda a velocidade. Seu pai a levanta do chão e a gira. Sua mãe alisa seus cabelos e enxuga as lágrimas nos cantos dos olhos de Rowan.

“Você veio de tão longe para nos ver,” diz Linden. “Estamos tão orgulhosos de você.”

Sua boca se abre repetidamente, mas ela não consegue falar.

“Você precisa do nosso conselho, não é?” seu pai pergunta.

Sem palavras, ela apenas acena com a cabeça.

Ele tira a coroa de sua própria cabeça e a coloca na cabeça dela. “Venha para o Castelo do Vale Arden. Seu sangue a aguarda lá.”

Ela acorda, sozinha no castelo empoeirado. A luz do sol penetra pelas janelas quebradas. Ela deve ter dormido a noite toda. Sozinha, cercada por morte e frieza, ela se permite mais uma oportunidade de chorar.

Quando tudo acabar, ela fará o que seu pai pediu.

Ela irá para o Castelo do Vale Arden.

Arte de Aurore Folny

“Desculpe-me, senhor, mas você viu alguma bruxa recentemente?”

Este homem, assim como todos os outros que Kellan perguntou antes dele, ri. “Ah, sim, há uma ali adiante. Vende as melhores tortas em Edgewall. Diga a ela que Duncan enviou você.”

Ele é gentil o suficiente para jogar uma moeda para Kellan. Ele guarda a moeda em uma bolsa, seus ombros se curvando, seu ânimo machucado, mas não quebrado. Este é apenas o primeiro passo em sua jornada, certo? Há tantas pessoas em Edgewall. Uma delas deve saber algo. Tudo o que ele precisa fazer é persistir. Com um grunhido de esforço, ele ajusta a mochila em seus ombros e segue pelo longo e sinuoso caminho.

Durante toda a sua vida, sua mãe lhe contou histórias de lugares como este – de anões, faunos, cavaleiros e magos. Eles não pareciam reais até agora. Do outro lado da rua da loja de tortas, uma mulher élfica vende pássaros canoros de madeira encantados. Mais adiante, um Cavaleiro Verde conversa com um ferreiro. Há bandeiras e bugigangas em todos os lugares em que seu olho pode pousar. Ele concorda consigo mesmo enquanto caminha, decidido. Não há lugar melhor para viver do que aqui.

Ele já pode ver a fila na loja dobrar e triplicar. Realmente devem fazer tortas incríveis – mas não há como ela ser uma bruxa de verdade. Sua mãe sempre disse a ele que cozinhar é o mais próximo que a maioria das pessoas pode chegar de magia, então talvez a mulher que administra a loja saiba de algo.

Kellan se posiciona no final da fila. Enquanto espera, seus olhos percorrem os mensageiros correndo de um lado para o outro, o bardo tocando seu alaúde. Ele acompanha a melodia com um murmúrio. Um grupo de crianças vestidas com roupas adornadas com folhas brinca de jogar pinhas, em meio a risos e gargalhadas. Kellan sorri, observando-os.

Mas então ele vê um homem adormecido em pé sob a beirada de uma loja, envolto em uma aura violeta. Seus olhos estão fechados, a boca aberta; enquanto ele balança, saliva cai em sua armadura.

Esse deve ser o Sono de que o comerciante falou em sua última visita. Ver isso pessoalmente é algo estranho. Há quanto tempo ele está assim? Há um pouco de ferrugem onde a saliva dele atinge a armadura. Por que ninguém o ajuda?

Pior ainda, alguém com pressa esbarra no adormecido. O adormecido se assusta, cai — e ninguém o ajuda a se levantar.

Kellan não pode deixar aquilo continuar. Ele dá um passo em direção ao cavaleiro caído.

Uma mão em seu pulso o tira de seus pensamentos. Ele olha para a dona da mão e encontra uma garota com um manto vermelho, com as sobrancelhas franzidas. “Talvez você não queira fazer isso.”

Kellan recua a mão. “Por quê? Ele precisa de ajuda.”

A garota faz uma careta. “Você é o garoto que fica perguntando às pessoas sobre bruxas?”

Kellan assume uma voz heroica, ou tenta, mas ela falha e desmonta. “Talvez seja eu. Depende de quem está perguntando.”

A garota ri e balança a cabeça. Ela segura a mão dele novamente e começa a puxá-lo. “Certo, herói, você vem comigo.”

“O quê? E o que – Ei! E o que vai acontecer com aquele homem?” Kellan pergunta.

“A Maldição do Sono se espalha, embora ninguém tenha certeza de como,” ela responde. “Se você o tocar, pode acabar sendo afetado também. Isso se as bruxas não te pegarem primeiro.”

Kellan olha por cima do ombro para o adormecido. Enquanto a garota o puxa para um beco, alguém desliza uma espátula de cozinha de madeira por baixo do homem. Com um pouco de esforço, ele se ergue novamente. Qualquer alívio que Kellan pudesse sentir é mitigado pela surpresa quando ele ouve o que a garota acabou de dizer.

“Espera. Elas estão atrás de mim?”

A garota olha para os lados do beco antes de falar. “Vão estar, se você continuar fazendo perguntas desse tipo. Você não sabe que não deveria chamar a atenção de uma bruxa?”

“Você sabe muito sobre bruxas?” ele pergunta. “Se souber, eu realmente preciso da sua ajuda. Acabei de chegar aqui, então não sei muito, mas tenho uma missão para concluir.”

“Uma missão?” ela diz, avaliando-o rapidamente. “Você tem uma missão e nem sequer tem uma espada.”

“Heróis não precisam de espadas,” ele diz deixando de fora o fato de que a única espada que seu padrasto possuía estava enferrujada, então ele não pôde trazê-la. “Além disso, eu recebi essas armas do meu senhor, que disse que são tão boas quanto qualquer lâmina. Isso significa que eu sou um verdadeiro herói!”

Ele brande o par de cabos de cesto – o presente de despedida de Talion. A madeira antiga se transformou para imitar o aço trabalhado pelos ferreiros humanos, com um brilho peculiar que denuncia sua origem sobrenatural. Eles certamente impressionarão qualquer um.

Mas a garota não é qualquer um, e ela os observa apenas com uma sobrancelha erguida. “Sempre que alguém insiste que algo é real, significa que não é,” ela suspira. “De qualquer forma, eu não seria de muita ajuda. Você precisa ir até Dunbarrow. Meu irmão, Peter, conhece cada canto daquele lugar como a palma da mão. Ele poderia te ajudar.”

Kellan guarda os cabos com um tipo de gratidão tímida. “Você poderia me levar até ele?”

A expressão da garota fica nublada sob a aba de seu capuz. “Eu não o vejo há dias. Pensei que talvez você o tivesse visto, já que é de fora da cidade.”

“Ah,” Kellan diz suavemente. “Desculpe. Eu não sabia. Eu, hum, acho que não encontrei nenhum Peter pelo caminho até aqui.”

“Entendo,” diz a garota e se vira. “Bem. Desejo-lhe tudo de melhor em sua busca, herói. Se você encontrar meu irmão, diga a ele que Rubi está esperando por ele em casa.”

Kellan, mais baixo que ela em meia cabeça, se aproxima. “Espere! Você pode falar com ele pessoalmente se vier comigo.”

Ela para e quando se vira desta vez, sua sobrancelha está levantada. “Você vai encontrá-lo?”

“Eu posso,” diz Kellan. “Você disse que todas as bruxas estão em Dunbarrow. Você já esteve lá, não é?”

Rubi retira a poeira do ombro. “Uma ou duas vezes.”

“Eu aposto que foi mais do que isso,” Kellan diz. “Se você puder me ajudar a encontrar a bruxa que estou procurando, talvez, meu senhor, possa ajudar você a encontrar seu irmão.”

Rubi inclina a cabeça. “E quem é o seu senhor, afinal?”

Ah não. Ele não pode dizer que é o Senhor das Fadas. Essa não é uma maneira de conquistar a confiança de alguém. Mas ele também não pode mentir. Suas bochechas ficam vermelhas. “Meu senhor não gosta muito que as pessoas comentem,” ele diz. É verdade, não é? “Mas está me ajudando a encontrar meu pai. Isso é o que ganho por completar a missão – uma chance de saber quem ele é. Então tenho certeza de que poderá te ajudar com seu irmão.”

Uma pausa. Rubi o observa atentamente. Ele tenta se manter firme. “Você tem certeza de que seu senhor pode ajudar?”

Kellan concorda com a cabeça. “Tão certo quanto a lã de ovelha.”

Rubi franze a testa por um segundo e então concorda, a tensão deixando seus ombros. “Tudo bem. Acho que alguém tem que cuidar de você, e pode muito bem ser eu.”

Sobre os brejos e pelos montes, em busca das bruxas eles vão.

A partir das histórias que sua mãe contou, Kellan esperava que as terras selvagens fossem mais bonitas do que isso. Talvez fossem as consequências da guerra. Rubi lhe diz que as aberrações metálicas afiadas pontilhando a paisagem são resquícios phyrexianos, despedaçados após o Sono detê-los em seu caminho.

“Essas coisas estavam vivas?” ele pergunta a ela.

“Se é que é possível chamar isso de estar vivo,” ela responde. “Você realmente não sabe?”

Parado ao lado de um deles – o que parece ser uma espécie de aríete ambulante – ela mostra o óleo escorrendo de seu interior, o rosto com os dois olhos escorrendo.

Kellan vira-se, preferindo as árvores retorcidas de Dunbarrow ao corpo distorcido do invasor. “De onde eles vieram?”

“De outro lugar, é o que diz o Rei Menino,” Rubi explica. “De algum outro Reino.”

“Existem outros Reinos?” Enquanto eles caminham juntos pela floresta, ele faz o possível para deixar o cadáver desprezível para trás, concentrando-se nas formas rápidas das fadas, nos riscos negros de pássaros acima e nas doninhas ágeis que cruzam seu caminho. “Como são esses outros Reinos?”

“Não sei,” Rubi responde. “Se eles têm essas coisas lá, eu prefiro não visitar o lugar. Além disso, nunca iria a lugar nenhum sem o meu irmão.”

Kellan assente. “Eu também nunca iria a lugar nenhum sem a minha família. Em nenhum lugar, sabe. Do resto.”

Rubi ergue uma sobrancelha para ele. “Mesmo que fosse para a sua missão?”

Ele deixa aquela de lado, sem vontade sequer de considerar a ideia.

Rubi afasta um galho caído com surpreendente facilidade e depois ajuda Kellan a fazer o mesmo. Quando os pés dele tocam o chão, respinga água nos sapatos dela. Ela dá um grito. Em algum lugar das matas ao redor, uma fada ri.

Desde tempos imemoriais, é considerado grosseiro rir de uma garota com dificuldades. É dever de um herói defender tais donzelas.

Kellan franze a testa e se prepara para gritar com a criatura travessa, até que Rubi pega uma maçã da sua cesta e a lança com força, como se fosse um gigante arremessando uma pedra enorme, tão rápido quanto um dardo. A fada grita de agonia.

Rubi faz um bico. “Elas são tão irritantes,” diz continuando pelo caminho sem marcações como se não tivesse demonstrado tais habilidades.

Kellan, impressionado, só consegue segui-la. “Pela coroa do rei, que arremesso incrível!”

Ela para apenas para encará-lo por ter dito tal coisa. “Pela coroa do rei. Sério?” ela diz. “É apenas uma maçã. Tenho certeza de que você pode fazer muito mais com aquelas espadas sofisticadas que seu senhor lhe deu.”

É preciso um esforço concentrado para não tropeçar quando ela diz isso, embora não haja cipós à vista. Ele tenta pensar em algo para dizer, ou qual a melhor maneira de dizer a ela que não tem ideia de como transformar as empunhaduras em algo útil, mas as palavras são tão enganosas quanto a fada que Rubi dispensou tão facilmente. Tudo o que ele consegue dizer é um incerto hmm.

Mas isso pouco importa, pois naquele momento uma flecha assobia perto de seu rosto, arranhando a ponta de seu nariz antes de atingir a árvore mais próxima dele. Kellan cobre o rosto alarmado. Seriam tambores de guerra que ele estava ouvindo ou seu próprio pulso frenético?

Embora o medo tenha se apoderado dele, Rubi age rápido como sempre. Ela empurra Kellan para dentro de um arbusto de amora. A tecelagem de sua mãe o protege dos espinhos sedentos por sangue, e as folhas o protegem de seu agressor.

“Pela coroa do rei, o que é aquilo?” Rubi sussurra.

Além da fronteira do matagal, eles podem vê-lo: o homem com armadura de lobo. Sob o colete de malha, um gambeson vermelho sangue parece um presságio das feridas que viriam. O arco que disparou a flecha quase fatal é tão malévolo quanto os espinhos do arbusto; em sua cintura pende uma espada tão comprida quanto as pernas de Kellan. A mandíbula metálica rosnante de um lobo esconde tudo exceto seus olhos ardentes.

E ele está olhando diretamente para eles.

A garganta de Kellan está apertada. Ele viu um cavaleiro pela primeira vez apenas algumas horas atrás — o que é essa coisa?

O Cavaleiro Lobo avança na direção deles.

“Corra!” Kellan grita.

Rubi não precisa ouvir duas vezes. Lançando-se para fora do arbusto, eles se levantam às pressas e correm adiante. Um uivo sem palavras do Cavaleiro Lobo ressoa pela floresta; corvos fogem de seus ninhos em terror. Até as fadas que os atormentaram antes desapareceram.

Outra flecha assobia sobre o ombro de Kellan.

“Agora seria um ótimo momento para aquelas espadas mágicas,” Rubi grita. “Não podemos continuar correndo para sempre!”

Kellan engole em seco. A pressão aumenta dentro de seu peito. Ele não pode mentir para ela — mas os cabos não são espadas, também. Eles são apenas… cabos. Talion disse que eles ajudariam a aprimorar suas habilidades. Claro, em todo o tempo em que viajou com eles, ele não foi capaz de fazer nada além de dar socos um pouco mais fortes, ou…

Bem, é melhor do que nada. Virando-se em direção ao Cavaleiro Lobo, Kellan joga um dos cabos o mais forte que pode.

Ele resvala inutilmente na armadura dele — e depois voa de volta para a mão de Kellan.

“Ops,” ele diz.

“O que foi — Tudo bem. Tudo bem, tá certo. Eu consigo lidar com isso. Siga-me,” Rubi diz.

Seu resmungar o machuca, mas ele não pode culpá-la. Seria ótimo se ele soubesse como usá-las. Provavelmente ele poderia cortar um carvalho ao meio com uma lâmina feita pelas fadas, mas como as coisas estão… ele é meio que uma piada. “Desculpe, ainda estou aprendendo — espera, o que são aquelas coisas?”

Enquanto correm sob o corpo massivo de um invasor morto, eles se deparam com meia dúzia de… criaturas. Se o desenho malformado de um lobo feito por uma criança ganhasse forma, músculos e presas, poderia se assemelhar a uma dessas criaturas. Suas patas dianteiras e traseiras estão densas de poder, seus focinhos escorrendo sangue.

“Farejadores de Bruxas!” Rubi responde. “Você não é mágico, certo?”

Kellan faz uma careta. “Eu, ham, não tenho certeza!”

“Bem, é hora de descobrir,” Rubi diz.

Ele espera que ela pare, se esconda ou conduza os farejadores para o Cavaleiro Lobo, mas Rubi não faz nada disso. Ela corre em direção ao bando de farejadores, entrelaçando-se entre elas, sua capa arrastando-se diante de seus rostos. Quando ela finalmente os ultrapassa, ela está com um sorriso animado por baixo do capuz.

Fácil demais para ela. Há um buraco no estômago de Kellan enquanto ele olha para os farejadores. Os presentes de seu senhor ou o sangue de seu pai podem condená-lo se ele arriscar.

Mas ele tem o amor de sua mãe para mantê-lo seguro — um manto grosso que já afastou muitos perigos até agora. Ele levanta o próprio capuz. Se Rubi consegue, Kellan também pode.

Com toda a sua força, ele corre entre os caçadores de bruxas aglomerados. Ele está na metade do caminho quando percebe que os gritos agudos que ouve vêm de sua própria boca, um som entre o lamento de um fantasma e a risada de uma criança brincando. Cada batida de seu coração parece roubada e gloriosa. Embora não demore para ver se as criaturas vão atacá-lo, quando passa pelo bando, ele ainda se encontra dobrando-se de alívio.

Eles não o morderam. Nem sequer um beliscão. Ele ri sinceramente. Ele conseguiu! Ele realmente conseguiu. Seu primeiro encontro com a aventura!

Rubi oferece a mão a Kellan e ele a pega, olhando na direção de onde vieram. O Cavaleiro Lobo entrou na clareira.

Arte de Pascal Quidault

“Vamos, vamos…” sussurra Rubi. “Ele deve ser mágico!”

Dois jovens, segurando a respiração como um dragão protegendo joias, encaram o Cavaleiro Lobo. Seu perseguidor, por sua vez, solta outro uivo sem palavras.

Os farejadores de bruxas respondem. Ao mesmo tempo, suas cabeças se erguem e elas se viram em direção ao Cavaleiro Lobo, seus rosnados ressoando no peito de Kellan. O Cavaleiro corre para a floresta enquanto os farejadores o perseguem.

“Acho que estamos seguros,” ele diz, ofegante. Ele sorri. “Você conseguiu, Rubi!”

Ela encara os farejadores enquanto eles se afastam. Parece que ela não consegue acreditar que ainda estava de pé. “Sim, acho que consegui,” ela diz.

Aliviado, Kellan se vira e nota a cabana pela primeira vez.

Ele não tem certeza de como nenhum deles a viu antes disso. Talvez seja isso que sua mãe queria dizer quando falava sobre o caos de uma luta — quando você está ocupado tentando garantir que sairá vivo de algo, nem sempre está prestando atenção ao redor. Mesmo assim, é difícil não notar. A casa é espinhosa e negra, como se fosse feita de espinheiros de amora, erguendo-se duas vezes mais alta do que aquelas em sua vila. As janelas violetas pulsam com uma luz de dentro. Ao redor da casa, há um emaranhado de névoa violeta.

“Rubi,” Kellan diz, pegando sua mão para chamar sua atenção. “Olha! Aquela deve ser a casa da bruxa.”

Ela concorda com apenas um olhar. “Pela minha alma, você está certo,” ela diz. “O que devemos fazer?”

“Aquelas janelas são enormes. Podemos tentar dar uma espiada lá dentro e depois descobrir como vamos derrotá-la,” Kellan diz esperando que Rubi não peça mais detalhes do que isso.

Felizmente, ela não pede.

Os dois se movem furtivamente entre as árvores retorcidas e os arbustos densos em direção à casa. Carrapichos grudam na capa de Kellan; ele pensa em cada um como uma benção de seu pai. Ele está tão perto de derrotar essa primeira bruxa. Talion lhe dará uma pista? Talvez um enigma? A ideia de descobrir mais é tão tentadora quanto frutas frescas num dia quente de verão.

A vegetação permite que eles cheguem bem abaixo da janela mais baixa da bruxa. Aqui embaixo, o vidro é espesso, distorcendo as duas figuras na cabana. Uma delas, Kellan pensa, é a bruxa: ela caminha em um círculo amplo ao redor de uma escuridão imensa no centro do cômodo. Fumaça sobe daquilo que ela está guardando. A outra figura está curvada, com as costas voltadas para a janela.

“Um caldeirão de verdade,” Kellan murmura. “Para que será que ela está usando…”

“Para comer pessoas,” responde Rubi prontamente. “Eu ouvi alguns rumores de que havia alguém por perto cozinhando os ossos das pessoas em ensopado. E aquilo é definitivamente um caldeirão, e ela definitivamente tem alguém amarrado…”

“Bruxas não comem pessoas,” Kellan diz. “Minha mãe quase foi uma bruxa, e ela nunca faria algo assim.”

“Você já pensou que talvez seja por isso que ela é quase uma bruxa e não é uma bruxa?” Rubi pergunta. Ela puxa a capa dele. “Abaixe-se, acho que ela está vindo.”

Ela está mesmo. A bruxa, enquanto circula em torno de seu caldeirão borbulhante, agora se aproxima deles. Kellan e Rubi se abaixam sob o peitoril da janela a tempo de evitar o olhar dela, mas por pouco. Mesmo através do vidro, seus olhos são maus e penetrantes, um violeta não muito diferente do brilho que os cerca.

“Então, qual é o plano?” Rubi pergunta.

Kellan coloca uma mão no queixo como se estivesse considerando algo. A farsa, tal como ela é, dura um segundo no máximo. Então ele dá de ombros. “Vamos improvisar,” ele diz.

“O quê?” Rubi sibila, os olhos estreitando. “Você não pode estar falando sério. Aqui dentro tem uma bruxa de verdade!”

“Não vamos conseguir vencer com magia, e não temos nenhuma arma,” Kellan diz. Ele se esgueira ao redor do canto da cabana, cuidadoso para não tocar nas nuvens de fumaça amaldiçoada pelo chão. “E eu tenho essa nova amiga que me ensinou o valor da improvisação.”

“Improvisar é uma coisa, mas isso é pedir por problemas,” diz Rubi, seguindo-o mesmo assim.

Kellan faz um gesto para que ela fique onde está. Ele aponta para os olhos e depois para a janela. “Avise quando ela estiver de costas para a porta,” ele diz.

Rubi franze a testa, mas permanece onde está, sob a janela. Enquanto isso, Kellan encosta o ouvido na porta. De dentro, ele ouve uma canção de lamento. Entoada sem muito cuidado com o ritmo ou a melodia, a cantora, no entanto, está encantada com o som de sua própria voz.

“Quando a fome bateu, uma cavaleira entrou a vagar, coração selvagem, armadura a brilhar…”

Um cavaleiro? Ela vai comer um cavaleiro?

Foi fácil vencê-la, devo confessar! Difícil vai ser comê-la, sem os dentes quebrar!

O suor escorre pela testa de Kellan. Rubi estava certa. Essa não é uma bruxa comum — ela não se parece em nada com sua mãe. Se eles não agirem rápido, aquele cavaleiro provavelmente vai morrer. Mas o que fazer?

Ele não tem muito tempo para pensar. De canto de olho, ele vê um borrão vermelho — outra maçã lançada por sua nova amiga. Um ótimo sinal, ele pensa.

Até que ele ouve a maçã bater contra o metal.

Um olhar por cima do ombro é tudo o que ele pode dar conta — mas ele já sabe o que vai ver. O Cavaleiro Lobo. Ele já tinha afugentado os farejadores de bruxas? Sim — é a sua silhueta se movendo furtivamente pelas névoas, coberta de sangue.

Ele não pode deixar Rubi lá fora com ele, e não pode permitir que aquela bruxa coma a cavaleira. Se ele salvar a cavaleira lá dentro, talvez ela possa afastar o que está lá fora. E talvez, quando a bruxa desaparecer, o Cavaleiro Lobo também simplesmente… desvaneça. É o que acontecia com guardiões invocados nas histórias.

Kellan arranca um carrapicho de sua capa. “Pai, se você está ouvindo,” ele diz, “por favor, me deixe corajoso o suficiente para fazer isso.”

Ele não espera por uma resposta, porque sabe que não pode. Ele apenas precisa ter fé de que funcionou.

Kellan abre a porta, silenciosa e rapidamente. Como um rato se esgueirando pelo território de um gato, ele se apressa até o centro do cômodo onde a bruxa continua sua canção terrível. Amarrada a uma haste perto do caldeirão borbulhante, está uma mulher robusta vestida com uma armadura, seu braço direito é feito de madeira sólida. Confusa e delirante, ela trava os olhos nele.

Kellan consegue ver a esperança nos olhos dela.

Ó, valente cavaleira, o que devo cozinhar? Ferver e borbulhar, caldeirão a escaldar—ó, valente cavaleiro, um ensopado se tornará!

A bruxa está tão ocupada mexendo em sua poção de odor repugnante que ainda não o notou. Ela está diante do caldeirão, apontando um dedo torto para a cavaleira. Novamente, ela interrompe o canto.

“Mas que tempero usar, hum? Eu imagino que você não saiba o que combina melhor com você, não é mesmo?”

“Queime no fogo,” a cavaleira cospe. Ela lança um olhar para Kellan e lhe dá um aceno discreto.

A bruxa, no entanto, se volta para o caldeirão. Ela balança a cabeça e depois coloca a mão no bolso. “Isso não é muito gentil. Eu preciso deste fogo para cozinhar você. Existe uma arte nisso, sabe. Não posso simplesmente jogar qualquer coisa lá dentro e esperar que fique bom.”

O que quer que esteja naquele saco que ela despeja faz Kellan querer vomitar, mas ele mantém o controle. Ele tem um trabalho a fazer — e tem uma abertura aqui. Como os carneiros em sua fazenda, ele abaixa a cabeça e avança.

“É você quem vai ser cozida!” Kellan declara.

Arte de Marta Nael

Ele ouve a bruxa uivar quando colide com ela, e ouve seu grito enquanto ela cai no caldeirão, mas ele tenta não pensar nas implicações de tudo isso. Uma nuvem de fumaça preta sobe, o cheiro é tão acre que traz lágrimas aos seus olhos. Kellan corre em direção à cavaleira. Haverá tempo para pensar no que ele fez depois — agora, ele precisa garantir que Rubi esteja segura. E a melhor maneira de fazer isso é libertar essa mulher.

“Você consegue lutar?” ele pergunta, suas mãos desfazendo os nós ao redor dos pulsos dela. Um de seus braços, ele nota, é feito de uma madeira estranha e flexível que se move como carne e músculo.

“Grrkh… Se você pegar… meu martelo.”

Não é uma resposta que o enche de confiança, mas é o que ele tem. As cordas se soltam. Ele examina a bagunça caótica da cabana em busca de um martelo de guerra — ali. Ele está apoiado contra um balcão coberto de toda sorte de vísceras e sangue, com potes rotulados de “Olho de Salamandra” e “Dedo de Sapo”.

Enquanto ele corre em direção ao martelo, Rubi entra correndo pela porta. “Ele está quase aqui!”

“A cavaleira vai nos salvar,” Kellan diz. Ele não consegue levantar o martelo, mas consegue arrastá-lo. “Ela ainda pode lutar!”

Ele entrega o martelo para a cavaleira, que se levanta.

Ou tenta.

Mas Kellan aprende aqui uma lição importante: nem todos os cavaleiros podem ser heróis o tempo todo. Ela está muito exausta, muito machucada. Desaba de volta em seu assento indigno.

O coração de Kellan está em algum lugar na garganta quando o Cavaleiro Lobo entra pela porta. Coberto de sangue, sua espada recém-usada. Será que eles chegaram até aqui apenas para…?

“Levante-se!” Kellan diz, empurrando a cavaleira. “Você consegue fazer isso, vamos lá! Você costumava defender o Reino!”

“Isso foi há muito tempo,” ela murmura. No entanto, mais uma vez tenta se levantar — e mais uma vez cai.

O Cavaleiro Lobo para no limiar.

Rubi joga um pote de algo repugnante. A argila se estilhaça contra sua armadura. Ele se vira na direção dela.

“Rubi,” brada o Cavaleiro Lobo. “Finalmente te encontrei.”

Os olhos de Rubi se arregalam. Ela se levanta de seu esconderijo, abaixa o capuz.

O Cavaleiro Lobo tira o elmo. Por baixo está o rosto de um lenhador grisalho, a barba espessa e o cabelo desgrenhado — no entanto, seus olhos são gentis e seu sorriso é acolhedor. Ele abre os braços. “Rubi, sou eu.”

“Peter!” Rubi grita, corre até ele, e ele está lá para encontrá-la, levantando-a e girando-a antes de colocá-la no chão novamente. “O que aconteceu? Você está bem?”

“Eu não sei. Nunca vi este lugar antes. Saí para caçar e ouvi uma canção horrível,” ele diz. “Essa é a cabana de uma bruxa, não é? Ela deve ter me enfeitiçado. Sinto muito por tê-la assustado, mas estou feliz que você esteja segura.”

Rubi lança os braços ao redor dele. “Não se preocupe,” ela diz. “Eu vou te perdoar por isso, se você me perdoar por ter soltado os farejadores de bruxa em cima de você.”

Ele mexe no cabelo dela. “Eu não esperaria menos de você, sempre foi a mais esperta da família,” ele diz, então se vira para Kellan e a cavaleira. “Você aí — rapaz. Você ajudou minha irmã, não foi? Qualquer coisa que você pedir de mim, só fale, e eu vou conceder, se estiver ao meu alcance.”

“Ela fez a maior parte do trabalho,” ele diz. “Mas… se você quiser ajudar, eu preciso levar o caldeirão ao meu senhor. Eu preciso mostrar que eu…”

“Não diga mais nada. Você precisa de alguém para carregá-lo, e eu o farei,” Peter diz. Seus olhos caem sobre a mulher ferida e ele faz uma careta. “Devo ter lhe causado um grande mal. Minhas desculpas.”

A cavaleira geme. “Não foi uma luta justa, entre você e aquela bruxa.”

“Fique aqui. Assim que levarmos o caldeirão para o destino, Rubi e eu podemos fazer uma poção de cura para você. Há muitos ingredientes aqui, e acho que me lembro de algo sobre ervas medicinais.”

Se ela tinha algum argumento contrário, sua mente está muito perturbada pela dor para expressá-lo.

Peter recruta a ajuda de Rubi e Kellan com o caldeirão; os dois juntos seguram um lado, enquanto ele levanta o outro, suportando a maior parte do peso. Kellan tenta não pensar no que está se agitando lá dentro. Juntos, eles conseguem movê-lo através da soleira — mas em vez das névoas violetas, a corte de Talion os cumprimenta do outro lado.

Desta vez, o Bondoso Senhor não se torna visível. Kellan sabe que Talion está presentes apenas quando uma música familiar toca ao redor deles. Não há amenidades desta vez: seus conselhos são rápidos e diretos.

“Hylda é a próxima bruxa que você procura. Sua magia é poderosa, sua habilidade ainda maior; ela se escondeu dos meus olhos. Mas consulte o espelho Indrelon, e talvez você a encontre. Arrancado do Castelo Vantreza por Gerra Granborrasca, ele agora está longe de sua casa. Não se preocupe, minha sabedoria vai poupar você do trabalho de procurá-lo. Um pé-de-feijão cresce a menos de meio dia de viagem daqui. Suba nele, e você encontrará o espelho em seu topo.”

Mal termina de falar, a corte desaparece, esquecida como um sonho. O trio está novamente em pé diante da cabana.

Rubi está olhando para ele. “Seu senhor é o Rei Fada,” ela diz.

“Isso… isso te incomoda?” Kellan diz. “Eu ia perguntar se você queria vir. Eu realmente preciso da sua ajuda. De vocês dois.”

“Eu não seria de nenhuma ajuda para você, ferido como estou,” Peter diz. “Eu não estarei em condições de lutar durante alguns dias.”

Rubi olha de Kellan para Peter e de volta novamente. Ela suspira. “Você me ajudou a encontrar meu irmão, então eu vou ajudar. Mas vamos descansar um pouco. Podemos cuidar dos ferimentos da mulher e descobrir o que vamos fazer.”

Os dedos de Kellan estão tremendo. “Mas… você odeia que eu esteja trabalhando com as fadas?”

Ele fica surpreso com o quanto a ironia de Rubi o tranquiliza. “Você está de brincadeira? Isso só mostra que você é mais corajoso do que eu pensava.”

E mais essa ainda? Bem, ele pode conviver com essa frase.

Traduzido por Rissa Rodrigues

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