RETORNO A RAVNICA: O SECRETISTA – PARTE UM
Título original em inglês: The Path Below
The Secretist
Autor: Doug Beyer
The Secretist
Autor: Doug Beyer
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CAPÍTULO 04: O CAMINHO SUBTERRÂNEO
Um viashino ancião com os olhos esbranquiçados se apoiava em um poste de luz. Suas escamas um dia foram de um vermelho flamejante, mas estavam pálidas e lascadas pela idade.
“Boa noite,” disse Jace.
O viashino virou a cabeça em direção ao som. Seus olhos se dirigiam à sua frente. “Não posso deixar de concordar,” grunhiu o viashino. “Todas as evidências indicam isso.”
O encontro com Exava no Multidão Barulhenta trouxera Jace até aqui, à sombria parte da cidade controlada pelos Golgari. A decoração batia com o que ele vira nos fragmentos de memória da bruxa sanguinária. Em algum lugar perto daqui, ele poderia entrar no submundo e encontrar a câmara para onde os Rakdos haviam levado Emmara.
Jace piscou enquanto olhava o viashino. “Você não saberia dizer… onde é a entrada mais próxima para o submundo?”
“Eu saberia,” o homem-lagarto disse. “Sim.”
“Estou perto?”
“Uma pergunta melhor seria: você está sozinho? Não é um lugar para se ir sem um bom grupo. As sombras lá embaixo estão vivas, sabe? Elas vão chamar o seu nome. Aranhas que você não pode nem ver vão subir pela sua pele. Coisas que mordem vão devorar a sua mente.”
“Eu consigo me virar sozinho.”
“Consegue? Muito bem, então. Estou honrado em ser a última coisa viva que você vai ver. Tem umas palavras finais que quer que eu lembre?”
“Está tudo bem.”
“E essas serão suas últimas palavras?” O viashino virou o queixo vagamente para trás e para frente, seus lábios reptilianos se franziram. “Faça como quiser. Não que importe. Eu não ia me lembrar delas de qualquer forma.” Ele se ajeitou contra o poste. Seus olhos ficaram encarando o nada.
“Então, por favor, senhor, e a entrada?”
“Eu acho que você está de pé sobre ela.”
Jace olhou para baixo. Ele estava no meio da rua, mas o padrão em ziguezague das pedras do pavimento mudava para uma súbita espiral onde estava. Jace agora podia sentir um encantamento na rua, um mecanismo acionado de forma mística que podia ser ativado por qualquer mago. O que exatamente ele acionava não estava claro.
Jace se preparou. Era hora de erguer algumas defesas mais fortes. Ele invocou um feitiço e deixou-o envolver todo o seu corpo. Jace observou suas múltiplas sombras sob as luzes da rua desaparecerem, e então seu próprio corpo desapareceu com elas.
“Você vai querer se preparar antes de ir lá embaixo,” o viashino sugeriu.
“No momento, estou invisível aos sentidos,” disse Jace. “É uma magia mental de encobrimento.”
O viashino tossiu. “Muita coisa lá embaixo é como eu,” ele disse. “Eles não precisam de olhos pra te encontrar. E com certeza não precisam de uma mente.”
“Vai ter que servir.”
Jace canalizou um punhado de mana na direção do padrão espiral na rua. Pedra arranhou pedra, e a rua se desenrolou para baixo, formando um tipo de escada espiral que descia para a escuridão. O submundo emitiu um bafo de ar pútrido.
“Bem… boa noite,” disse Jace.
O viashino ancião assentiu, e Jace desceu os degraus, deixando a superfície para trás.
Invisível ou não, ele se sentiu nu. Seus pés eram transparentes para seus próprios sentidos, um truque do seu feitiço, mas ainda emitiam anéis concêntricos de ondas nas grandes poças de água parada que cobriam o piso do túnel. Seu corpo não refletia luz, mas a superfície dele ainda criava contornos de forma humana nas cortinas de teias de aranha. Sua respiração ainda aquecia o ar gélido, deixando rastros de névoa no ar.
Ele podia sentir a magia Golgari no submundo à espreita como um esporo persistente. Jace parecia estar atravessando as ruínas tomadas por fungos de alguma grande biblioteca: colunas de mármore branco cobertas por fungos prateleira se assemelhavam a troncos caídos; lajes de estantes se amontoavam em ninhos para abrigar sabe-se lá o quê; poças salobras se acumulavam em buracos e concavidades da câmara conforme centenas de milhares de tomos se decompunham até virar lodo.
O submundo estava cheio de insetos negros e quitinosos do tamanho do punho de Jace escalando as ruínas. Alguns deles abriram múltiplos pares de asas que ficavam fazendo o movimento de tesouras, e foram zumbir em volta da cabeça dele, agitando as antenas. Sombras se moviam com barulhos pesados demais, atreladas a anatomias ocultas na escuridão. Criaturas-planta bioluminescentes rastejavam de poça em poça, parando para beber a sujeira. Em algum lugar, os degraus de uma escada de metal retiniram, o som ecoando como pingos de água pelos túneis.
Era estranho se guiar assim. Ele usou detalhes fugazes da memória de Exava como um tipo de mapa, mas era um mapa pobre. Várias vezes, Jace teve que voltar por onde viera enquanto ficava mais e mais perdido. Mas quando se viu em uma gigantesca câmara úmida iluminada por alguns raios vibrantes, foi tomado por uma sensação de déjà vu. A água dentro dos tubos de bronze em ângulos insanos sussurrava como se fossem vozes apressadas. Jace se lembrava do cheiro bolorento da câmara alagada através da memória da bruxa sanguinária, mas experienciá-lo em pessoa trazia uma urgência terrível. Este era o lugar para onde os guerreiros Rakdos trouxeram Emmara. Mas não havia sinal dela. Ele seguiu em frente.
Jace foi pisando nas pedras erguidas da água, evitando as poças escuras. Apesar da clara influência Golgari, a presença da guilda Izzet era tão forte quanto ela aqui embaixo. Os inventores meio-loucos da Liga Izzet tinham roscado milhas de canalizações sob a cidade, fornecendo elementos essenciais aos distritos. Em algum lugar havia gigantescos geradores barulhentos, os órgãos pulsantes do plano, onde equipes de trabalho de magos e elementais empregavam magia para manter a infraestrutura de Ravnica.
Grande parte da tubulação, latão reluzente sobre a alvenaria coberta de líquen, parecia nova. Jace pensou sobre a hostilidade crescente entre as guildas, e aqui estava: engenharia Izzet correndo pelos túneis Golgari, uma manifestação física da disputa das guildas pelo domínio. Ele seguiu os canos, entrando em túneis adjacentes e ouvindo o líquido lá dentro que murmurava e gorgolejava como se fossem vozes.
Besouros rastejavam pelo corpo invisível de Jace. Não estava claro se seu feitiço de invisibilidade, que se baseava em manipular a mente, funcionava neles, ou se eles simplesmente não se importavam e estavam perfeitamente felizes em escalar superfícies invisíveis, como suas pernas. A capa molhada grudava em seu corpo, visível ou não, e o cheiro desse lugar era avassalador.
Jace passou suas mãos transparentes pelos tubos Izzet que delineavam o túnel. Não era só água que corria dentro deles. Ele podia sentir mana, bruto e poderoso, fluindo por eles também, perceptível apenas à sua aptidão como mago. Mais precisamente, Jace sentia que o mana fluía paralelo aos canos – a energia mágica não era domada pelos condutos de metal. Os tubos tinham sido construídos ao redor do fluxo de mana. O mana não era só uma corrente direcional, mas uma trama complexa de potencial mágico que atravessava o túnel até a próxima câmara, traçando seu próprio caminho.
Quando o teto da câmara ficou mais alto novamente, a corrente de mana subiu para o topo, correndo ao longo de uma arcada coroada por uma escultura em pedra antiga do símbolo da guilda Golgari. Jace se perguntou se Ravnica sempre tivera aquelas estranhas correntes de mana fluindo pela cidade, e quantos magos sabiam disso.
E foi então que ele viu os corpos.
Julgando pelas máscaras com chifres e armaduras cheias de espinhos e pintadas como arlequins, deviam ser guerreiros Rakdos. Um estava amassado na parede da câmara. Outro estava de rosto para baixo sobre um monte de entulho de decomposição. Outro tinha sido rasgado em dois na altura da cintura e suas partes foram jogadas em direções diferentes. Eles não podiam ter morrido há mais de uma hora; o sangue ainda escorria de suas feridas, e sua carne ainda não tinha começado a se decompor.
Os corpos capturaram sua atenção tão completamente que Jace não percebeu o gigantesco trol de esgoto que quase pisou nele.
Ral Zarek estava em pé no meio da praça lotada, olhando carrancudo para o pergaminho que segurava entre duas hastes metálicas de mizzium. Ao seu redor, outros pesquisadores Izzet conduziam experimentos, conversando entre si e atraindo olhares estranhos dos transeuntes. Ral olhou as figuras rabiscadas no pergaminho. Eram uma série de demandas de seu mestre de guilda, mas as palavras do dragão frequentemente pareciam enigmas. Se comunicar com o gênio dragônico nunca era fácil. Niv-Mizzet não era um mentor ou um exemplo a ser seguido para Ral – era um incômodo. Ele forçava Ral a expandir seu pensamento, mas Ral sabia mais do que Niv-Mizzet jamais poderia: ele conhecia a existência de outros planos.
“Com licença, Mago de Guilda Zarek.”
Uma das pesquisadoras, uma mulher com uma geringonça de múltiplas lentes na cabeça, estava apontando para sua própria manopla. O objeto era feito de mizzium metálico alquímico, e estalava com energia, deixando seu cabelo riscado de branco em pé.
“Sim? O que você achou?”
“A trama de mana é interrompida perto daqui,” ela disse.
“Para onde ela vai?” Ral perguntou. “Para dentro do esgoto?”
“Não, nós já verificamos. Skreeg explorou três níveis abaixo. Esta trama parece que simplesmente some.”
Ral franziu o cenho. “Ela não pode só desaparecer,” ele disse.
Eles tinham rastreado o fio retorcido de mana por metade do distrito. Este era um novo desdobramento. A corrente invisível de mana parecia uma forma de encontrar a rota do Labirinto Implícito. O fenômeno percorria um caminho sob muitas ruas, então ziguezagueava para longe de uma forma aparentemente aleatória, atravessando edifícios até as folhagens de um parque urbano, passava por distritos industriais cobertos de fumaça e descia para os túneis do submundo. Mas agora eles tinham perdido a trilha.
Ral olhou de novo para os enigmas nas instruções. O dragão obcecado claramente achava que essa era uma área importante de ser pesquisada. A forma como os garranchos tinham atacado violentamente e atravessado o pergaminho, verticalmente e horizontalmente e de todas as direções ao mesmo tempo, para Ral parecia formar um sorriso de deboche de alguém que sabia algo. Ele enrolou o pergaminho e o enfiou na manga.
Ral caminhou pelas pedras do pavimento, observando os padrões, meio que esperando que alguma mensagem estivesse escrita na rua. Não estava. Os outros magos observavam.
Ele piscou. Ral apertou os olhos para o sol, que rodeava uma torre alta como um halo. Formas parecidas com pássaros planavam em círculos pelo céu. “Verifiquem a torre,” ele disse.
Todos os outros magos olharam para cima, protegendo os olhos com as mãos. Eles murmuraram.
“A trama de mana de fato pode se tornar vertical aqui,” disse a pesquisadora que ele estivera questionando, olhando para a própria manopla. “Mas, Mago de Guilda Zarek, nós estamos impossibilitados de prosseguir.”
“É só—” Ele respirou fundo. “É só ‘Zarek’. Nada de ‘Mago de Guilda’. Fui claro? E, me desculpe, mas eu realmente acabei de ouvir uma maga de guilda me dizendo que estava impossibilitada de tentar algo?”
“É só que… é um ninho Azorius. Eles criam grifos para os hussardos celestes lá em cima.”
Ral deu de ombros. “Conjure um dispositivo de detonação. Arremesse-o na torre mais alta. Você acha que esse é um experimento que vale a pena desenvolver, Maga de Guilda?”
A pesquisadora olhou para os outros magos, e então para a torre, e de volta para Ral.
“Eu falei diretamente com o Mente de Fogo. Esse projeto é a prioridade máxima dele. Sabe o que isso significa? Significa que é sua prioridade máxima também. Nós vamos resolver esse labirinto, e os Izzet vão controlar uma das maiores—” Ele parou e abaixou a voz. “Nós vamos controlar tudo.”
“Mas, senhor,” outro mago falou. “Não são só os Azorius. São os grifos.”
Nuvens se aglomeraram no céu, encobrindo o sol. O rosto de Ral foi coberto pelas sombras.
“Esqueçam. Deixem comigo.”
Ral levantou as mãos e apertou os dentes. Em alguns instantes, relâmpagos azulados chiaram entre as nuvens. Um raio caiu das nuvens negras e se ramificou, atingindo as torres de quatro edificações em quatro diferentes quarteirões ao mesmo tempo. Os relâmpagos ricochetearam nas torres e convergiram para um ponto no ar sobre a linha do horizonte, produzindo o estalo ensurdecedor de um trovão. No ponto em que os relâmpagos se juntaram, um ser surgiu – um ser feito da própria tempestade. Seu corpo era de nuvens cinzentas e densas e os olhos e boca eram relâmpagos.
Ral enviou sua vontade ao elemental, a quarteirões de distância, e ele respondeu. Sua voz era um rugido de furacão e seus braços e pernas eram ventos de tornado. Ral esticou o braço no céu, apontando para o ninho Azorius. O elemental de tempestade respondeu novamente, reconhecendo o comando com o estrondo de um trovão. Ele deslocou-se ribombando até o edifício Azorius. A ventania cortava o ar. Ral podia ver jovens grifos levantando voo para dentro da tempestade e então caindo como brinquedos jogados de lado.
Os outros magos Izzet estavam gritando algo para Ral, mas ele não conseguia ouvi-los acima dos ventos agitados.
Ao comando de Ral, o elemental de tempestade desceu sobre a torre. A criatura abriu as mandíbulas, liberando relâmpagos que serpentearam até a construção com um lampejo. O topo da estrutura explodiu com um desabrochar de faíscas. Acima dos trovões e dos ventos, Ral conseguia ouvir os guinchos dos grifos.
O lado do edifício foi atingido pelos ventos, lançando pedaços de alvenaria na praça. Pessoas correram, protegendo as cabeças dos escombros que caíam.
Uma falange de hussardos apareceu, as armas brilhantes a postos. Eles se colocavam atrás de uma administradora, algum tipo de subministra ou legislatocrata que começou a ler uma lista de infrações e estatutos que alegavam que Ral tinha descumprido. Ele achou isso extraordinariamente engraçado.
Sobre eles, o elemental de tempestade varria a torre com suas garras de relâmpago, deixando arranhões nas pedras e dispersando os grifos restantes em todas as direções. O elemental virou seu olhar elétrico para baixo, e Ral olhou para cima e acenou para ele. O elemental trovejou uma resposta e flutuou para baixo, cobrindo a praça com um caos de golpes de vento através das selvagens correntes mágicas.
A subministra leu sua lista de demandas cumprindo seu dever até que os ventos sopraram o pergaminho para o ar e um relâmpago o transformou em cinzas. As expressões de todos os Azorius estavam retorcidas contra a tempestade. Um a um, eles recuaram.
Assim que a praça ficou vazia exceto pelos magos Izzet, Ral apertou o punho e o abriu. O elemental de tempestade se agitou para longe no céu, se dissipando até virar névoa. Trovões ribombavam ao longe, em algum lugar muito além do horizonte.
“Mago de Guilda—é… Zarek, senhor,” disse a jovem maga depois que a tempestade tinha passado.
Ral não se virou.
“Você estava certo. A trama de mana continua para cima pelo ar a partir da trilha que nós tínhamos seguido. Ela passa pela torre e então faz um ângulo para baixo, para um telhado adjacente.”
“Vamos continuar, então,” disse Ral.
“Tem mais uma coisa, senhor. A Pesquisadora Klama morreu enquanto lutávamos contra os Azorius, senhor. Ela ficou presa em um dos feitiços de detenção deles. Quando nós, hm, dispersamos os magos legistas, ela não conseguiu sair. E sufocou.”
“Nós temos muito o que fazer,” disse Ral. “Não vamos deixar a trilha esfriar de novo.”
O símbolo da guilda Golgari estava pintado em branco na face do trol como uma máscara de inseto albino. Ele era alto o suficiente para que o nível dos olhos de Jace lhe batesse no peito. Uma florescência de cogumelos prateleira crescia pelas costas e ombros enormes da criatura. Seu corpo musculoso era coberto por um tecido de cicatrizes entrecruzadas – a marca de uma queimadura no ombro, um ferimento causado por um corte irregular na coxa, uma lesão causada por algum tipo de furo do lado da cabeça – todas se fecharam formando cicatrizes rígidas e ásperas. Estava claro que o trol já entrara em muitas lutas, e aparentemente seu corpo era muito bom em se curar dos danos, mesmo que não de um jeito bonito.
A julgar pela forma como o trol passou direto por Jace, sem tomar conhecimento dele, parecia que o feitiço mental de encobrimento estava fazendo seu trabalho. Ele manteve a respiração tão silenciosa quanto possível e tentou formular um plano para sair antes de ser descoberto, mas o caminho para fora estava bloqueado pelo trol formidável.
O trol cheirou o ar, bufando forte pelas narinas. Seus bíceps se flexionavam conforme ele brandia o porrete para frente e para trás no túnel escuro, rasgando teias de aranha tão grossas quanto dedos humanos. Jace permaneceu tão imóvel quanto conseguia. Ele sabia que devia tentar permanecer calmo, assim não transpiraria, espalhando seu cheiro pela câmara, e as batidas do seu coração não o denunciariam. Qualquer evidência que Jace revelasse de si mesmo poderia enfraquecer sua ilusão e fazer com que o trol o notasse. Mas seu corpo parecia pensar que era um bom momento para se inundar de pânico. Um besouro do tamanho de seu punho escalou sua perna, satisfeito em tratá-lo como qualquer outro obstáculo imóvel. Se o trol percebeu, não demonstrou.
Então, sem aviso, o trol golpeou a parede do túnel com seu porrete, esmagando outro inseto gigante e transformando-o em polpa. Ele agarrou os restos esverdeados que escorriam do exoesqueleto partido e o limpou com a língua. O trol engoliu e estalou os lábios indelicadamente. Jace pressionou a boca com as mãos, mas não conseguiu abafar um gemido.
O trol se virou com tudo. “Quem tá aí?” ele rugiu. “Sai, coisa das sombras. Eu sinto o cheiro da carne em você.”
Jace podia sentir sua ilusão se dissolvendo. Os sentidos do trol eram bons demais para serem enganados pelo feitiço, e em instantes ele estaria à vista novamente. Jace pensou em quais outras magias poderiam ajudar a protegê-lo ali, mas, no pânico do momento, não conseguia se lembrar de nada. Ele pressionou as costas contra os tubos Izzet, ouvindo o sibilo de seus conteúdos pressurizados, e tentou evitar o porrete do trol.
“Aí está você, coisinha das sombras,” disse o trol.
Contato visual. Ele estava visível. Jace preparou uma contramágica no impulso, mas ela não faria nada contra o gigantesco porrete do trol.
“Você invadiu meu portão? É isso? Você traz carne para as terras do Enxame achando que vai levar a melhor sobre mim e pegar o que é nosso?”
Jace olhou ao redor e agarrou uma adaga serrilhada de um dos guerreiros Rakdos mortos, só para se sentir armado. Então teve uma ideia.
O trol riu. “Vai lá,” ele disse. “Dá um golpe no Varolz. Bate o mais forte que você consegue.” Ele abriu bem os braços, expondo seu peito cheio de cicatrizes e costuras de ferimentos que mais pareciam sorrisos.
Jace se virou para a parede atrás de si, enfiando a adaga nos tubos de bronze, e mergulhou para o lado. Uma inundação de água pressurizada superaquecida se espalhou a partir da fenda, atingindo o trol. Jace rolou, tentando dar a volta no trol distraído, e ficou em pé novamente.
O jato de água já tinha diminuído para um fio. A nuvem de fumaça se dissipou, e o trol ainda estava lá, gargalhando com grunhidos de tremer o peito. A água escaldante tinha devorado muitas camadas do peito do trol, expondo músculos brilhantes, mas sua pele já estava se espalhando em tiras regenerativas sobre o ferimento.
“Agora é a vez do Varolz,” disse o trol.
“Jace!” chamou uma voz feminina vinda da escuridão. “Se abaixe!”
Apesar disso, o porrete do trol acertou seu alvo. O mundo de Jace se transformou em uma explosão cegante de dor, e então em um vazio negro enquanto ele caía mole para um sono de pedra.
Quando Jace acordou, estava olhando para a cara de um monstro. Mas não era Varolz, o trol.
A criatura olhando para ele era um enorme aglomerado de vinhas, folhagem e mármore branco vagamente humanoide. Jace ainda estava na úmida câmara Golgari, mas este monstro não era Golgari. Ele florescia com vida, uma escultura feita de plantas e animada por uma luz interna.
Uma mão o tocou. Para o imenso alívio de Jace, era Emmara, ajoelhada ao seu lado.
“Achei que você não ia conseguir,” ela disse. Emmara estava lançando feitiços, curando suas feridas. Assim como nos velhos tempos.
Ele olhou para cima novamente, para o gigantesco elemental da natureza, e de volta para Emmara. “Achei que você tivesse sido raptada,” Jace disse.
“Mude o que você pensou,” Emmara disse secamente. “É nisso que você é bom, não é?”
“Os Rakdos… os Rakdos não te pegaram?”
“Bem, eu fui com eles, mas por vontade própria. Eles quebraram tudo abrindo caminho até o quarto da estalagem, e fizeram uma demonstração de como devastar o lugar. Eles sabiam meu nome e tentaram me ameaçar. Me disseram para ir com eles. Esse não é o estilo deles – os Rakdos são homicidas, não sequestradores. Acho que alguém os colocou nisso.”
Jace pensou na figura encapuzada que vira na memória da bruxa sanguinária. “Alguém os colocou nisso. Só que ainda não sei quem. Mas por que você foi com eles?”
“Por sua causa. Se eu estivesse sozinha na estalagem, poderia tê-los dispensado imediatamente. Mas você estava ocupado demais destruindo a própria mente.”
“Eu estava… o quê?”
“Eles quebraram tudo no quarto, e você caiu e não acordava. Um deles te pegou pelo pescoço. Os Rakdos iam te matar. Então fiz um trato com eles.
“Eles te deixaram em paz,” Emmara continuou, “e eu permiti que me conduzissem até aqui embaixo. Eles me trouxeram aqui e nós esperamos. Acho que os Rakdos deviam me entregar para alguém. Mas, ao invés disso, eu invoquei meu amigo aqui, e ele matou todos eles. Foi o suficiente para afastar aquele trol Golgari também.”
Jace observou o gigantesco elemental Selesnya. Ele estava de cabeça baixa para caber ali, mesmo com o teto alto da câmara. Invocar uma criatura daquelas era uma magia poderosa. Jace vira Emmara criar pequenos constructos vivos antes, mas eram apenas brinquedos. Ele nunca a vira conseguir invocar algo como isto.
Emmara olhou para o elemental e abaixou a cabeça em um aceno para ele. O elemental retribuiu o cumprimento com sua cabeça enorme, e ela deixou o feitiço de invocação se esvair. A criatura brilhou por um momento, iluminando a câmara. Então seu corpo gigantesco se tornou transparente conforme a magia se dissipava. O elemental se dissolveu no ar, deixando para trás apenas algumas poucas folhas verdes que flutuaram até o chão da câmara.
Era muita coisa para entrar na cabeça de Jace, e ele tinha certeza de que não estava entendendo tudo. Mas havia ao menos um detalhe que Emmara mencionara que Jace entendera. Ela tinha dito que, quando estavam na estalagem, ele estava destruindo a própria mente. Antes que tivesse uma chance de perguntar o que ela queria dizer com isso, uma presença se juntou a eles.
Um vampiro apareceu da escuridão, tão quieto quanto uma brisa. Estava nu da cintura para cima, apesar do frio do subsolo, e seus olhos refletiam a luz como os de um gato. Ele flutuou sem esforço das partes mais altas da câmara e se alinhou ao chão perto dos dois.
“Meu nome é Mirko Vosk,” o vampiro disse. “E parece que vocês deram um jeito naqueles lacaios Rakdos. Obrigado. Me pouparam de um problema.”
“Você é Dimir,” disse Emmara.
“Para o azar de vocês. Mas já era hora de vir te buscar, minha cara, já que meu mestre não gosta de ser deixado esperando. E você, Beleren, será um bônus – ele está de olho em você há algum tempo.”
Kavin subiu degrau por degrau da escadaria luminosa, espiralando lentamente em seu caminho através de uma das torres de Nova Prahv. Ele tinha uma ordem de passagem em mãos, assinada pela líder da guarda do portão Azorius, e a mostrava para cada burocrata, escriba ou mago legista que encontrava. Qualquer um que olhasse o vedalkeano diria que seu rosto parecia plácido, mas havia uma dureza nele capaz de transformar pedra em poeira.
Um par de guardas lado a lado abriu a porta para ele. O escritório de Lavínia era surpreendentemente compacto.
“Já faz um longo tempo, Kavin,” disse a Oficial Lavínia. “Chá?”
Kavin entrou e se sentou no lado oposto da pequena escrivaninha. “Obrigado por me encontrar.”
“Você disse que tem informação para mim? Sobre Jace Beleren?”
“Tenho.”
“Onde ele está?”
“Não sei seu paradeiro atual.”
“Quando o viu pela última vez?”
“Há três dias. Ele me levou para uma estalagem perto de seu santuário, onde eu trabalhei para ele em sua pesquisa. Mas esse santuário foi destruído. Assumi que você já soubesse disso.”
“Que tipo de pesquisa ele conduzia lá?”
“Não me lembro muito dos detalhes. No nosso último encontro, ele destruiu a maior parte das minhas memórias relacionadas ao que descobrimos.”
“Ele é capaz de destruir memórias com magia?”
“Sim.”
“E ele usou essa magia para evitar que você se lembrasse da pesquisa?”
“Sim. Mas enquanto ele executava o feitiço de destruição de memória, eu fugi. Consegui anotar algumas coisas antes que o feitiço estivesse completo.” Kavin mostrou um pergaminho com garranchos apressados e o colocou sobre a escrivaninha. “Não entendo tudo o que escrevi, mas essa é a minha letra. Anotei sobre as pistas que encontramos esculpidas nas edificações da cidade e sobre uma mensagem escrita em um antigo código Azorius. Também rabisquei sobre um caminho que os Izzet estão tentando descobrir, que poderia levar a um poder capaz de desbalancear as guildas. No final, escrevi o seu nome.”
“Estou muito feliz que tenha feito isso.”
“Você entende que não tenho como saber se o que quer que eu tenha escrito é verdade, certo? Ainda sinto que essas anotações podem ser parte de alguma piada elaborada. Mas achei que era algo que deveria ser trazido para as autoridades competentes.”
Lavínia colocou sua xícara na mesa e dobrou as mãos. “Você deveria voltar para nós, Kavin. Seria um bom mago legista. Nós poderíamos fazer uso de você.”
“Essa não é mais minha vida. Além disso, o Pacto das Guildas se foi. Velha Prahv se foi. Não tenho mais lugar nessa guilda.”
“Tem certeza de que isso não é sentimentalismo, Kavin? Lealdade a esse homem que você chama de Mestre Beleren?”
“Não me insulte. Quão leal eu poderia ser? Estou aqui, não é?”
“Sim, está. Kavin, você não teria interesse em nos ajudar a contatar Beleren?”
“Você quer dizer montar uma armadilha.”
“Eu quero dizer fazer o que for necessário para restaurar a ordem neste distrito.”
“Ele pode não ser muito útil. Estava planejando destruir as próprias memórias também. Pode ser que ele saiba ainda menos do que eu.”
“Sabia que uma oficial Selesnya de alto escalão estava com Beleren na noite em que o santuário foi destruído?”
“Sim, me lembro disso. A amiga dele, Emmara Tandris.”
“Uma favorita de Trostani, as dríades irmãs. Você estava ciente de que ela foi sequestrada naquela mesma noite? E que nenhum dos dois foi visto desde então?”
”Não estava. Você confirmou isso?”
“Está acontecendo muito mais do que o que você sabe, Kavin. Volte para nós.”
“Mas é como eu lhe disse, Lavínia. Ele não sabe nada desse labirinto. Se estiver um pouco como eu, então ele já deve ter enlouquecido.”
“Pode ser. E também pode ser que tenha sido melhor para ele. Neste exato momento, essa pode ser a única coisa que o mantém vivo.”