Mtg Lore
Compêndio da Lore de Magic the Gathering
PROMESSAS A MANTER
Sono não era algo vindouro, e de qualquer modo, não era uma opção.
Uma pilha de pergaminhos estava no chão do quarto de Chandra. Mesmo encostada no canto extremo do cômodo, ela ainda conseguia ler as linhas que escrevera no topo da página:
MINHA ORATÓRIA INSPIRADORA
POR ABADESSA NALAAR
E só.
A pena estava no mesmo lugar onde ela a deixara – encravada na parede. Chandra sentia seu cérebro tentando se retorcer para fora do crânio.
Amanhã ela daria o pronunciamento tradicional no Monte Keralia. Amanhã, impressionaria a Mãe Luti e todos seus estudantes com uma litania bem planejada de demonstrações piromânticas confiantes, algumas palavras de incentivo que, provavelmente, evocariam a amada Jaya, e talvez algumas metáforas com fogo e chamas. Ela se provaria digna de ser a abadessa da Fortaleza Keral, como todos foram desde o início dos tempos, provavelmente.
Ela se jogou na cama com as vestes de abadessa e encarou o teto do seu quarto.
Esta é a vida que você escolheu, lembrou-se.
Ela prometera. Não importa o que esteja acontecendo em Zendikar; não importa como eles precisavam dela; não importa como participar daquela batalha deve ser libertador. Este era o papel dela agora.
Chandra olhou longamente para a pena de escrever enfiada na parede e, depois, lentamente, para a porta. Ela ficou de pé, caminhou até a soleira e deu espiadela para fora, para uma lado e para o outro dos corredores da Fortaleza. Sombras dançavam tremulando nos braseiros: as lanternas noturnas. A Fortaleza permaneceria mais algumas horas em silêncio.
É assim que se cumpre uma promessa, explicou para si mesma. Você não é mais criança. Isso é assumir uma – ela se equilibrou na soleira da porta com uma das mãos e se forçou a pensar na palavra seguinte – responsabilidade.
Ela mordeu o lábio ali, de pé na soleira da sua porta, conferindo mais uma vez se o corredor estava vazio. Depois, fechou a porta dos seus aposentos com firmeza.
Chandra deu uma olhadela para o discurso ainda não escrito, para o pote de tinta que estava praticamente intocado.
Ela firmou seus pés e apertou o robe de abadessa na cintura, olhando friamente para a parede oposta.
Só uma espiadinha, pensou.
Ela pressionou sua vontade contra o lugar em torno dela, forçando-a a mudar. Zendikar.
Seus aposentos se dissolveram. As paredes se tornaram um ar úmido da noite. O chão de pedra tornou-se um caminho inclinado com pedras roladas. O teto tornou-se um céu escuro, com massas de terra flutuante espalhadas, além de formas losangulares e inclinadas.
Por instinto, ela se agachou. Passaram-se centenas, talvez mil dias, desde que a poeira de Zendikar sujara sua face da última vez. Ela ainda conseguia sentir o cheiro de terra fértil, a pureza irrestrita, a intensidade revigorante de um ar em alerta constante. Mas havia algo novo: o cheiro de poeira seca. Um cheiro de algo drenado.
Seu coração batia forte. Ela limpou as palmas das mãos nos robes cerimoniais. De repente, se sentiu despreparada, mal equipada para os vastos perigos de Zendikar. Ela perdeu o fôlego.
Ela estava cercada por árvores com troncos retorcidos e escarpas pontiagudas. Apressou-se, então, em subir até um lugar mais alto para vislumbrar onde estava. O terreno se fez ver, e um caminho levava até um mar cintilante. Além do mar, havia uma cidade com torres de pedra branca – o Portão Marinho! Ela conseguira transplanar para perto do seu objetivo, perto de onde Gideon dissera para encontrá-lo. As torres brancas estavam ancoradas por uma represa poderosa, e acima do mar flutuava uma coleção de edros em semicírculo. Suas runas bruxuleavam no céu noturno, refletidas nas cristas das ondas.
No horizonte, Chandra viu uma silhueta estranha e vasta, que ela não reconhecia. Provavelmente, era uma das montanhas de Zendikar que desafiavam a gravidade, ou suas massas de terra monumentais, distorcidas e parecendo enormes na luz fraca.
E, logo abaixo dela, na base da escarpa, tinha gente. Alguns que ela conhecia. Gideon gritava instruções, parecendo tão confortável sendo líder coo usando armadura.
“Cuidado agora – aí, bom”, Gideon dizia. “Certo. Equipe do portão, puxem!”
Chandra seguiu os olhos de Gideon. Um dos edros maiores que flutuava acima da água estava se movendo. Na verdade, ela conseguia ver equipes guiando-o pela superfície da água, içando-o pelo ar com cordas pesadas e mágicas para empurrá-lo. Mestres de corda kor ao longo da represa puxavam suas linhas, guiando o edro até o lugar certo.
“E… parem!”, gritou Gideon.
Uma segunda equipe puxou na direção oposta. O edro se moveu mais lentamente até parar, dentro do círculo.
“Local, bom”, disse Gideon. “Altitude, boa. Próxima equipe, preparar cordas!”
Eles vão conseguir, ela pensou. Meus amigos estão conseguindo. Eles vieram até aqui e estão ajudando Vão salvar este mundo.
Involuntariamente, Chandra socou o ar com orgulho – o que lhe tirou o equilíbrio, causando vertigem na beirada da escarpa. Ela se endireitou, mas algumas pedrinhas correram trilha abaixo.
“Olhem lá! Olhem lá!”, uma mulher gritou acima dela.
Chandra se agachou entre duas árvores curvas, olhando para cima sob a cobertura de um ramo de árvore. Acima dela voava uma batedora: o corpo largo de uma arraia voadora deslizava pelo ar, com uma elfa segurando as rédeas. A arraia fez uma curva acentuada e a batedora observava a área onde Chandra estava escondida.
“Movimento entre as árvores, naquela direção!” avisava a elfa.
Ela ouviu a resposta de Gideon lá embaixo. “Sobrevoe de novo,” ordenou ele. “Preciso saber quantas são, e o tamanho delas.”
A arraia montada começou a voltar para onde Chandra estava e teve apenas alguns momentos antes que os olhos élficos da batedora a descobrissem. Chandra não viera para ficar. Só uma espiadinha.
Chandra correu pela trilha onde subira, deslizando em parte da descida. Ela começou a escorregar em rochas soltas e conseguiu se segurar em uma escarpa côncava – e acabou dando de cara com outro tipo de encrenca.
Quando ela conseguiu parar a descida, estava “cara-a-placa-facial” com um trio de criaturas angulosas, estriadas com carne e cabeças ósseas. Eles davam a impressão incômoda de estarem do avesso.
Eldrazi. Estes eram os Eldrazi. As criaturas que eram uma doença neste mundo, que Gideon e Jace pediram sua ajuda para enfrentar.
O maior deles soltou um sibilo ruidoso que parecia um assobio, e os outros responderam, movendo-se na direção de Chandra.
“Não, não, não”, sussurrou. Ela deu uma olhadela para cima. A elfa batedora estava quase em sua direção, mas ainda não havia terminado de dar a volta. Ela olhou de volta para seus oponentes bem a tempo de ver um deles tentando cortar seu rosto com uma pata que mais parecia uma espada.
Chandra desviou, mas outro Eldrazi estava em cima dela, prendendo seu braço contra uma rocha. Ela o puxou, mas o terceiro saltou, agarrando seu cabelo e seu maxilar com pinças pegajosas.
“Olha o respeito!” ela murmurou, agarrando o esterno da criatura e atirando-a para longe.
O maior deles tombou em cima dela, forçando seu peso sobre os ombros que já estavam pesados com as vestes cerimoniais. Ela sentiu os braços serrilhados da frente do Eldrazi tentando imobilizá-la — ou esmagá-la.
Chandra grunhiu sob o peso, tentando manter-se de pé. Sua coluna dobrou dolorosamente e ela caiu de joelhos, empurrou as patas da criatura e os espinhos afundaram em suas mãos. Ainda assim ela empurrava, e a careta de esforço virou um rosnado. Chandra invocou toda sua força, apoiou os pés e empurrou a coisa.
“Rah-AGHH!”
A coisa cambaleou para longe dela, que ficou livre por um momento.
A arraia voadora passou por cima de Chandra. Será que a batedora a vira? A batedora ela assobiou e a criatura fez mais uma volta, descendo mais enquanto voltava na direção de Chandra.
Não havia tempo. Chandra olhou as criaturas Eldrazi e sentiu sua pele pinicar com calor. Ela se abraçou e girou o corpo; o giro tornou-se ira, e a ira tornou-se fogo.
Ela emitiu um domo de fogo, empurrado do seu corpo para todos os lados. Por um momento, tudo o que viu foi o lampejo da sua própria chama, e depois a noite novamente e as criaturas estavam de costas no chão, mas ainda vivas. Seus corpos e pernas chamuscadas tentavam se erguer.
Sem tempo sem tempo sem tempo.
Eles escalaram o chão até ficarem de pé, e guincharam para ela com som de chocalho. Chandra cruzou seus antebraços à sua frente, junto mana da montanha sob seus pés – ela estendeu os braços para o lado abruptamente, criando uma lâmina trifurcada de fogo que cortou cada um deles.
As criaturas ficaram imóveis, e cada uma soltava fumaça da sua própria cova-cratera.
Ela apertou os punhos, triunfante, e meio que gritou, mas se controlou, segurando a própria boca rapidamente. Olhou para cima novamente, voltando para dentro da linha das árvores. A batedora elfa passou por cima dela, com os olhos presos nos cadáveres fumegantes dos Eldrazi.
Seu corpo tremia – uma mistura de temor e exaltação tamborilava dentro dela. Ela pressionou as costas contra um tronco de árvore, cobrindo o vidro refletivo dos seus óculos com a manga do robe, esperando manter-se oculta.
“É isso. Eu só vim para isso. Só para saber que estão a salvo. Só para saber – que não precisam de mim.”
Chandra começou a transplanar de volta para Regatha. A paisagem de Zendikar começou a derreter em torno dela. Ela se permitiu mais uma olhadela para Gideon e para os outros. Foi aí que aquela forma no horizonte – a coisa que havia dispensado ao pensar que se tratava de uma massa de terra flutuante ou montanha irregular.
Nos primeiros raios do início da manhã, Chandra viu que a forma gigantesca no horizonte se movia. Ela ondulava seus membros lentamente, o que significava que tinha membros. Seus ossos maxilares pálidos e serrilhados no final da noite.
Não era apenas uma forma ao longe. Ela se aproximava. Ela vinha na direção do Portão Marinho, na direção de Gideon e dos outros, entalhando seu caminho de morte por todo o mundo. Ou seja, ameaçando destruir toda vida.
As criaturas que ela destruíra – aquelas eram insignificantes se comparadas a essa monstruosidade. Isto – Ulamog – era o motivo real da batalha. Era isto que causara o cheiro de poeira morta que era novo no mundo, e que seus colegas arriscavam suas vidas para confrontar.
Foi isso que ela ajudara a soltar.
— Mas a imagem de Ulamog se dissolveu, uma sombra ondulante em sua retina. Ela já estava transplanando para longe dali. Regatha surgia em torno dela, substituindo o trecho que levava até os edros, até seus amigos, até o titã Eldrazi. Seu quarto brilhava ao se formar em torno dela, e a luz da manhã espiava pelas frestas da janela.
“Não”, disse em voz alta.
O som de batidas urgentes na porta chegaram aos ouvidos de Chandra quando o mundo se firmou. A porta foi aberta de supetão e a face irritada da Mãe Luti apareceu. Para Chandra, parecia como se ela estivesse cintilando através de uma imagem de Ulamog ainda queimada em seus olhos.
“Chandra?” A Mãe Luti ralhava. “Você está pronta? A Proclamação! Os cânticos já começaram!”
Chandra estava boquiaberta.
“Você não vai se esquivar das suas responsabilidades aqui, Abadessa Nalaar”, disse Mãe Luti. “Você não vai quebrar sua promessa.” Com isso, Mãe Luti saiu pelo corredor.
Chandra fechou sua boca lentamente. Ela ainda usava o robe cerimonial – o robe de Serenok. O manto bordado tinha um pequeno rasgo na manga agora, de onde a pinça serrilhada do Eldrazi fincou no braço dela.
Nadando em uma bruma surreal, ela deu dois passos, se inclinou e pegou o maço de pergaminhos: seu discurso.
MINHA ORATÓRIA INSPIRADORA, dizia a página de cima, rabiscado com sua própria letra. POR ABADESSA NALAAR.
Ela olhou para a porta que levava até o restante da Fortaleza, para seus estudantes, para Mãe Luti e para Regatha. Mas seus pés não sabiam como ir naquela direção.
De repente, ela esmagou as páginas e formou uma bola. As páginas pegaram fogo, incendiando em um lampejo. Ela as deixou cair pelos dedos, já flocos de cinzas.
É esta a sensação de manter uma promessa, pensou.
Ela saiu dos seus aposentos, e a forma de Ulamog ainda estava presa em sua mente.
A abadessa cumprimentou seus estudantes com um aceno de cabeça. Tantas faces a olhavam pelo grande salão da Fortaleza Keral… Mãe Luti olhava lá dos fundos.
“Bom, hã… dia”, ela começou enquanto se agarrava ao obelisco de pedra que lhe servia de púlpito, tentando se lembrar como as palavras funcionavam. Ela tossiu dentro da manga do robe.
Chandra franziu o cenho, tentando se lembrar de alguns dos ditados do Abade Serenok. “O fogo é um símbolo,” disse, dura. “Para o… bom, para o fogo. Nos nossos corações.”
De certo modo, isso soava melhor quando era Serenok quem dizia.
Monges se entreolhavam. Alguém pigarreou.
“Devemos conseguir…” ela perdeu o rumo do pensamento, encarando o púlpito à sua frente. “Atiçar! Esse fogo. Para que… hã…”
Ela deu uma olhada para o rosto de Mãe Luti. Foi um erro. Chandra esfregou as têmporas com os dedos indicadores.
Ela pigarreou. E respirou fundo.
“Olha só,” começou. “Quando eu vim para cá, quando criança, eu era um caos. Eu não fazia ideia do que fazer com isto aqui, nenhuma mesmo.” Ela ergueu a mão e ela floresceu em chamas. Ela sacudiu a mão e o fogo se apagou novamente. “As pessoas deste lugar – o Abade Serenok, a Mãe Luti, todos vocês – me mostraram. Vocês não tentaram me controlar. Você não tentaram mudar nada em mim. Vocês me ensinaram a expressar quem eu sou, do meu próprio jeito.”
Ela olhou para as dúzias de faces individuais à frente dela. “Se houver algo que eu possa fazer para retribuir este favor, é incentivar que vocês façam o mesmo. Cada um de vocês é um você separado e individual. Vocês não são os monges piromantes da Fortaleza Keral, não de verdade. Vocês não são os devotos dos ensinamentos de Jaya. Vocês não estão aqui para me ouvir, ou a qualquer outro abade. Vocês são pessoas únicas, com ideias incríveis sobre o que realmente importa. Vocês só estão aqui porque é um lugar onde permitem que descubra quem você é.”
Eu estou realmente dizendo isso? pensou. Eu estou dizendo o que acho que vou dizer mesmo? Chandra procurou pelo rosto de Mãe Luti, mas não a encontrou mais na multidão.
“Eu peço desculpas para os que estou decepcionando agora”, continuou Chandra. “Mas o melhor meio que eu conheço para honrar a tradição do Pronunciamento do Monte Keralia é dizer para vocês pararem de ouvir a este Pronunciamento do Monte Keralia.”
Os monges se entreolharam novamente. Chandra desfez a amarra da cintura dos robes de abade, puxou seus braços das mangas e sacudiu os ombros para tirá-lo — estava usando sua armadura embaixo dele. Ela deixou o robe pendurado nas suas mãos com gentileza, como alguém que segura um tesouro importante para outra pessoa.
“Cada um de vocês tem um dom que só vocês podem trazer ao mundo. Um meio de ajudar que outras pessoas não tem. E o meio de expressar este dom é ouvir isso: confiem em si mesmos. Confiem nos seus dons. Não coloquem toda sua confiança em discursos, meus ou de qualquer pessoa.”
Alguns dos monges ficaram de pé lentamente. Cabeças assentiam. Ela viu o cintilar de alguns sorrisos.
“Existem propósitos para vocês lá fora, mais importantes do que uma tradição ou um pronunciamento”, continuou. “Crises que vocês deviam intervir agora mesmo, problemas que não serão resolvidos sem vocês. Eu insisto que vocês vão. Vão e descubram que problemas são esses.” Ela curvou-se, erguendo os robes de Serenok como uma espécie de saudação. “Obrigada.”
Muitos monges sacudiam as cabeças, com bocas curvas e decepcionadas. Mas alguns outros aplaudiram e socaram o ar. Ela sentiu que eles ganhavam vida nova, viu seus olhos despertarem como ela não vira em semanas de rotinas e metáforas.
“Obrigada,” disse, piscando para expulsar as lágrimas, segurando as vestes nos braços como se fosse um bebê. “Agradeço por tudo que fizeram por mim. Obrigada.”
Chandra sorriu e se virou para longe do púlpito. Ela deu de cara com uma barreira de Mãe Luti.
O sorriso de Chandra titubeou. “Sinto muito, Mãe Luti,” ela falou. “Mas você sabe que eu tenho de ir.”
“É assim que você se sente?” Mãe Luti perguntou inexpressiva. “É isso o que você quer?”
“Eu vou até Zendikar,” Chandra disse. “Precisam de mim lá.”
Chandra olhou nos olhos de Luti, e imediatamente ela viu a dor que sua partida causaria. Ela viu como abandonaria este lugar, o lugar que a acolhera, o lugar que acreditara nela e que a ajudara a se tornar quem ela era.
Era impossível ler a face de Mãe Luti. “Você não tem certeza,” ela disse. “É esta a verdade no seu coração?”
Chandra viu o fantasma de Ulamog tremular no canto do seu campo de visão. “Sim, creio que sim.”
“Inaceitável,” disse Mãe Luti, ríspida. “Precisam de você aqui!”
“Eu tenho de ir,” Chandra disse. “Escute, me desculpe que tenha de abandoná-los — eu sei que vocês vão ficar sem abade, e eu agradeço por tudo…”
Mãe Luti a interrompeu. “Sinto muito, eu tenho de fazer isto. Mas devo lembrá-la da sua promessa. Você continuará sendo abadessa desta Fortaleza.”
“O quê?”
“Você tem um compromisso com este lugar. Você considerou partir, mas decidiu ficar. Chame os estudantes de volta. Você vai declamar sua oratória e ensinará piromancia.”
O cenho de Chandra desceu. “O que você quer dizer?”
Mãe Luti estava absolutamente séria. “Eu proíbo você de partir.”
Chandra cerrou os punhos, mas se forçou a abri-los novamente. Ela balançou a cabeça, rindo feito criança. “Então, olha, eu…”
“Chandra, preciso lembrá-la? Mesmo sendo abadessa, sou sua superior. E eu digo que você fica.”
Punhos. “Eu não vou ficar.”
“Vai ficar sim.”
“Não faça isso.”
“Você tem uma responsabilidade!”
“Eu tenho, sim, uma responsabilidade!” gritou Chandra. Ela lançou um dedo para o ar, apontando para algum outro lugar. “Tem gente sofrendo lá agora, e posso ajudar. Eu posso ajudar. Eu não posso ficar aqui e repetir exercícios sem fim, sabendo que poderia estar lá usando o que vocês me ensinaram para impedir um desastre.”
A face de Mãe Luti passou de repente a um orgulho silencioso e radiante. “Agora você tem certeza,” ela falou, suavemente. “Meus parabéns, Chandra.”
Chandra apenas respirou. “Eu…”
“Agora você sabe qual é a verdade nessa sua cabecinha.”
“É… é isso que você precisava ouvir?”
“É isso o que você precisava saber.”
Os ombros de Chandra murcharam. Ela limpou uma gota que se formava sem querer no canto do olho. “Obrigada,” ela respondeu.
Mãe Luti estendeu os braços para receber as vestes do abade, mas Chandra se lançou contra ela para abraçá-la. Chandra sentiu Luti hesitar, e depois dar um abraço apertado.
“Vá, Chandra Nalaar,” sussurrou Luti para os cabelos dela. “Vá salvar os mundos.”
“Eu prometo,” Chandra disse, sem produzir nenhum som.
Chandra a soltou. Ela juntou as vestes de Serenok e dobrou-as cuidadosamente. Depois, as dobrou de outro jeito, e mais uma vez, com o cenho franzido ao ver o terceiro embolado assimétrico que ela criara. Ela começou a dobrá-lo uma vez mais e depois sorriu quando Mãe Luti tirou o manto gentilmente das suas mãos.
“Tudo bem,” ralhou Mãe Luti. “Tudo bem.”
Chandra se virou, e muitos estudantes a aplaudiram.
“Adeus,” ela disse. “Adeus. Espero ver vocês de novo um dia.”
O ar tinha cheiro de poeira em Zendikar. Mas ela tinha esperança – ele também tinha cheiro de água salgada, então não estava longe. Ela emergira em algum lugar florestado perto da costa, mas conseguia ver as torres do Portão Marinho acima das árvores.
Ela também viu Ulamog. Ele já havia chegado à cidade. Sua cabeçorra monstruosa se elevava mais do que as torres; seus maxilares ósseos e braços bifurcados ameaçavam a cidade. Chandra tinha esperança que não fosse tarde demais.
A represa estava perto, logo abaixo de um declive coberto por árvores. Um pequeno esquadrão de criaturas Eldrazi caiu dos galhos à frente dela, sibilando em chocalhos e empunhando membros serrilhados. Mas ela lançou um feitiço com um giro e um movimento brusco de braço, e as criaturas viraram cinzas em um borrão de piromancia, e atravessou correndo por suas formas chamuscadas.
Ela chegara ao Portão Marinho. Chandra corria para subir até a via pública de rocha branca e ampla, o topo da poderosa represa. Dúzias, ou centenas, de zendikari olhavam para Ulamog acima da represa…
E comemoravam.
Chandra correu até a beirada da represa. Ela demorou para absorver a cena que estava vendo.
Ulamog estava preso.
Chandra conseguia ver o titã se debatendo dentro de um círculo de edros, sem conseguir se mover fora deles. Em torno dela, elfos e kor e goblins gritavam, zombando do titã incapacitado. Alarmada, Chandra viu uma criatura do mar com oito membros emergir das águas, mas sentiu alívio ao ver que a criatura estapeava vários Eldrazi menores. Ela também estava ajudando! Chandra mal conseguia discernir uma maga tritã direcionando os movimentos do monstro octópode com sua lança bifurcada.
O coração de Chandra pulava. Ela correu para descer a represa, desviando de zendikari que sorriam e se abraçavam, e continuava tentando olhar além da represa. Ela queria encontrar rostos conhecidos, mas não localizava nem Jace nem Gideon.
No momento que ela viu a sombra alada voar acima da água, o tempo pareceu ficar lento. Quando ergueu o olhar até o demônio com veias infernais, uma dor temerosa começou em sua barriga e passou a inundar o corpo inteiro. Ela viu o demônio parar no ar, batendo suas asas poderosas, logo acima da prisão de Ulamog. Ela viu o demônio estender dedos com garras para baixo, como se drenasse o poder de baixo para ele. Ele falou palavras ininteligíveis e ela sentiu a terra tremer.
Em torno dela, a comemoração foi se aquietando com murmúrios preocupados.
As pontas dos edros estavam agora apontadas para o demônio. A prisão de edros agora se tornaram alguma forma nova de dispositivo de edros, um vórtice de poder, com o demônio em seu ápice. Veias de energia sombria irromperam dos edros e convergiram sobre o demônio. Seu corpo arquejou, absorvendo o poder, e sua cabeça foi jogada para trás. Ele gargalhou com voz grave e satisfeita, flutuando ali, no ar, acima do crânio de Ulamog.
Demônios gargalhando, ela pensou. Nunca é coisa boa.
Chandra cuspiu nas mãos, as esfregou e conjurou uma quantidade descabida de chama. Três feitiços de chama separados feitos ao mesmo tempo devem servir. Ela torceu o corpo e girou, grunhindo, lançando um bombardeio de piromancia todo de uma vez na direção do demônio. Mas quando sua mágica voava na direção das linhas de força enegrecidas, elas se enlearam e foram engolidas pelas linhas de força, e as chamas dispersaram sem atingir o alvo.
O chão deslizou e em torno dela os murmúrios se tornaram gritos. Ela olhou para baixo e viu os edros da prisão de Ulamog inclinarem e tremerem. O chão tremeu mais violentamente, balançando a represa e formando ondas enormes. O povo zendikari debandava pela represa em pânico estridente.
Ondas surgiam e batiam contra a represa, vindas da baía de Halimar. Uma onda particularmente enorme se assomou, e a crista chegou a uns doze metros acima de alguns refugiados que corriam. Chandra estourou a onda com um cone de calor, calefando-a antes que conseguisse esmagá-los e inundar a represa. Ela corria junto com eles, rebatendo a água do mar que jorrava com ondas de ar pirômano.
Enquanto Chandra corria com a multidão para descerem, olhou para ver o topo das torres do Portão Marinho balançando para um lado e para o outro. Uma rachadura se formou em uma delas, lançando poeira branca e escombros sobre eles.
Quando o feitiço que aumentou o poder do demônio acabou, a gravidade começou a tomar os edros de volta para a superfície da água. Os edros caíram, mergulhando no mar ondulante um por um, estourando as cordas que os ligavam, uns com os outros, e com a represa do Portão Marinho. O círculo estava se rompendo. A estrutura da prisão de Ulamog estava se quebrando.
Sem suas amarras, Ulamog se desenrolou como uma flor apocalíptica. O titã agarrou humanoides que fugiam, e instantaneamente viraram poeira.
Chandra gritou furiosa e lançava mísseis de fogo em Ulamog, mas não pareciam ter efeito. Ela ainda não conseguia discernir Gideon ou Jace na multidão. Ela não conseguia impedir o demônio ou causar dano ao titã recém-liberto.
O que mais poderia dar errado hoje?
A península rochosa no outro lado do Portão Marinho tremeu, e depois a terra partiu com um estalido. Rocha e terra caíam em si mesmas, uma cavidade que se engolia. A cavidade se espalhou de um modo antinatural – as beiradas do buraco se torciam e retraíam para dentro, e o terreno formava padrões com ângulos retos bizarros e um brilho iridescente.
Havia um movimento de algo gigantesco no fundo, subindo à tona.
MAS, É CLARO, pensou. POR QUE NÃO? POR QUE NÃO ISSO AGORA?
Gigantescos fragmentos de um material brilhante parecido com obsidiana emergiram do chão. Enquanto o ser se erguia, Chandra viu que as placas flutuavam em formação acima de um globo giratório que fazia as vezes de cabeça, embutida em um torso com uma espécie de armadura natural e membros para os lados, apoiados por uma floresta de tentáculos das profundezas. Enquanto ele se erguia, soltava terra como se fosse um roupão sendo despido, caindo dele e chovendo mar adentro.
Esta não era meramente mais uma criatura Eldrazi para enfrentar. Este era o advento de outra coisa-deus, como Ulamog – uma divindade horrenda das Eternidades Cegas.
Um segundo titã Eldrazi entrara na batalha.
Traduzido por: Meg Fornazari
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