Mtg Lore
Compêndio da Lore de Magic the Gathering
POR ZENDIKAR
Faz muitos anos que o mundo de Zendikar chamou Nissa Revane pela primeira vez, dando-lhe visões e a atraindo até as Presas de Akoum para ajudar a remover o monstro maligno que estava preso dentro das suas montanhas. Apesar de Nissa ter enfrentado toda a monstruosidade Eldrazi com bravura na época, ela não conseguiu destruí-la…
Nem ela nem seus irmãos. Desde aquele primeiro encontro, Nissa dedicou sua vida a lutar contra as proles de Eldrazi que viraram praga em seu mundo. Ela passou por vários fracassos e cometeu vários erros, mas parece que Zendikar ainda tem fé na elfa; o mundo envia seu poder a ela quando ela o chama, e se manifesta como um elemental arbóreo gigantesco que a ajuda em suas batalhas. Então, Nissa continua a lutar na esperança de que Zendikar escolhera a guardiã certa.
Nissa estava de pé ao lado da sua elemental em uma cumeeira, observando a Floresta de Matavasta. Daquela altura, era quase possível discernir – se ela relaxasse os olhos e os semicerrasse um pouco – apenas os tons naturais de verdes e marrons da floresta.
Mas Nissa sabia que havia pedaços dela que pareciam giz; caminhos percorridos em arabescos pelo terreno, como se fossem leitos secos de rio. Ela queria que fossem apenas leitos. Uma seca (mesmo a pior das secas) seria melhor do que o que o mundo estava enfrentando.
As trilhas esbranquiçadas e desmoronadas de corrupção que os Eldrazi da prole de Ulamog deixavam pelo caminho eram… morte. Vazio. Eram o nada. Os Eldrazi drenavam a vida e a essência de todas as coisas vivas, que encontravam. Nem uma grama crescia por onde eles passavam; até as libélula-leão, tão persistentes, tomavam distância das áreas corrompidas. No início, muitos Zendikari acreditavam que a terra morta se recuperaria; que com o tempo a vida ressurgiria. Mas, com o passar dos anos, os feixes de corrupção Eldrazi só se espalharam mais. Parecia que o dano causado por eles era permanente. A vida que Zendikar perdera estava destruída, para sempre.
O mundo estava chegando a um ponto em que não havia muito mais para dar.
“Eles querem tomar tudo,” concluiu Nissa. “Às vezes, eu não sei se vamos conseguir impedir que façam isso.”
Ela falava principalmente sozinha, mas também com a criatura elemental ao seu lado. Nissa decidira falar com ela nos últimos dias, mesmo que não percebesse nenhuma espécie de entendimento.
O único sinal de comunicação que recebia era um gesto repetido algumas vezes por dias: estender uma pata arbórea e tentar agarrar algo que Nissa não enxergava ou compreendia.
Ela tentara interpretar o significado, mas parecia estar errada em todas as vezes que tentara adivinhar. Isso não a impedia de falar com ela. Desde que deixaram Hamadi e os outros elfos, estavam atravessando sozinhas o que ainda restava da Floresta de Matavasta, e Nissa encontrava conforto em usar sua voz para algo além de gritos de guerra.
“Fizemos um bom trabalho lá.” Nissa apontou com o queixo para a seção da floresta onde haviam acabado de liberar da escória Eldrazi. Dois cadáveres dos monstros jaziam logo atrás delas, e a elemental ao lado de Nissa fora responsável por arrancar quatro tentáculos do maior deles.
Nissa queria demonstrar gratidão, mas ainda estava aprendendo como as coisas funcionam entre elas. Quando invocara a elemental gigantesca pela primeira vez, estava tão chocada quanto aqueles que estavam em torno dela. O poder, a força, o tamanho colossal dela eram esmagadores. É claro, estava acostumada a lutar ao lado de elementais, canalizando o poder da terra através deles – mas não com isso.
Esta elemental era diferente dos outros. E não apenas porque era grande o suficiente para erguer um Eldrazi médio com uma das suas patas – apesar de ser uma qualidade bastante positiva. Esta elemental não voltar à terra depois da batalha.
Ficava por perto, seguia Nissa e cuidava dela. E apesar de não parecer compreender o que dizia, parecia escutá-la.
Ela tinha uma presença e uma personalidade…. Talvez até mais do que isso.
E era por isso que era estranho ela não ter recebido um nome.
“Eu gostaria de saber como posso chamá-la,” pediu Nissa, olhando para cima e vendo o céu clarear com uma nova aurora através dos galhos da elemental. “Em momentos como este, quando conversamos, eu gostaria de chamá-la de alguma coisa. Você tem um nome?”
A elemental não se moveu para respondeu; não era como se Nissa realmente esperasse que ela respondesse. Ainda assim… “Tudo bem se eu lhe der um nome?”
A elemental não pareceu oferecer resistência à ideia.
“Então… o que acha de Ashaya?” perguntou Nissa. “Ashaya, o Mundo Despertado.” Ela aproveitou a ideia do nome como Hamadi a chamava. Na primeira vez em que Nissa invocara aquele elemental, Hamadi chamara Nissa de “Shaya”, que significava “Despertadora do Mundo.” Se ela era a Despertadora do Mundo, fazia sentido que aquela elemental fosse o mundo despertado.
Os galhos da elemental se enrolaram e esticaram. Nissa achou que ela parecia experimentar o nome, testando-o. Quando suas raízes assentaram no chão, ela parecia satisfeita.
“Certo, então será Ashaya,” decidiu Nissa. O nome lhe parecia bom e certo. Quando os primeiros raios de sol se esticaram sobre o horizonte, ela suspirou. “Então, Ashaya, o que fazemos agora?”
Isso era algo que Nissa se perguntava muitos nos últimos tempos.
O que uma só elfa deveria fazer com este poder todo?
Uma só elfa neste vasto mundo… E em um Multiverso ainda maior.
O que uma só elfa deveria fazer?
Mas se for ver, não era exatamente isso que Hamadi tentara lhe dizer? Ele deveria salvar o mundo. Ela deveria usar o poder da elemental Ashaya e destruir os Eldrazi. Zendikar a escolhera.
Mas Hamadi não sabia da história toda. Zendikar já escolhera Nissa antes, uma vez. Quando ela era muito jovem, o mundo lhe enviou visões e clamou por sua ajuda.
E Nissa tentara ajudar, mas ela falhara.
Ela falhara.
Então, porque o mundo a escolhera uma segunda vez?
“De verdade, estou perguntando a você.” Nissa olhava para o lugar na placa amadeirada frontal de Ashaya onde os olhos da elemental ficariam, se ela tivesse olhos. “O que Zendikar espera que eu faça? O que espera que eu faça?”
A elemental não deu sinal algum de tê-la ouvido.
“Você é parte de Zendikar, não é?” Nissa queria sacudir seus galhos até que caísse uma resposta das feições impassíveis de madeira. “Por que você está aqui – comigo? De todos os elfos… todos os povos, os kor, os tritões de Zendikar – você poderia ter escolhido até um goblin. Mas eu?” Nissa balançou a cabeça. “Eu falhei. Da última vez que você me escolheu, eu falhei. O que faz você pensar que desta vez será diferente? O que faz você pensar que de algum modo eu serei melhor, mais forte, mais corajosa? Isto é tudo o que sou. Isto aqui.” Nissa estendeu seus braços, expondo sua estatura à elemental. “É so isso. E é tudo o que eu serei na vida.”
Ashya, o Mundo Despertado, se mexeu; ela ergueu uma pata enorme, segurando-a com a palma aberta virada para Nissa.
Ela estava repetindo o mesmo gesto, como fez incontáveis vezes antes. Nissa suspirou. “O quê? O que isso quer dizer?”
Lentamente, a elemental fechou o punho com dedos de galhos.
Nissa olhava friamente para ela. “Eu não entendo. Eu não sei o que você está tentando me dizer.”
Ashaya puxou o punho na direção do peito, estendeu a mão novamente e abriu um dedo de cada vez e abriu a palma da mão virada para cima.
Nissa sabia que era ali que o gesto acabava. Ela já vira tudo isso antes.
Ela já tentara colocar sua mão na pata da elemental. Ela já tentara estender sua própria palma da mão para cima. Ela tentar adivinhar que significar que ela devia olhar para cima, se abrir e se estender para Zendikar. E ela já fizera todas essas coisas, sem sucesso.
Ashaya fez o gesto novamente.
“Você é tão teimosa quanto eu,” notou Nissa.
Ashaya tentou uma terceira vez, e então uma quarta vez.
“Chega.” Nissa parou a elemental na metade do caminho, segurando seu polegar com as duas mãos. Ao tocá-la, a tensão saiu dos seus ombros. Ela sentiu os aromas que Ashaya carregava, os cheiros da floresta – terra, selva, madeira e folhas. Foi maravilhoso. Foi poderoso. “Me desculpe. Queria muito entender você.” Seu coração doía com a honestidade desse desejo.
Ashaya moveu sua outra pata e cobriu as pequeninas mãos de Nissa, segurando-a entre as suas. Era algo novo, algo que a elemental nunca fizera antes.
O coração de Nissa acelerou e seus dedos tremiam na expectativa do que viria a seguir.
O ar entre elas ficou pesado, e Nissa sentiu uma força irradiar de Ashaya – e, então, um grito distante e desesperado veio do vale abaixo delas.
Tanto Nissa como Ashaya se assustaram. Juntas, elas se viraram na direção do grito, olhando pela beirada da cumeeira.
Um segundo grito perfurou o nascer do dia – desta vez estrangulado.
“Lá!” apontou Nissa. Não estava muito longe – a carne antinaturalmente púrpura e tesa de um Eldrazi brilhava na luz do início da manhã.
Do ponto de vista de Nissa, parecia que o Eldrazi acabara de invadir um pequeno acampamento. Perto dali havia, pelo menos, duas fogueiras ardendo em brasa e o que parecia ser uma dúzia de barracas espalhadas entre as árvores.
Três figuras cercavam o Eldrazi; um parecia ser uma kor, e os outros dois deveriam ser elfos. O Eldrazi parecia ter prendido uma quarta figura – talvez um humano – sob um de seus cotovelos ossudos. O humano gritou novamente.
Nissa e Ashaya assistiam as árvores próximas do acampamento tremerem. E, então, com o eco de três estalidos rápidos e três árvores caindo sobre o chão, mais duas monstruosidades Eldrazi -uma com tentáculos e outra com um excesso de mãos – avançaram sobre o acampamento. Suas trilhas de corrupção calcária consumiram os troncos caídos.
Mais três árvores arrancadas de Zendikar para sempre.
O Eldrazi com tentáculos alcançou a kor que estava ocupada lutando contra a primeira monstruosidade púrpura.
“Atrás de você!” chamou Nissa, mas o vento carregou sua voz para longe do vale.
O tentáculo mais espesso do Eldrazi bateu atrás dos joelhos da kor, fazendo-a cair fora do campo de visão de Nissa. “Não!”
Ashaya soltou a mão de Nissa, que correu pela encosta. “Por aqui!” ela puxou a elemental, pedindo que a seguisse.
A mata era fechada, sem caminho desbravado. Apesar de Nissa ser proficiente na travessia de florestas densas, sua preocupação com a kor levou-a a ir mais rápido do que iria normalmente. Ela tropeçou duas vezes enquanto descia, repreendendo-se por casa precioso segundo que perdia.
Assim que chegou ao nível do chão, Nissa orientou-se pelo sol e avançou contra as árvores, chamando Ashaya para ir com ela. Galhos estapeavam sua face e espinheiros arranhavam seus tornozelos, mas ela deixou que cada arranhão a lembrasse da força da floresta – da força que ela levantaria contra os Eldrazi.
Quando ela e Ashaya alcançaram o pequeno acampamento, as barracas, suprimentos e corpos caídos estavam manchados de sangue e pegajosos com a carnificina Eldrazi – ou já haviam sido transformados em folhelhos ocos e cálcios. No centro de tudo, o Eldrazi com carne tesa e púrpura se alimentava do cadáver de um elfo.
Nissa olhou para o lado apenas para engolir a bílis que emergiu no fundo da garganta, voltando-se para avançar contra o monstro, trazendo Ashaya com ela.
Ela estendeu sua vontade para a terra sob o Eldrazi púrpura e deu um puxão em um grande feixe no chão – junto com as plantas, galhos caídos e outros detritos de floresta. Quando a terra se inclinou embaixo dele, o Eldrazi deslizou para o lado da pequena encosta que Nissa fizera… direto para os braços de Ashaya que o esperava.
Nissa pressionou seu poder na elemental enquanto ela apertava o pescoço do Eldrazi, esmagando qualquer espécie de estrutura que mantinha aquela monstruosidade de pé, até que ele ficou pendurado, mole e sem vida em suas mãos. Após um comando de Nissa, Ashaya soltou o Eldrazi incapacitado. Com um baque seco, o horror caiu ao chão da floresta, ao lado do corpo do elfo.
Com um Eldrazi a menor, Nissa virou no próprio eixo, em alerta, para encontrar os outros dois… mas já era tarde.
Um tentáculo espesso e avermelhado fechara-se em torno da pata traseira de Ashaya. O Eldrazi com tentáculos agora tinha somente três – os zendikari do acampamento devem ter conseguido decepar os demais – e se arrastava na direção da elemental.
A fúria coalhava dentro do peito de Nissa. “Saia de perto de Ashaya.”
Ela invocou as raízes fortes e retorcidas de uma árvore próxima para que agarrassem um dos tentáculos traseiros do Eldrazi. Era como um cabo-de-guerra: Nissa comandou Ashaya para caminhar penosamente em uma direção, enquanto as raízes da árvore puxavam com toda a força da terra na direção oposta. O Eldrazi se quebraria logo, partido ao meio em sua carne inchada e avermelhada.
“Socorro!” uma voz cortou a concentração de Nissa.
Ela viera de cima. A kor – a que Nissa vira da cumeeira – estava nos galhos altos de uma árvore. O terceiro Eldrazi agarrava o ar na direção dela com oito membros bifurcados que terminavam em dezesseis mãos, com oito dedos cada.
A kor golpeou o membro mais próximo com seu gancho, decepando três dedos em sua quarta junta, mas ela se retraiu de dor quando o fez, e desmaiou no galho mais próximo. Ela fora ferida, provavelmente durante a altercação que Nissa vira mais cedo. Ela precisava de ajuda.
Nissa estendeu os sentidos até os galhos da árvore, comandando uma dúzia deles ao mesmo tempo, controlando-os para que se enrolassem em torno da kor. Mas a barreira impedira o progresso do Eldrazi apenas por um momento. Cada um dos dezesseis membros daquele horror agarrou um dos galhos, e puxou. Até o mais grosso dos galhos se partiu como se fosse um galhinho de acender fogueira.
Nissa procurou por Ashaya para que a ajudasse, mas ao tirar sua atenção do Eldrazi de tentáculos ele tivera a chance de ganhar terreno. Ele rompera o cabo-de-guerra e segurava a pata de Ashaya com outro dos seus tentáculos, e puxava a elemental na direção da sua boca, que chiava.
“Socorro!” chamou a kor mais uma vez. “Por favor!”
O coração de Nissa pulava. Ela olhou para Ashaya e para a kor. Ela não podia estar em dois lugares ao mesmo tempo. Era um fato simples: ela precisava da força de Ashaya para resgar a kor. “Segure firme!”
Ela lançou todo o seu poder em Ashaya, comandando a elemental para que girasse sobre sua perna presa e pisasse nos tentáculos do Eldrazi com sua outra enorme pata traseira – uma, duas, três vezes.
Os impactos soltaram fluidos de Eldrazi por todos os lados, e como resultado ele agora tinha apenas mais um tentáculo. O ferimento parecia ser o suficiente para tirar-lhe o equilíbrio. Ele se arrastou para trás, retirando-se para dentro da mata fechada, retorcendo-se e rangendo.
Nissa não teve nenhum momento de pausa, puxando para junto dela Ashaya – e os tentáculos decepados ainda presos à sua pata – para enfrentar o terceiro Eldrazi com muitas mãos.
Mas ele havia sumido.
A kor também.
Nissa procurou desesperadamente em meio às árvores, empurrando galhos para aumentar seu campo de visão. Aonde fora aquela coisa horrível? Aonde ela levara a kor?
O som do farfalhar de folhas entregou o segredo. Nissa afastou as árvores que tremiam e expôs o caminho do Eldrazi. Ele já estava a centenas de metros de distância, derrapando com agilidade sobre quatorze membros; ele se virara e usava sete dos seus braços como pernas, e um oitavo membro estava inclinado em um ângulo impossível para segurar a kor na altura da sua cavidade de ingestão.
Uma corrupção branca e cálcica subia pela perna da kor.
“Não!” Nissa correu pela vala que o Eldrazi entalhou por entre as árvores, mas não havia mais o que fazer; o Eldrazi consumiu a vida da kor, transformando seu corpo pólido e imóvel em poeira.
A poeira nublou a visão de Nissa e machucou seus olhos; ela correu mais devagar e piscou para forçar lágrimas. Não havia mais nada que ela pudesse fazer pela kor.
Com um suspiro longo que servia tanto para limpar os pulmões como a mente daquela memória, ela seguiu cuidadosamente de volta para o acampamento para encontrar Ashaya.
Ela cruzou uma trilha de corrupção no caminho, provavelmente deixada pelo Eldrazi com um só tentáculo. O coração de Nissa parou. Se aquele Eldrazi saíra do acampamento, isso queria dizer que não havia mais nada para se alimentar.
Logo ela viu que estava certa; a pequena clareira se perdera para a corrupção Eldrazi. Nissa contou cinco cadáveres, mas não era possível saber quantos mais já se desintegraram.
Ashaya estava de pé no centro da clareira – a única porção de cores verde e marrom contra o branco estendido e antinatural. A elemental parecia estar de luto. Elas perderam a batalha. Muitos perderam suas vidas. E a terra perdeu muito, também. Por isso, Nissa sentia muito. Mas ela avisara a Ashaya; disse que não era a escolha certa para Zendikar. Agora, ela finalmente veria que Nissa estava certa.
“Não é culpa sua.” A voz fina e seca assustou Nissa. Por uma batida de coração, ela pensou ser a voz da elemental, mas, então, ela encontrou a fonte: um vampiro que mancava em sua direção, vindo de uma área de árvores grossas. Ele carregava o corpo de uma humana inconsciente. “Você fez tudo o que pôde.” A alguns passos de Nissa, ele se ajoelhou e deitou a humana gentilmente no chão cálcico.
A imagem de um vampiro cuidando de outro ser vivo com tanto carinho era desconcertante. Nissa franziu o cenho, olhando para a mulher e para o vampiro.
“Não se preocupe, ela não sente dor,” murmurou o vampiro.”Eu garanti isso. Ela vai fazer a passagem logo e, então, poderá ser enterrada,” ele disse, analisando os demais corpos de giz, “com os demais.” Ele ficou de pé e deu um passo na direção de Nissa.
Por instinto, ela deu um passo para trás.
O vampiro riu – uma risada grave e sobria. “E justo, considerando seu histórico com vampiros, Nissa.”
Nissa perdeu o fôlego. “Como você sabe o meu nome? O que você – onde…?” Ela tropeçava em suas palavras e sua mente girava.
“Tantas perguntas… E eu responderei a todas,” ronronou o vampiro. “Mas, primeiro, eu tenho uma pergunta para você. Se você não se importar. Por que ainda está aqui? Por que ainda está em Zendikar?”
Nissa piscou uma vez, e sua confusão apenas aumentava.
“Eu imaginei que você teria partido há muito,” disse o vampiro, “junto com os outros que são iguais a você. Quando eu me incumbi desta missão, eu supus que teria de encontrar alguém prestes a acender a centelha – alguém com quem eu pudesse suplicar antes que ele ou ela tivessem o poder de caminhar para longe deste mundo moribundo. Mas encontrar um planinauta antes de transplanar pela primeira vez é uma tarefa ainda mais impossível do que parece.”
“Você sabe?” Nissa deu outro passo para trás. Os pelos dos seus braços estavam arrepiados. “Você é…?”
“Eu? Não. Mas fico lisonjeado que você considere a minha raça com alma suficiente para nutrir uma centelha.”
“Eu não acho…”
O vampiro ergueu ambas as mãos. “Não, não – não precisa ferir a boa fé que acabou de construir entre nós. É uma base sólida para o que quero confiar a você.”
Confiar? Um vampiro? Esta criatura tinha igual probabilidade de ser um servo de Ulamog ou um caçador de elfos. Nissa não confiava em vampiros. Ela apoiou seus pés, centralizou o peso do corpo e clamou pelo poder do terreno para limpar sua mente. “Não existe boa fé entre nós. Me dê um bom motivo para não terminar com sua vida agora mesmo?”
“Tenho quatro bons motivos. Eu os darei para você em breve. São presentes… De Anowon.”
Nissa sentiu um calafrio; ela não ouvia o nome daquele velho vampiro há muito tempo. Ela procurou por ele nas sombras. Será que ele a encontrara novamente? Seria isso uma emboscada?
“Não entre em pânico, pequena elfa. Não há motivos para se preocupar. Anowon não está aqui.”
“Onde ele está?”
“Eu não sei,” ele respondeu. Ele sumiu há muitos anos. Mas antes de desaparecer, falava de você com frequência; ele me contou sobre seus poderes, suas habilidades, sua centelha. Você é a primeira pessoa que pensei em buscar quando comecei esta demanda, mas nunca esperei encontrá-a ainda aqui. Estou tão contente que a encontrei.” Ele puxou um pedaço pequeno de seda cinza e ofereceu a ela dobrado.
“O que é?” Nissa não tocou.
Com uma segunda demonstração de ternura, o vampiro puxou a dobra deuma, revelando quatro pequenas sementes no centro do tecido. Ele apontou para cada uma delas. “Kolya, mangue-carmesim, jaddi, sarça-sangrenta.”
“Sarça-sangrenta.” O coração de Nissa doía ao pensar na amada planta do seu continente natal, mas seus instintos lhe diziam que ele deveria estar mentindo. “Mas… Bala Ged foi destruída.”
“Menos estas sementes.” O vampiro dobrou cuidadosamente a seda de volta, prendendo-a como um envelope. “Você deve compreender o que vou pedir a você agora, planinauta Nissa; você deve compreender como espero que você salve Zendikar.”
Nissa compreendia. Ele estava pedindo que ela levasse as sementes… para outro plano de existência.
“Eu sei que pode parecer algo curioso para um vampiro pedir. Mas, nestes últimos dias, todos nós vamos nos pegar fazendo coisas curiosas. Veja bem, eu vi muito de mim nas sarças-sangrentas de Bala Ged – mortais, aninhadas, retorcidas.” Ele sorriu. “Então, se elas persistirem em algum lugar”, acenou ele para o céu, “então, de certo modo eu também sobreviverei. Então, todos nós sobreviveremos.” Ele ofereceu a ela o pedaço de seda mais uma vez. “Por favor, leve-as.”
Nissa apertou os olhos, estudando o vampiro. Ela estava tendo dificuldades em compreender a criatura; ele não era como outros vampiros que conhecera. “Você fala sério?”
“Nada pode ser mais sério do que o fim de um mundo.”
“E você acredita que este seja o fim?”
“Eu sei que é.” O vampiro se aproximou e sussurrou. “Você também sabe, Nissa.”
A acusação era cortante. O vampiro estava errado. Nissa não acredita que este seria o fim. Zendikar ainda lutava. Ainda havia uma chance. “Você está errado,” ela disse. “São tempos difíceis, sim, mas muitos de nós estão decididos a entrar na batalha. E a própria terra está lutando, também. Você já passou por um Turbilhão.”
“Todos esses são esforços valentes, tenho certeza. Muito parecidos com seus esforços aqui, hoje.” O vampiro fez um gesto amplo pelo acampamento corrompido; a mulher que ele carregara de volta já estava entre os mortos. “O problema é que esses esforços não são suficientes. Especialmente quando seus números são tão pequenos.”
“Podemos mudar os números. Há três proles a menos nesta floresta agora do que havia hoje cedo,” replicou Nissa.
“E quanto mais foram paridos por todo o plano hoje para tomarem seus lugares?”
Nissa começou a falar algo, mas notou que não tinha nada a dizer.
O vampiro uniu as pontas dos dedos. “Não é culpa sua. São probabilidades impossíveis de vitória. São centenas de milhares de Eldrazi e eles continuarão a aparecer. Não importa quantos você mate. Não enquanto os titãs ainda estiverem aqui. Você é uma elfa inteligente e sabe que estou certo. Você já sabe disso há muito tempo.”
Nissa se eriçou.
“Eu não quis ofender. Estou apenas mencionando os fatos. Mesmo você não é poderosa o suficiente para matar um titã.”
Era verdade. Nissa enrubesceu. Ela tentara dizer a Zendikar que não era suficiente. Se ao menos ela tivesse lhe ouvido…
“Você vai. E é por isso que estou contente que nossos caminhos se cruzaram agora.” Ele pressionou as sementes na mão dela.”Você é uma planinauta poderosa e se importa muito com Zendikar. Esta tarefa é perfeita para você. Salve o nosso mundo, Nissa Revane.”
Ela podia. Pela primeira vez, Nissa sentiu-se como se realmente pudesse fazer algo que lhe fora pedido.
Ela ficou com as sementes.
Imediatamente, suas bochechas se encheram com mais sangue quente e culpado. Ela se lembrou da elemental que estava logo atrás dela. Ela ainda não se acostumara a ter um elemental que não voltasse para a terra quando terminasse de direcioná-la. Ashaya estava ali e ouviu a conversa toda; ela a viu pegar as sementes.
Nissa se virou lentamente para ver o Mundo Despertado. A elemental estava alta e estoica frente a sua traição. A vergonha se espalhava pelas entranhas de Nissa. “Espere.” Ela se virou de volta para o vampiro… Mas ele havia sumido. Os corpos dos caídos também.
Ela não tentou procurar por ele, ou persegui-lo. Ela poderia, mas não o fez.
Ao invés disso, ela ficou lá de pé no acampamento vazio e corrompido, sob a sombra da elemental e o envelope de seda ficando suado na palma da sua mão. Ela podia sentir as vidas das sementes lá dentro, as árvores que elas poderiam vir a ser um dia – cada uma delas era uma pequena parte de Zendikar. Então, por que ela deveria sentir-se culpada por querer salvá-las?
“Por que eu não deveria ao menos tentar?” Ela olhou para Ashaya. “Eu venho dizendo esse tempo todo que eu não posso fazer o que você quer que eu faça.” Ela parou, mas é claro que Ashaya não tinha resposta. “Mas isto? Isto é algo que eu posso fazer. Ao menos assim você vai saber,” ela disse, enquanto guardava o envelope de seda no bolso, “que Zendikar perdurará. Isso vai ter de ser suficiente.”
Ashaya estendeu a palma da sua mão para Nissa. E, então, a elemental formou um punho e o puxou na direção do peito, antes de estender a palma novamente e lentamente abrir cada um dos seus dedos.
“Eu ainda não entendo,” sussurrou Nissa. “Talvez outra pessoa entenda.”
As palavras de Nissa não impediram Ashaya de fazer o gesto uma segunda vez.
Quando começou a repetir uma terceira vez, Nissa desejou com sua vontade que ela voltasse para a terra – para Zendikar. A hora havia chegado.
Mas a elemental não seguiu o comando de Nissa. Suas raízes não se retorceram para dentro do solo e seus galhos não se moveram.
Nissa fez mais força. “Vai.”
Ashaya aproximou-se mais de Nissa e estendeu sua mão, fazendo o gesto novamente.
“Chega.” Nissa junto todas as suas forças e tentou forçar a elemental a partir.
Mas ela apenas ficou lá, estendendo e fechando a palma da mão virada para o céu.
“Por que você continua a fazer isso? Eu não entendo,” disse Nissa. “Eu não entendo o que isso quer dizer.” Ela imitou o movimento de Ashaya. “O que é isso?”
Quando Ashaya fechou o punho e o puxou para o coração, Nissa o fez também. “Sim, eu vejo isso, mas…” Nissa prendeu o fôlego. Ela acabar de abrir um dos seus dedos, e dele saía um fluxo verde e brilhante, mergulhando para dentro da terra além da trilha de corrupção e reaparecendo mais à frente, entrelaçando-se em árvores e dançando entre as folhas. Ele cintilava com poder.
Sem ousar nem respirar, Nissa abriu um segundo dedo. Outra linha apareceu. Este se estendia em uma direção ligeiramente diferente e depois corria para cima, entrelaçando-se com os galhos mais altos da floresta.
Mais três dedos, mais três ligações poderosas. O mundo se abriu para Nissa, irradiando poder com um brilho esverdeado. Estas eram as linhas de força; Nissa já ouvira falar do seu poder – o poder da terra, do Coração de Khalni, do poder que fluía pelo mundo inteiro.
Uma última linha de força saltava do centro da sua palma, apontando para o céu. Esta era a mais grossa das linhas, com a espessura de uma raiz robusta. Ela se esticava da palma da mão de Nissa para a de Ashaya, entrelaçando-se com as raízes e galhos que formavam o tronco e os membros da elemental. Era a linha que ligava Nissa a tudo o que Ashaya era; a linha que ligava à alma de Zendikar.
Uma.
Não era uma palavra falada; era uma sensação que vinha até Nissa, vinda de Ashaya.
Uma.
O poder verde e brilhante se espalhou da palma da mão de Nissa, subindo por seu braço e entrando em seu coração; e então, ela compreendeu. Este poder, estas ligações estavam aqui o tempo todo – eram o que Ashaya estava tentando mostrar a Nissa. Agora Nissa sabia onde procurar.
Nissa moveu seus dedos, um por um, sentindo a conexão. Era como se tivesse centenas de novos membros – dedos que eram árvores, espinheiros que eram punhos, a própria terra eram seus braços e pernas. A força de Zendikar surtou dentro dela… e pulsou de dentro para fora.
Uma.
Ela estava errada. Hamadi estava errado. Zendikar não pedira que ela fizesse tudo sozinha. O mundo não a escolhera; não havia escolha a ser feita. Ela era parte do mundo, ligada a ele como todas as outras coisas vivas. Uma árvore não escolhe um galho; ele é apenas parte da árvore – são um só, galho e árvore. Quando a árvore cresce, quando ela se entorta ou quando cai… o galho vai junto. E quando o galho farfalha, quando ele brota folhas ou carrega frutos, a árvore também o faz. Nissa não podia ser escolhida por Zendikar e não podia escolher Zendikar, pois ela e Zendikar eram um so.
Enquanto Zendikar estivesse em perigo, Nissa também estaria. E enquanto o mundo lutava, Nissa lutaria também. Sem questionar. Sem hesitar.
Por Zendikar. O sentimento irradiava de Ashaya.
“Por Zendikar.” A voz de Nissa embargou.
Por Zendikar! A convicção de Ashaya encheu Nissa, e as linhas de força brilhantes que corriam por ela borbulhavam com poder.
“Por Zendikar!” ela clamou.
O mundo inteiro se acendeu, refletindo a intensidade de Nissa enquanto ela avançava floresta adentro.
Ela correu ao lado da trilha de corrupção que o Eldrazi com um só tentáculo fez ao deixar o acampamento; ela tinha um alvo.
Após apenas alguns passos, estava claro que a floresta era um lugar completamente novo… e incrível.
Apesar de ter corrido pelas árvores mil vezes antes, ela nunca tivera uma experiência como esta. Esta, pensou Nissa, é a sensação de ter uma ligação verdadeira com a terra.
O mundo reagia a sua presença. Cada vez que seu pé tocava o chão, era um pedaço de solo limpo. Buracos que poderiam torcer seu tornozelo se fechavam. Raízes que poderiam fazê-la tropeçar abraçavam seu pé e a lançavam para a frente, como propulsão até o próximo espinheiro – que a lançava na direção de um galho, que a tomava e a balançava para cair gentilmente sobre uma cama de musgo. Era isso o que significava ser uma só com Zendikar.
Ashaya galopava ao lado de Nisssa, e sua presença era uma constante – Nissa não precisava exaurir energia alguma para desejar que a elemental se movesse, ou dirigi-la para um caminho, pois Ashaya já sabia. Ela sabia aonde Nissa iria, do que Nissa precisava e o que Nissa sentia.
Ashaya sabia do remorso de Nissa.
E ela sabia da determinação de Nissa para deixar o mundo seguro, para que um dia ela pudesse plantar as sementes que carregava no próprio solo de Zendikar.
O vampiro estava certo em entregar as sementes para Nissa. Ele também estava certo que Nissa poderia salvar Zendikar. Mas ele estava errado sobre ela ter de partir. Ele estava errado em pensar que ela não conseguiria destruir o titã. Com a força do mundo ao seu lado, com o poder de Zendikar correndo por suas veias, não havia nada que ela não pudesse fazer.
Ela olhou para Ashaya. As duas sentiam-se iguais. Ousadas. Poderosas. Prontas. Juntas eram o suficiente.
Uma face rochosa afastou-se para deixar Nissar passar, revelando o Eldrazi de um tentáculo só. A monstruosidade, indiferente pelo fato de ter apenas um tentáculo, derrapava por um campo florido, deixando um caminho de corrupção cálcica.
Chega.
Nissa correu. Pedaços da face rochosa – da terra com espinheiros e musgos que cresciam nela – vieram com ela, traçando as linhas de força brilhantes que fluíam por seus braços, alinhando-se com seus movimentos, tornando-se extensões da sua própria forma.
Uma.
Quando seus pés atingiram a trilha de corrupção atrás do Eldrazi, Nissa preparou-se para atacar. A terra formou uma lança em torno da sua mão, brilhando de dentro para fora. Ao seu lado. Ashaya imitava seus movimentos. Seus golpes tinham foco, eram certeiros… e mortais. A lança de terra cortou o Eldrazi no mesmo momento em que Ashaya esmagava sua placa óssea com o punho.
O horror soltou um chiado final, como se desinflasse enquanto caía.
Este não vai mais ferir nenhuma grama de Zendikar.
Nissa estava de pé acima da forma caída, engolindo seu fôlego a grandes inspirações. Não por estar cansada, mas por estar revigorada – por querer mais. Era chegada a hora de enfrentar. Era hora de lugar. Era a hora de salvar o mundo.
Ashaya compreendia o que Nissa sentia; Nissa também podia sentir a elemental. Ela abaixou sua mão gigantesca até o chão, logo à frente dos pés de Nissa, como um convite.
Quando Nissa subiu nos galhos da elemental, um vendaval de poder verdejante girou em torno delas, e ela transbordou. “Por Zendikar!” ela clamou.
Ashaya ergueu Nissa e a colocou em uma sela formada por dois troncos de madeira retorcida sobre sua cabeça. As linhas de força responderam a isso, entrelaçando-se em Ashaya e em Nissa. As linhas seguravam Nissa enquanto Ashaya corria pela floresta, um passo gigantesco após o outro.
Elas estavam caçando… e sua presa era um titã Eldrazi.
Nissa estendeu os braços para os lados, fazendo um chamado pelas linhas que corriam dos seus dedos.
Em resposta, um exército de elementais grandes como baloths tomaram forma. Eles entraram em formação junto com Nissa e Ashaya, prontos para atacar, entrando na luta para salvar seu mundo.
Traduzido por Meg Fornazari
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