Mtg Lore

Compêndio da Lore de Magic the Gathering

OURO PRECIOSO

Matt Cavotta

Escreveu a coluna "Taste the Magic" de 2005 a 2007

Sinete Orzhov | Arte de Tim Hildebrandt

Eu me lembro de ficar orgulhosa por não gritar ou me debater como um animal quando os crápulas dos Rakdos me agarraram e colocaram a corda ao redor do meu pescoço. Lá, na ponta do laço, minha vida daria uma reviravolta.

Claro, eu ia morrer. Mas eu me lembrei da minha Orzhov e soube que apenas o meu corpo morreria. Minha vida deu uma reviravolta, mas não do jeito que eu esperava.

Esse pode parecer um velho pensamento cansado – que a vida de alguém pode passar diante de seus olhos. Pode parecer isso, mas foi o que aconteceu comigo enquanto os seguidores do demônio me amarravam. Também pode parecer estranho para você que uma garota de 14 anos pudesse estar tão lúcida, tão pensativa em uma hora tão traumática. Eu tinha 14 anos, mas tenho pensado sobre esse momento pelos últimos 126 anos.

O Fim

Eu me lembro de pensar sobre a importância da lealdade. Eu era Orzhov, e não agiria como uma chorona do Conclave no meu momento de mudança. Não deixaria os sujos Rakdos com suas risadas hediondas e seus cânticos maníacos me fazerem tremer enquanto eu entrava no mundo dos Fantasmas. Eu era boa demais para isso. Uma Orzhov é boa demais para isso. “Você não deve lutar contra eles, Emilya,” pensei para mim mesma. “Ao invés disso, deve mostrar a eles a nobreza de uma guilda superior.” Porém secretamente, no fundo da minha mente, eu sabia que haveria retaliação. Eu fui confortada por esse pensamento. Os Orzhov não eram complacentes com aqueles que quebravam contratos, profanavam o território da guilda, ou machucavam seus importantes membros.
Anjo do Desespero | Arte de Todd Lockwood

Claro, eu era apenas uma das massas Orzhov, mas eles certamente vingariam a morte de uma garota inocente pelas mãos da guilda do Demônio. Nas basílicas, o Pontífice Orzhov se enfureceria, como eles sempre fazem, os Thrulls Ostiários se misturariam à congregação coletando fundos para a campanha de vingança. Seriam os magos da guilda a colocar os Rakdos em seu lugar? Eu sabia que era apenas um sonho a ser sonhado, mas será que o Anjo do Desespero investiria contra eles, com seu rosto pétreo e olhos vidrados? Eu sempre amei vê-lo de guarda nas altas cerimônias – negro e distante, como se fosse terrível demais e belo demais até mesmo para estar lá. Era assim que eu queria ser. E assim eu seria, lá nas mãos dos Rakdos. Eu também era confortada pela imagem do nosso sinete em minha mente. Foquei nele quando as risadas e a dor começaram a quebrar meu estoicismo. Ele era perfeito, como a própria guilda – negro e poderoso, e mesmo assim ofuscante como o sol. O símbolo foi inspirado pelo lendário Sol Seletor, uma força bela e terrível, como os anjos, que em tempos difíceis vem purificar o mundo dos indignos. Seria essa a fúria trazida contra os Rakdos? Será que eu era digna de tal grandiosa retaliação divina? Eu me lembrei do meu mantra favorito dos dízimos – as pequenas preces que nós recitamos quando colocamos moedas nos pratos dos Thrulls Ostiários.

“Todos nós somos ouro precioso. Com cada um de nós, Orzhova foi banhada em ouro. Com cada um de nós, ela reluz mais brilhante.”

Eu era digna da graça do Patriarca Espectro. Eu acho que eles fariam isso por mim, como os sermões dizem que fariam. Eu era “ouro precioso”.

Era nisso que eu pensava enquanto a vida caía na terra sob meus pés que balançavam. Eu era forte. O Conselho Fantasma de Orzhova ficaria orgulhoso de dar as boas-vindas a outra Filha de Orzhova, que não se curvara diante das ameaças de uma guilda menor. Embora eu tivesse certeza de que meu corpo estava sofrendo, meu orgulho crescia e meu desdém pelos Rakdos florescia enquanto eu os observava fazendo o que outras guildas imundas fazem aos inocentes.

Rusalka Martirizada | Arte de Alex Horley-Orlandelli

Eu estava na ponta de um laço, e minha vida daria uma virada repentina. Minha família e eu éramos devotas à Igreja. Nós pagamos nossos dízimos, fomos à Basílica Orzhov para o Tributo em Massa e para rezar, e contribuímos regularmente com o Fundo do Protetor. Nos comportamos como verdadeiro “ouro precioso”. Orzhova, a Igreja dos Negócios brilhava por causa de nossa devoção. As gárgulas a vigiavam porque nós contribuímos. O Demônio era mantido no subterrâneo porque o Pontífice Orzhov executava os Rituais de Supressão. Por que eu deveria temer – lá, no fim da corda e da minha vida carnal?

Eu lhe direi o porquê.

Morrer foi uma experiência muito diferente do que eu esperava. Não havia sensações, ou cerimônias, ou fanfarra de qualquer tipo. Foi como caminhar da sala para a cozinha – nada para se falar a respeito. Eu realmente me lembro, antes da mudança, de ver a mim mesma de cima. Eu não conseguia ouvir nada além do vento parado, mas meus olhos notaram os Rakdos, desfilando por aí com seus chapéus esfarrapados de mau gosto, prestando pouca atenção a mim. Então, logo antes de eu deixar esse mundo, vi o que pensei serem thrulls. Lá de cima eu podia vê-los. Esperando? Se escondendo?

Durante o início da minha vida após a morte, pensei pouco sobre minha visão dos thrulls. Eu ainda estava muito cega de orgulho para me importar com isso. Mas uma semente foi plantada. Uma pequena semente que cresceria em meu espírito e moldaria minha vida após a morte.

A Mudança

Quarteirão Fantasma | Arte de Heather Hudson

A mudança também não foi algo que eu esperava. Eu não estava em um palácio fantasma rico e maravilhoso, e não havia espíritos Orzhov lá para me mostrar o caminho até meus tataravós. O mundo era uma visão vacilante e coberta de neblina de uma cidade muito parecida com Ravnica. Eu me lembro de ouvir crianças de rua fazendo piadas e ameaças sobre um lugar chamado Agyrem. Uma cidade fantasma. Soava mundano demais para ser verdade – e nunca ninguém mencionava isso durante as convenções das massas ou de comércio. Minha mente girou e se enrolou em si mesma. Será que esse lugar era Agyrem? Se era, então por que os Orzhov não falavam sobre ele? Será que eu era indigna do palácio fantasma dos Patriarcas? Será que eu não tinha adotado uma conduta boa o suficiente durante minha vida ou na minha morte? Meu mundo estava de ponta-cabeça.

Por outro lado, a vida após a morte parecia supreendentemente similar à vida normal. Eu podia sentir emoções e sensações. Depois de tanto tempo passado sem me reunir com meus avós ou me encontrar com os Patriarcas, minhas emoções eram principalmente dor, perda e solidão. Eu era de novo só uma garota de 14 anos, com saudades da mamãe e do papai, com medo de ficar sozinha. Minha armadura de orgulho e fervor se desfez. Por que as coisas não eram como os Pontífices tinham dito? O que eu deveria fazer? Na maior parte do tempo eu só chorava. Ocasionalmente, encontrava outro espírito e fazia perguntas. Mas nem todos os espíritos são Orzhov, e cada um tem sua própria tristeza de que cuidar.

Eu estava confusa. Eu estava perdida. Mas não estava pronta ainda para me abrir e deixar que a semente em minha alma crescesse. Ainda havia muito para me desenvolver. Quatorze anos de palavras e do peso de Orzhova ainda me seguravam, mas o aperto estava afrouxando.

Conforme o tempo passou – não dá para ser muito específica sobre dias e anos porque eles não têm significado em meu novo mundo… Conforme ele passou, eu consegui reunir coragem para explorar essa nova Cidade Fantasma. Me vi compelida a buscar informação sobre aqueles que conheci em vida e, mais importante, sobre as circunstâncias da minha morte. Fiquei muito surpresa em descobrir quão dispostos os espíritos são a falar de suas vidas e daqueles que conheceram. Era uma forma, eu supus, de se agarrar ao passado. Também fiquei surpresa ao saber que alguns dos espíritos da Cidade Fantasma podiam se mover entre o mundo dos vivos e o mundo dos fantasmas. Esses espíritos não eram tão ávidos por conversar, embora carregassem as notícias mais relevantes. Foi um deles que me contou uma pequena história que não parecia importante para ele, mas pesou muito para mim.

Ele era um pedreiro que morrera quando uma Escavadeira do Inferno derrubara uma construção perto daquela em que ele trabalhava. Ele estava trabalhando em um contrato Orzhov para repavimentar a praça ao redor da “árvore do pranto”. “Era para ser um grande negócio,” ele me disse. Algo nesse assunto despertou meu interesse, então eu perguntava sobre ele com frequência. Descobri um pouco mais de um jovem Orzhov. Ele era uma alma esfarrapada e cansada. Deve ter permanecido no mundo fantasma por um tempo muito, muito longo.

Almas dos Inocentes | Arte de Pat Lee

Ele me disse que, depois do assassinato (o meu, eu estava começando a acreditar), um grande alvoroço se iniciou nas basílicas. O jovem não estava lá na época, mas algumas das almas que trabalharam com ele estavam. Ele e outros do tipo foram arrebanhados do mundo fantasma por agentes do Conselho e formaram um grupo de Almas dos Inocentes. Eles deveriam guardar a pequena praça ao redor da árvore onde os Rakdos tinham matado a garota. O sentimento anti-Rakdos estava exaltado. Era solicitado que as pessoas fizessem doações para a Campanha de Vingança da “Rusalka Martirizada”. Em pouco tempo ela estava cercada de ouro, e o garoto esfarrapado teve que afastar ladrões e bandidos gananciosos por semanas. Ele não viu nada além disso. O garoto foi esmagado por um Gruul “Pugilista do Clã Cicatriz” descontrolado que rompeu a linha de proteção para chegar à árvore. O jovem disse que sua prontidão foi substituída por piedade, e nesse momento ele foi esmagado. Eu me senti mal pelo garoto. Podia vê-lo com frequência parado perto do que poderia ser descrito como uma fonte. Não era água que jorrava dela, e sim o nada. Muitos se reuniam lá para observar e esquecer. Eu ia lá para encontrar pessoas, para buscar conhecimento. Eu não tentava esquecer.

Talvez eu devesse ter tentado. A visão do Thrull Exumador espreitando perto da minha forma moribunda começou a rastejar de volta à minha mente. Eu estava voltando a sentir de novo o orgulho do sol negro quando as visões começaram a alimentar a semente em minha alma. Uma Campanha de Vingança fora criada para mim. Uma praça construída. O local da minha morte nomeado e transformado em monumento. Mas a semente cresceu, e também cresceu a compulsão por saber mais. Não questionei essa compulsão… parecia tão natural. Eu tinha certeza de que ela tinha algo a ver com meu futuro. Talvez fosse o teste pelo qual eu tinha que passar para ganhar acesso ao palácio dos Patriarcas.

Mas o que eu achei ao continuar procurando, após um período de 125 anos, não foi a chave para o Palácio Fantasma. Foi a prova de uma vida ludibriada.

A Verdade

No final eu encontraria meu pai de novo. Nenhum de nós dois nunca encontraria a mamãe. Papai tinha muito a dizer entre os chamados do Agouro dos Devedores. Podem ter se passado anos entre nossos encontros, mas nós conseguimos juntar as peças de uma história que era difícil para ambos aceitarem.

A praça ao redor da Árvore do Pranto nunca foi concluída. As edificações próximas foram demolidas e reconstruídas como frentes de lojas e habitações caras com vista para a praça. Assim que as lojas e casas foram vendidas, o trabalho de construção na praça foi parado. O ouro que fora recolhido durante todo aquele tempo financiou uma Campanha de Vingança que supostamente deveria “destruir os Rakdos para sempre”, mas gerou apenas um processo contra alguns moleques de rua que muitos acham que nem estavam lá. Depois de algum tempo, os moradores locais esqueceram que a árvore fora o local de uma grande injustiça. Alguns continuaram jogando moedas aos seus pés, como crianças em um poço dos desejos. Assim que a vida voltou ao normal, permitiu-se que a Campanha de Vingança desaparecesse das mentes dos Orzhov. Os pontífices não deram discursos enfurecidos sobre os Rakdos – eles começaram uma cruzada contra os “Golgari Profanos – fazendeiros da morte, que privavam as almas das maravilhas do Palácio Fantasma.” Nesse meio tempo, em algum lugar, alguns funcionários dos Orzhov tentavam contar os montes de moedas empilhadas em uma câmara secreta.

Pontífice Orzhov | Arte de Adam Rex

Montanhas de moedas. “Nós somos o ouro precioso. Com cada um de nós, Orzhova foi banhada em ouro. Com cada um de nós, ela reluz mais brilhante.” Nunca nos ocorreu que essas palavras não eram apenas simbólicas. Nós somos o ouro precioso, ou ao menos a fonte dele! Quão descarados eles são, quão mentirosos. É nossa vergonha termos acreditado neles. É nossa vergonha termos pensado que todo aquele poder, toda aquela riqueza, eram usados apenas por nós, e não contra nós. Será que estávamos cegos demais pelo hábito para notar que apenas algumas Teysas, Herdeiras de Orzhov tinham cofres transbordando, enquanto todos os nossos se esvaziavam? Será que estávamos cegos demais de orgulho para pensar que os criadores de contratos que vinculavam tantos ravnicanos ao serviço dos Orzhov poderiam ter feito o mesmo a nós? Infelizmente, algumas pessoas precisam morrer para perceber isso. Nessa hora, essa alma é uma notícia velha – como a Árvore do Pranto. Essa alma já não pode colocar moedas no prato do hostiário. Essa alma é esquecida.

A Reviravolta

Mas o destino tem um senso de ironia. Quando as mentes manipuladoras se juntaram para elaborar o plano para levantar alguns “fundos de mártir”, elas garantiram que seus contratos estivessem em ordem. As famílias certas receberiam as quantias certas. As empresas apropriadas seriam envolvidas nas demolições, construção e propaganda. Canais secretos seriam usados para negociar com os Rakdos, e os fundos devidos se moveriam por esses mesmos canais (que se mostraram “secretos” o suficiente para desaparecerem depois do ataque). Todas as possíveis contingências foram consideradas nos documentos mágicos preparados pelas famílias governantes – todas as possíveis contingências menos uma.

Conselho Fantasma de Orzhova | Arte de Greg Staples

A parte do contrato que tratava da minha alma foi anulada no momento em que eu vi os thrulls. O próprio orgulho da maga de lei não lhe permitiu enxergar através da minha completa devoção à guilda Orzhov. O contrato demandava uma mulher, seguidora devota, entre 12 e 15 anos. Ele detalhava quais parentes espíritos da família controlariam minha alma na vida após a morte, e quais seriam os termos do meu serviço. Mas o contrato da minha vida após a morte foi quebrado antes mesmo de começar.

Quando eu vi os thrulls esperando lá, me assistindo morrer, algo nas profundezas do meu ser sabia que aquilo não estava certo. Os thrulls Orzhov não pensam – eles seguem ordens. Meu subconsciente sabia que eles eram parte do plano, mas meu orgulho me impediu de reconhecer isso. Naquele momento, eu não era mais Orzhov (pela estrita definição do contrato pela minha alma). Eu tinha me tornado algo totalmente diferente. Uma força mais elementar do que o Pacto das Guildas se instalou em mim. Eu era uma Rusalka – o espírito de uma jovem inocente morta injustamente. É da natureza de uma Rusalka Ardente procurar pistas da verdade sobre sua morte. Por mim, apenas isso teria sido ironia suficiente, mas o destino não fica satisfeito facilmente.

O Começo

Lá, na ponta de uma corda, minha vida após a morte deu uma reviravolta. Depois de 125 anos de existência sob a sombra das mentiras, eu finalmente tinha a verdade. E paz. Mas o destino ainda não tinha terminado de sorrir. Uma vez mais, eu estava na ponta de uma corda, e as coisas estavam prestes a mudar, mas dessa vez eu mantive os olhos abertos. Não rechacei a realidade com sonhos de anjos e riquezas. O que eu vi era ainda mais estranho do que qualquer sonho. O céu estava se agitando sobre mim. Eu ouvi gritos distantes lá embaixo. Meus olhos seguiram a corda amarrada ao meu tórax por todo o caminho até seu ponto de ancoragem – uma montanha viva de rocha. Sobre ela, pairava uma enorme cabeça de pedra. Sem olhos. Era horrível, mas eu não tive medo… eu já estava morta. Então olhei para baixo e vi uma cena que era ainda mais estranha do que a coisa enorme na qual eu estava amarrada. Ravnica. Os mortos não sonham. Eles nem mesmo dormem. Como eu podia estar vendo aquilo?

Não importa.

A coisa gigante de pedra se ajoelhou. A corda se soltou dela, e então de mim. Eu estava em casa de novo. Viva.

As covinhas do destino se formaram nos cantos de um largo sorriso. Ele sabia que eu não cairia de volta na mesma vida que tinha antes. Ele sabia que eu viria aqui contar minha história, e roubar o “ouro precioso” da Igreja dos Negócios.

Nefilim Exuma-Passado | Arte de Jeremy Jarvis

Traduzido por Alysteran

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