Mtg Lore
Compêndio da Lore de Magic the Gathering
O MENTOR
Texto original
por Reinhardt Suarez
Cinco minutos em seu primeiro encontro com Asterion, Quintorius decidiu que já tinha ouvido o suficiente de seu mentor espiritual. Esta não era uma revelação confortável, nem algo com que ele estivesse preparado para lidar. Ele tinha a impressão de que um profundo relacionamento mentor-pupilo seria a chave para uma experiência bem-sucedida em Strixhaven. Afinal, quantas vezes o pobre filho de um pastor teve a chance de falar com uma personagem de renome histórico sobre acontecimentos importantes vividos em primeira mão?
Então, quando Quint finalmente descobriu quem seria seu mentor, ele correu para a Ala das Efígies – indiscutivelmente a seção mais importante da Faculdade Sapioforte. Durante todo o primeiro ano e meio de seus estudos, Quint adquiriu o hábito de percorrer os caminhos de pedra da Ala das Efígies, parando para se maravilhar com as estátuas de professores reverenciados, ex-alunos proeminentes e heróis lendários de eras passadas. Imagine ter um deles como mentor! Que tipo de história ele poderia aprender com Golwanda, o Derramador de Sangue e Xandril, o Carrasco? Em vida, esses dois senhores da guerra tinham sido inimigos ferrenhos: Golwanda com seus Cavaleiros do Trovão, uma cavalaria orc destemida que uniu os povos das estepes sob o selo do Gládio Carmesim; e Xandril, o herói de guerra kor que reuniu os feudos áridos do Território das Hordas. Suas forças entraram em confronto em campos de batalha encharcados de sangue três mil anos antes de qualquer aluno de Strixhaven nascer. No entanto, lá estavam eles nos dias atuais, esperando para legar séculos de sabedoria a algum estudante sortudo.
Quint nunca se considerou muito sortudo. Ainda assim, quando ele conjurou o espírito do seu mentor em sua estátua pela primeira vez, nem mesmo ele poderia ter previsto que a maior parte da conversa inicial seria sobre biscoitos. Mas foi. Extensivamente. Com geleia de amora e creme de leite. A segunda e a terceira sessões não foram diferentes, com os tópicos alternando entre a implementação eficiente do cinto e a higiene adequada para certas raças de cães – os pequenos mais frequentemente encontrados nas bolsas de mulheres nobres e possuindo um grau incomum de mal humor que contradizia com sua estatura. Não foi surpresa que o entusiasmo de Quint por seu projeto de fim de semestre tivesse mais ou menos acabado no caminho para a quarta sessão.
Infelizmente, uma nota era uma nota, e notas altas eram importantes para alunos bolsistas. Quint tinha pensado em abordar o Decano Plargg sobre uma mudança de mentor, mas ele sabia que era uma causa perdida. Foi ideia de Plargg reunir alunos com estátuas recém-escavadas. “Os alunos da Sapioforte deveriam querer ser a vanguarda da história!” Além disso, Plargg não via muito bem os alunos que considerava “desistentes”.
Com um suspiro, Quint olhou para a estátua de seu mentor. Ela retratava um jovem vestido no que teria sido a melhor armadura de placas que um ferreiro poderia fazer e ostentando o semblante resoluto de um estrategista astuto. Ele estava com a mão no punho da espada, pronto para atacar seus inimigos. Qualquer pessoa que passasse por ele, não teria como não pensar que Asterion era um cavaleiro-comandante feroz.
Essa pessoa estaria errada.
Erguendo as mãos à sua frente, Quint desenhou no ar os símbolos sagrados da “Animação”. Este era o feitiço mais importante da Sapioforte, a base para qualquer compreensão construtiva da arqueomancia. Os símbolos eram um foco para a mente, permitindo ao lançador projetar sua vontade para trás ao longo das correntes do tempo girando constantemente em torno de Arcávios. Uma vez em sintonia com essas correntes, o arqueomante simplesmente tinha que descobrir um nome, rosto ou evento, agarrar-se a ele e trazê-lo para o presente.
Melhor acabar logo com isso, disse a si mesmo. Quanto antes eu terminar este trabalho, melhor.
O estômago de Quint se contraiu e se contorceu quando ele alcançou o crescendo do feitiço – uma explosão brilhante de uma chama sem calor engolfou a estátua, enchendo as rachaduras na pedra com incandescência dourada. Não importava quantas vezes Quint executasse esse feitiço, era sempre acompanhado por uma sensação não muito diferente de beber leite de ovelha depois de comer um pouco de melão da pradaria, embora ele tivesse que se perguntar se seu atual enjoo poderia ser atribuído à perspectiva de se encontrar novamente com seu mentor.
“Quint, meu querido loxodonte!” disse Asterion, descendo de seu pedestal. “Eu estive pensando sobre sua pergunta desde nossa última discussão, e minha resposta é que eu adoraria absolutamente.”
Quint tirou um diário de sua mochila e folheou suas anotações. A última coisa que ele escreveu foram as ruminações de Asterion sobre os prós e os contras do uso do guarda-sol. “Eu não sei do que você está falando.”
“Eu adoraria acompanhá-lo em uma grande excursão por seu belo campus!” Asterion apontou para o caminho em direção à imponente torre do Salão Kollema. Dezenas de alunos do segundo ano, alguns Quint conhecia tangencialmente, estavam ocupados fazendo a mesma coisa que ele, apenas com figuras históricas mais significativas. “Eu pensei que você nunca fosse pedir.”
“Não pedi,” disse Quint, sentando-se no chão. “Que tal apenas conversarmos?”
“Cada vez que nos encontramos, não fazemos nada além de conversar. Certamente, isso não é tudo que seu trabalho envolve. Que tal nos conhecermos?”
“Acho que nos conhecemos muito bem,” disse Quint. Ele pressionou uma caneta na página do diário.
Asterion começou a andar. “Muito bem. Suponho que você queira saber sobre minha vida, onde morei, minha genealogia, então?”
“Na verdade, eu já tenho todas essas informações.”
“Você… já tem?”
“A escola tem registros extensos. Depois de nosso último encontro, achei que nos pouparia o trabalho de lembrar esses detalhes.” Quint voltou algumas páginas para os resumos que escrevera no dia anterior, depois de vasculhar o Registro de Contas no Salão Kollema. Estava claro pela poeira e pelo estado relativamente bom dos pergaminhos pertencentes a Asterion e sua família que ele tinha sido a única pessoa em várias centenas de anos a olhar para eles. “Seu pai foi o Lorde Teutamos da Fenda Pallad, uma província nas Terravastas centrais. Sua mãe foi Lady Crethea.”
“Olha só você! O aluno fazendo a lição de casa.”
“Você teve dois primos de primeiro grau por parte de mãe, Pasiphaë e Deianira.”
“Eu nunca gostei daqueles dois. Muito mimados.”
“E por parte de pai, apenas um primo, Achelous. O pai dele, seu tio Arboron, foi um general bastante conhecido, anteriormente a serviço do último monarca jetelotiano. Ele também era chamado de ‘A Besta’.”
“Mais por causa do seu cheiro do que de sua habilidade de luta.” Asterion parou de andar e cruzou os braços na frente de Quint. “Já que você sabe tanto, não consigo entender o que mais você quer me perguntar.”
“Sobre o fim.”
“Ah.”
“Uma série de relatórios indica que você foi visto pela última vez deixando o territorio da escola em direção ao Pilarcipício. Um mês depois, um grupo de busca chegou, mas uma semana de investigação não encontrou nada. Sua mãe encomendou um monumento a ser erguido próximo à entrada de uma caverna. É onde a estátua foi encontrada há dois meses.” Quint ergueu os olhos da página. “Isso está de acordo com o que você lembra?”
“Não vejo por que minhas memórias são importantes. Você já tem seus arquivos.”
“A precisão nos relatos históricos é extremamente importante.”
“Ah. Eu imagino que também contribuiria positivamente para a sua nota final?”
“Eu… sim.”
“Você acreditaria em mim se eu dissesse que não consigo me lembrar? Lembro-me até certo ponto, e então… some. Fragmentos, como borrões iluminados pela chama de uma tocha.”
Quint fechou seu diário e colocou-o de volta na mochila. “Então, suponho que seja isso. Acho que tenho o que preciso de você. Obrigado por sua paciência.”
“Espere!” disse Asterion. “Você pode me levar a este lugar – onde a estátua foi encontrada?”
Quint se levantou e balançou a cabeça enquanto colocava a mochila nas costas. “Estátuas espirituais não podem deixar a Ala das Efígies.”
“Quem disse?”
“As regras. Nada de estátuas fora da Ala das Efígies sem a permissão de um decano da Sapioforte.”
“Eu me lembro das regras. Elas existiam na minha época, e você sabe quem as seguia? Covardes e tolos.”
Quint olhou furioso para seu mentor. “É importante seguir as regras.”
“Então qual é o sentido de me trazer aqui? Para me provocar com todas as possibilidades e depois dizer ‘não é permitido’ ou ‘não é possível’?” Alguns alunos sorriram enquanto passavam.
“Se eu for pego, perco meu emprego, talvez até seja expulso da escola.”
“Trabalho,” disse Asterion, achando graça. “O que é que você faz neste trabalho?”
“Eu ajudo uma equipe de pesquisadores em um sítio de escavação. Ajuda a pagar as mensalidades.”
“Hmm. Eu respeito isso. Conte-me mais sobre este sítio de escavação.”
“Se você quer saber, é a caverna onde encontraram sua estátua enterrada sob um deslizamento de pedra antiga. Temos quase certeza de que encontraremos evidências de que esta escola foi construída no topo da antiga cidade de Moragitzu-Kesh.”
O rosto de Asterion se torceu em uma careta, e um segundo depois, ele estava estendido no chão rindo histericamente. “Você acha que Moragitzu-Kesh está em algum lugar a cem léguas deste lugar? Você está louco?”
“Não sou só eu. Muitos especialistas pensam a mesma coisa.”
Asterion riu mais forte. “Especialistas? Parecem mais como vigaristas.”
Quint olhou para seu mentor. Ele não era o melhor em ler rostos, mas mesmo o mais excepcional mago mental teria dificuldade em examinar o semblante de pedra de uma estátua espiritual. “Você não sabe do que está falando.”
“Eu sei o suficiente para não confundir Zantafar com Moragitzu-Kesh. Você já ouviu falar de Zantafar, não é? Desça os degraus, ó peregrino, ó andarilho?”
Claro que Quint sabia sobre Zantafar. Todos os loxodontes de Arcávios conheciam a história da famosa cidade perdida. Pobres crianças nômades contavam umas às outras as versões de suas famílias da história em torno de fogueiras noturnas. Caçadores de tesouros de todas as convicções procuravam a cidade por causa de suas promessas de fortuna e glória. Não foi surpresa para Quint que Asterion soubesse da existência de Zantafar. O que o fez hesitar foi o verso da poesia que seu mentor recitou.
“Como você conhece o Cântico de Jed?” perguntou Quint. Sua autoria é frequentemente atribuída a Xyrun-Jed, o último imperador loxodonte, o Cântico de Jed persistiu através dos tempos como uma prece em tempos de angústia, uma meditação para os loxodontes em circunstâncias extremas.
“Um pequeno loxodonte me disse,” Asterion disse com um sorriso. “Bem, ele era muito grande – Vis Svokunol, meu cuidador durante a infância. Eu conheço muitas das histórias – incluindo a da sua cidade perdida. O que você acha que eu estava fazendo aqui há tanto tempo? Ninguém se aventura em cavernas abandonadas por motivos de saúde. Provavelmente o oposto, na verdade.”
“Zantafar? No Pilarcipício?”
“Sim, meu amigo de probóscide-preênsil. Há uma cidade perdida para descobrir. E você é o loxodonte que a descobrirá. Pense nisso como sua responsabilidade.”
Enquanto os alunos que ajudavam os pesquisadores na escavação voltavam para casa à noite, os próprios pesquisadores ficavam no local em um pequeno acampamento a poucos metros da entrada da caverna. Isso permitia que eles continuassem seus esforços para limpar e identificar artefatos, bem como deliberar sobre a importância das descobertas, o que promovia camaradagem e garantia que o conhecimento fosse devidamente disseminado entre os especialistas responsáveis por documentar descobertas significativas para os repositórios Sapioforte.
Felizmente para Quint e seu companheiro não autorizado, essa escavação não era a que eles tinham começado a explorar. Infelizmente, eles teriam que passar pelo acampamento a caminho de seu destino. Eles assistiram por trás de um afloramento enquanto o acampamento fervilhava de atividade. Quint avistou o professor Hofri Forjafantasma, o líder do projeto, se aquecendo perto do fogo e olhando para a extensão do céu salpicado de estrelas enquanto trançava a barba.
“Ha!” disse Asterion. “Os idiotas não vão encontrar nada naquele buraco.”
“Eles não são idiotas,” disse Quint. “É onde eles encontraram você – bem, sua estátua – sob várias toneladas de pedra.”
“Minha mãe nunca foi boa em geografia. Além disso, estive naquela caverna e garanto que não há mais nada de interessante nela.”
“Isso foi há seiscentos anos.”
“Isso prova meu ponto. Claro, você encontrará alguns cacos de cerâmica, uma arma enferrujada ou duas, provavelmente deixados por viajantes como uma piada para fanfarrões como seus professores.” Ele apontou para uma área escura fora da luz do fogo e próximo a uma parede de penhasco. “Podemos nos esconder no mato e dar a volta por cima.”
Quint questionou-se pela terceira vez, já tendo se questionado a caminho do Pilarcipício. Apesar do escárnio de Asterion, as regras de Strixhaven eram claras, como todas as boas regras são. Se fosse pego roubando Asterion do campus, ele estaria em uma posição semelhante à de dois anos atrás, quando o Comandante Huerty Kostambul da Academia Militar de Rundlestrom aplicou todas as ameaças que ele poderia pensar à saúde física de Quint, à saúde de sua família, à honra de seu pai, e às incontáveis gerações de loxodontes que emanariam de sua linhagem.
“Como um nanico insignificante como você superou três dos meus melhores cadetes?” Kostambul gritou atrás de uma mesa repleta de todos os tipos de armas afiadas. Por sua vez, Quint ficou em silêncio. Nada que ele disse naquela sala, para aquele indivíduo – apesar de ser um companheiro loxodonte – o teria salvado. A verdade era que Quint não tinha esperança de se defender dos três brutamontes que decidiram que era o dia dele de ser enganado – nenhuma esperança física, pelo menos. Felizmente, ele sempre soube que podia fazer as coisas se moverem, girarem e virarem, cairem de repente em momentos oportunos. Em casa, ele havia usado esses dons mágicos para impedir que ovelhas fugitivas se afastassem muito do rebanho. Uma vez, ele evitou que seu pai caísse em um poço, fazendo com que a tampa se fechasse. Era uma questão bastante simples estender a mão e derrubar um estandarte da parede na cabeça de um atacante, de repente desamarrar os cadarços das botas de outro e fazer com que o último tropeçasse, caísse e quebrasse o braço. Ele gostava de pensar nisso como uma extensão de sua própria falta de jeito aos outros. Os talentos de Quint (e sua magnanimidade) não o tornaram querido por seus instrutores.
Expulso, dizia o pedaço de papel que lhe foi dado antes de ser expulso.
“Quint, você está pronto?” Asterion perguntou.
“E se formos pegos?” Quint não pôde evitar imaginar os rostos de seus pais se voltasse para casa envergonhado… novamente. Da última vez, isso lhes custou uma armadura e armas inúteis. Desta vez, sem dúvida seria pior. Eles perderiam qualquer impressão de que Quint tinha um destino maior do que pastorear ovelhas.
“Não pense assim,” disse Asterion. “A vida é risco! Vamos!”
Asterion liderou o caminho e Quint não teve escolha a não ser segui-lo. Eles se esconderam nas sombras e lentamente caminharam ao redor do acampamento. Quando chegaram à metade do caminho para a trilha que descia e contornava um penhasco mais baixo, o dedo do pé de Quint prendeu em uma raiz que se projetava do solo. Antes que ele pudesse agarrar um galho, ele tropeçou para frente e bateu no chão. Pior foi sua mochila, que se abriu, espalhando seus papéis e ferramentas no terreno rochoso.
“Quem está aí?” uma voz gritou do grupo amontoado ao redor do fogo.
Quint fez uma careta. Qual foi aquele comentário sobre seu relatório de expulsão? Ah, sim: Quintorius Kand tem a coordenação de uma besta de matilha idosa, cega dos dois olhos e repleta de varíola. Embora ele não tivesse dito de maneira tão severa, Quint teve que admitir que não era exatamente rápido, mesmo para um loxodonte. Ele olhou para onde Asterion estava, apenas para descobrir que ele havia sumido. Virando a cabeça, ele avistou um membro da equipe de pesquisa se aproximando de sua localização, com a tocha erguida. Quando se levantou, Quint viu que era o próprio Professor Forjafantasma.
“Quintorius?” ele disse, segurando sua tocha para cima. “Por que você não voltou ao campus?”
Pensando rápido, Quint ajoelhou-se e começou a jogar desordenadamente seus pertences de volta na mochila. “Hã, sim… Eu deveria estar no campus, senhor.”
“Explique-se.” Seu professor o olhou de uma forma que deixou Quint desconfortável. Hofri foi aclamado em Strixhaven por despertar o espírito dos mortos, mesmo sem um foco material como uma estátua. De que outra forma ele poderia conseguir isso sem ter uma visão aguçada dos outros – incluindo saber quando as pessoas estavam se esquivando desajeitadamente de perguntas diretas?
“Eu, hã, esqueci algumas ferramentas no sítio.”
Hofri olhou para baixo e remexeu na confusão de palhetas e pincéis que Quint estava enfiando em sua mochila. “Você quer dizer isso?”
“Não… meu outro conjunto. O bom. Não que eu ache que alguém fosse roubar-”
“Por que você não se junta a nós perto do fogo?” disse Hofri. “Fique um pouco, tome um chá. Depois, você pode pegar seu kit de ferramentas e voltar para casa.”
Quint abriu a boca para recusar, mas então reconsiderou. Uma noite tranquila com alguns dos sábios mais eruditos de Strixhaven? A maioria dos alunos mataria (ou, pelo menos, mutilaria gravemente) para ter esse tipo de oportunidade. Esses professores eram praticantes ativos, não como os generais gordos aposentados de Rundlestrom treinando cadetes em manobras no campo de batalha que eles próprios não executavam há décadas. Ter algum tempo com eles fora de uma posição oficial era raro e valioso. Ele queria aceitar, aprender como era ser um arqueomante de sucesso, uma pessoa de sucesso no mundo.
Por outro lado, se houvesse a possibilidade de Zantafar estar bem debaixo de seus pés, Quint queria ser aquela que a encontraria. Ele pensou na maneira que Kostambul o dispensou e então imaginou seu rosto se descobrisse que Quintorius Kand era o responsável por devolver Zantafar ao povo loxodonte. Ele pensou no orgulho que sua mãe e seu pai sentiriam, como os outros reverenciariam sua família.
Era isso é o que ele queria.
“Eu deveria estar de volta,” disse Quint. “Eu aprecio-”
“Não é sobre suas ferramentas, não é?” disse Hofri. “Como vão as coisas com o seu mentor? Ainda uma decepção?”
“Bem, você sabe…”
“Você se lembra da Siulogma, certo?” Siulogma de Valdrasheen não era um nome que qualquer aluno da Sapioforte pudesse esquecer. Em vida, ela foi uma estudiosa célebre responsável por algumas das histórias iluminadas mais reverenciadas, incluindo Icor e Ferro: Diálogos da Idade do Sangue (um texto obrigatório no curso do Decano Plargg sobre táticas militares). Após sua morte, ela era, entre outras coisas, a mentora designada de Hofri quando ele era um jovem estudante da Sapioforte recém-transferido da Faculdade Prismari. “Nunca estivemos de acordo. O que ela disse sobre mim? Ah, sim. ‘Fui informada de que você tinha experiência artística! Mas o que consegui foi um estúpido desesperançado que desmerece toda a busca pela criatividade! Não desejo nada além de má sorte para você e seus parentes distantes.’ Tudo isso porque eu não conseguia diferenciar malva da turquesa.”
“Essas são cores muito diferentes.”
“De fato,” disse Hofri, sorrindo. “Você ficará bem em voltar para o campus?”
“Eu penso que sim.”
“Você sabe que pode falar comigo a qualquer hora. Muitos pensam que estão sozinhos. Eu pensava.”
“Eu vou,” disse Quint. “Eu ficarei bem.”
Hofri acenou com a cabeça e voltou em direção ao fogo. Se Quint tivesse algum mentor convencional na Strixhaven, Hofri teria sido ele. Como era possível que alguém não muito mais velho que Quint tivesse mais sabedoria do que um espírito que existia por centenas de anos? Quint terminou de recolher seus pertences, apenas para se virar e ver Asterion acenando com a mão por trás de um pedaço de arbustos. Ele correu de volta para a escuridão, onde seu mentor estava agachado no chão.
“Falando habilmente, Quint,” disse Asterion. “Agora, para coisas maiores e melhores, hein?”
“Coisas maiores e melhores,” repetiu Quint.
A caverna para a qual Asterion levou Quint não tinha nenhuma marca de localização notável. Não havia sinais – pelo menos no início – de uma cidade, perdida, encontrada ou simplesmente deslocada, nem havia qualquer indicação de que a caverna em si era qualquer coisa, exceto uma formação natural. No caminho para lá, ele e Asterion contornaram alguns poços irregulares que Quint supôs serem antigas pedreiras de onde a pedra destinada a Strixhaven fora extraída.
“Chegamos,” disse Asterion, que liderou o caminho segurando a tocha sempre acesa de Quint. O chão da caverna tinha uma inclinação suave, mas não uniforme; em vez disso, o solo descia como um conjunto de degraus naturais até se achatar em uma grande câmara com uma única coluna de pedra no centro e nenhuma outra saída. Asterion caminhou ao redor da coluna, segurando a tocha perto da rocha para inspecioná-la enquanto Quint estava ao lado com os braços cruzados. “Lembro-me claramente desta formação.”
“E depois?”
Asterion colocou a mão na superfície da coluna e olhou para ela, como se só então tivesse percebido que seu corpo não era carne e sangue, mas pedra fria. “E então” – ele se endireitou e tirou a mão da coluna – “vamos descobrir juntos, não é?”
Juntos, eles inspecionaram a câmara em busca de qualquer sinal ou selo, qualquer ligeiro vestígio de algo fora do comum. “Algo não faz sentido,” ele disse.
Asterion ergueu os olhos ao analisar a base da coluna de pedra. “Como o quê?”
“Ninguém encontrou esta caverna entre quando você estava aqui e agora? Milhares de pessoas estiveram em Pilarcipício ao longo dos séculos. Sua descoberta deveria ter sido inevitável.”
“Possível não é o mesmo que inevitável, Quint.”
“Mas ao longo desse tempo—”
Quint largou a mochila e vasculhou até tirar um pergaminho cor de bronze, que desenrolou no chão. Asterion se aproximou e se abaixou, segurando o fogo silencioso da tocha perto do papel.
“Em branco,” disse Asterion. “Bastante anticlimático, você não acha?”
“É mágico,” disse Quint, irritado tanto com a teimosia de Asterion quanto com sua percepção do óbvio. Tanto a pesquisa quanto as operações militares tinham o mesmo primeiro princípio – saiba o que você sabe antes de procurar o que você não sabe. Ele imaginou o comandante Kostambul rindo de sua tolice por não contabilizar seus recursos até aquele momento.
Ele pairou suas mãos sobre o papel e sussurrou, “Radiancia, lembrança.” Um único ponto de energia dourada flamejou para cima a partir da página. A partir daí, vários raios se espalharam como linhas controladas de eletricidade desenhadas por um cartógrafo invisível mapeando toda a paisagem de Pilarcipício. Quint apontou para um local próximo a um marcador da entrada da caverna. “É aqui que fica o sítio de escavação.” Então ele traçou seu dedo ao longo de um caminho que passava pelo acampamento – aquele que ele e Asterion provavelmente seguiram – observando as pedreiras e o leito do rio. “E aqui estamos nós,” ele disse, batendo em outro marcador no extremo norte do cume.
“Não vejo como isso muda as coisas.”
“Estes são marcos mapeados por outros exploradores no passado de Strixhaven,” disse Quint. “Outros estiveram aqui.”
“Este é o lugar, Quint.”
“Então não sei o que dizer,” disse Quint, enrolando o pergaminho e sentando-se com as costas apoiadas na fria parede de pedra. “Não há nada.”
Asterion sentou-se ao lado de Quint. Nenhum dos dois falou. Os pensamentos correram pela cabeça de Quint. Por que acreditara em Asterion sem nenhuma evidência? Por que ele não usou o mapa quando eles estavam no campus para provar que ele estava errado? O que o levou a mentir para o único professor que mostrou a ele qualquer tipo de empatia?
Ele voltou sua raiva para seu mentor. “Você tinha tanta certeza!” ele gritou, sua voz ecoando pela caverna. “Isso foi uma perda de tempo, e você… você é…”
Asterion deu um tapinha no joelho de Quint. “Acredito que o termo exato seja ‘uma decepção’”. Ele sorriu quando a expressão de Quint mudou de raiva para surpresa e culpa. “Em vida, eu era parcialmente surdo do ouvido esquerdo. Isso me treinou para ser muito atencioso.”
Quint não percebeu que seu mentor tinha ouvido sua conversa com Hofri. “Por que você não disse nada no local da escavação?”
“Eu esperava provar que você estava errado,” disse Asterion. “Fui uma decepção, não fui? Aqui está você, buscando a orientação de um ancião, e tudo o que consegue é um bufão falando alto sobre a coalhada de limão e suas histórias infladas sobre conquistas românticas.”
“Infladas?”
“Algumas, não todas,” ele disse. “Mas você deve acreditar que Zantafar é algo que não estou exagerando. Essa é a verdade.”
“Não acredito que você esteja mentindo,” disse Quint. “Só acho que você está enganado.”
“Vis não estava enganado,” disse Asterion com uma gravidade silenciosa.
“Você devia ser próximo dele.”
Um ser humano amigo íntimo de um loxodonte não era nada notável nos dias de hoje. Quint só tinha que andar pelo campus para ver vampiros, kors e goblins engajados no dia a dia juntos. Mas no tempo de Asterion, um nobre como ele fazer amizade com um veterano loxodonte grisalho das guerras não era uma coisa comum. Sua reputação só tinha a perder por se associar a um caipira rústico que não conseguia entender as nuances da sociedade mais refinada – pelo menos é assim que os contemporâneos de Asterion teriam percebido. Essa amizade foi uma explosão silenciosa, que forneceu a base para Strixhaven se tornar um refúgio para todos.
“Vis era um bom homem,” Asterion começou. “Mas todo mundo tem um passado. Alguns celebram os seus. Outros fogem. Vis cuidou de mim até que assumi as funções senhoriais de meu pai, quando ele ficou muito doente para viajar. Visitei cidades, administrei conselhos de aldeias. Esse tipo de coisa. Eu não era muito adequado para isso. Digamos apenas que na época era difícil para mim ter empatia por aqueles que tinham tão pouco. Mas eu fiz minha parte porque tinha que fazer. Um dia, quando eu estava em um vilarejo na fronteira, recebi um comunicado de minha mãe dizendo que Vis havia sido preso.”
“Preso por quê?”
“Um mercador viajando por Tarangrad identificou Vis como um infame mercenário loxodonte conhecido em línguas humanas como ‘o Açougueiro’. Supostamente, ele incendiou aldeias em nome do Império kathorrano, depois deu meia-volta e fez o mesmo com seus vários inimigos. Quando cheguei a Tarangrad, era tarde demais. Vis havia sido colocado em uma paliçada na praça da cidade. Por três dias inteiros, eles o deixaram despido e humilhado. Sem comida, sem água. As pessoas viviam suas vidas, ignorando seus gritos. Conversavam com os amigos, compravam mercadorias no mercado central, meditavam sobre o tempo enquanto ele ficava lentamente cada vez mais quieto, até que ele ficou em silêncio. Depois, seu corpo foi despejado em um túmulo de mendigo indigente.”
“Por que seu pai não interveio?”
“Ele interveio. O povo da cidade exigia que um velho manco cumprisse seus nobres deveres e pronunciasse uma sentença. Longe de um homem do povo se recusar, certo? Quando o confrontei, ele não me deu uma resposta quanto a por que ele condenou Vis à morte – apenas que ele estava sujeito à lei. ‘Estas são as regras’, ele insistiu.”
Histórias como esta não chegaram a grandes épicos históricos – nobres menores e armas de aluguel existiam desde quando as pessoas começaram a disputar o poder. A maioria nunca garantiu uma entrada na enciclopédia de um historiador. Certamente alguém como Siulogma não desperdiçaria tinta escrevendo os nomes de Asterion ou de sua família, muito menos um servo que foi posto no pelourinho. Os alunos do Lorehold não aprenderiam sobre a história de Asterion em qualquer aula que fizessem, não importa o quão avançado.
“Não sei se Vis fez essas coisas,” disse Asterion. “Eu gosto de acreditar que ele não fez. Mas mesmo que acreditasse, ele merecia ser ouvido em vez de um julgamento sumário. Quando as regras são injustas, Quint, elas nos transformam em tiranos. Eu saí daquele dia para nunca mais voltar. De uma forma ou de outra, eu compensaria o crime de meu pai. Encontrar Zantafar em nome de Vis parecia um bom primeiro passo.”
Quint se levantou e estendeu a mão para seu mentor. “Talvez estejamos negligenciando algo.”
Asterion pegou a mão de Quint e se levantou. “Você acredita em mim?”
“Acredito nessa possibilidade,” disse Quint, incapaz de evitar que um sorriso se espalhasse por seu rosto. “E chegamos até aqui, então por que não ter certeza de que verificamos tudo?”
“Esse é o espírito! Então, por onde começamos?”
“A lenda,” começou Quint. “A maioria das versões começa com uma descrição da cidade.”
“É assim que eu me lembro.”
“E então a queda. Às vezes os elfos são os culpados, outras vezes os trolls ou anões.”
“Correto. Sempre uma traição,” disse Asterion. “Testemunhando a destruição de seu povo, Xyrun-Jed decidiu que preferia ver a cidade cair do que ser saqueada e tomada.”
“Alguns disseram que os deuses da antiguidade causaram um grande terremoto fora da justiça. Outros contadores falam de um exército espectral de ancestrais loxodontes puxando a cidade para o abismo. E ainda outros conjeturaram que o próprio Jed era um mago secreto e usou sua magia para selar a cidade em um reino onde seus inimigos não podiam entrar e reivindicar seus segredos. O resultado final foi o mesmo, não importa o que aconteceu: os loxodontes se espalharam até os cantos das Terravastas, para nunca mais se reunirem até que a cidade de Zantafar não estivesse mais perdida.”
“E então o Cântico de Jed.”
“Não,” disse Quint. “Refere-se a Zantafar, mas não faz parte da lenda.”
“Vis sempre incluía isso quando contava a história,” disse Asterion. “Ele diria que era a parte mais importante – o cerne da questão. Isso é o que seu pai disse a ele e a seu pai antes disso.”
“O que aconteceria…” – uma ideia invadiu a mente de Quint que era tão absurda que tinha o tom da verdade – “se Zantafar tivesse sido engolida por um cataclismo ou por uma maldição de espíritos antigos, ela estaria realmente perdido para sempre. No entanto, se Zantafar estivesse escondida, aqueles que a esconderam teriam garantido que apenas as pessoas certas teriam acesso.”
“Um loxodonte,” disse Asterion.
“Ou alguém que conhecesse as histórias do povo loxodonte.” Quint se aproximou da coluna de pedra e pronunciou as linhas do Cântico de Jed em voz alta:
Desce os degraus, ó peregrino, ó andarilho.
Para encontrar Zantafar, você deve procurar,
Para procurar Zantafar, você deve abraçar,
Para abraçar Zantafar, você deve aceitar,
Para aceitar Zantafar, você deve conhecer seu coração.
Um estrondo sacudiu a caverna, e com um som de trituração, a coluna se retraiu no chão, deixando um buraco que levou à escuridão total.
“Eu me lembro,” Asterion começou a dizer enquanto ele e Quint se aproximavam do buraco. Com o corpo todo revivido, Quint vasculhou sua bolsa até pegar um martelo, ganchos e uma corda. Ele martelou um gancho na pedra e amarrou uma ponta da corda nela, puxando o nó.
“Vou descer,” ele disse, segurando a tocha com a tromba. Quint esgueirou-se para o lado do buraco e apertou a corda com mais força. Não havia nenhum som vindo de baixo – nenhum vento, nenhuma água, nenhuma evidência de movimento. “Quando eu gritar, você pode seguir, certo?”
“Espere,” disse Asterion. “Você sabe que se eu tivesse chegado até aqui, não voltaria.”
“Eu sei. Mas isso é muito importante para desistir agora.”
“Como seu mentor, gostaria de aconselhá-lo a ser mais prudente.”
“Agora?”
“Você sabe o que é estar morto?” perguntou Asterion. “É estar em um lugar de neblina e silêncio, vaguear por corredores que terminam abruptamente ou se reviram indefinidamente. Escadas que não levam a lugar nenhum e morros que descem ao infinito. Está existindo em um lugar de esquecimento, de perambulação sem fim e sem propósito. Cada grande porta leva a um armário de vassouras encardido. Cada veneziana abre para uma janela obscurecida por uma fuligem implacável. É para onde vou quando não estou com você. Não sei se é minha penitência ou se é o destino de todos os que morrem, mas eu pouparia você disso se pudesse. Eu gostaria de não ter mais morte em minha consciência.”
“Eu entendo. Mas não estou aqui sozinho, como você estava. Se algo acontecer, me puxe para cima.”
Quint dobrou os joelhos e endireitou os ombros enquanto se recostava no buraco. Asterion se ajoelhou perto do gancho e deu-lhe um aceno de cabeça. Com um empurrão de pernas, Quint mergulhou na escuridão. No primeiro minuto, tudo o que ele conseguiu ver foi a parede de pedra. Mas logo, a abertura se alargou em uma grande câmara. A princípio, ele pensou que o brilho da parede da câmara fosse algum tipo de depósito mineral. Mas enquanto ele descia, o brilho provou ser proveniente de uma enorme estátua dourada de um loxodonte em repouso, cravejado com pedras preciosas embutidas e jade que deslumbraram seus olhos. Facilmente diminuía a estátua de Kollema, um dos primeiros professores da Sapioforte, no centro do salão que levava seu nome.
Quint alcançou o chão e gritou para Asterion descer enquanto ele dava uma olhada na estátua. Nenhuma placa de identificação presente, mas ele não pode deixar de pensar que este era um monumento ao próprio Xyrun-Jed. Se fosse feito de ouro puro, como Quint suspeitava que fosse, seu valor poderia ultrapassar os tesouros de algumas das maiores nações das Terravastas. Este tesouro não era nada, entretanto, comparado ao que estava além dele.
“Quint,” ele ouviu atrás dele. Era Asterion de pé sobre o que Quint pensava ser um monte de terra no chão.
Quint se aproximou e viu um corpo humano, ou o que restou de um após seiscentos anos. Pedaços de metal presos a pedaços de pano cobriam o azul-acinzentado da carne mumificada. Após uma inspeção mais detalhada, Quint detectou quebras e fraturas em alguns dos ossos expostos. A perna esquerda estava dobrada de forma não natural, do lado oposto ao joelho, e o braço esquerdo parecia ter se quebrado em vários lugares.
“Eu caí,” disse Asterion. “Eu não pensei que seria tão baixo. Um erro tão estúpido e impetuoso. Eu pensei que tinha feito algo tremendo quando eu era simplesmente um idiota cuja vida não valeu nada e cuja morte não fez sentido.”
Quint pôs a mão no ombro de seu mentor. “Isso não é verdade. Você encontrou algo significativo para cada loxodonte em Arcavios.” Ele estendeu sua tocha e direcionou o olhar de Asterion para a caverna além. “Você encontrou aquilo.” Aninhada na rocha lá embaixo, uma metrópole fantasma se alastrava da pedra, iluminada em um crepúsculo eterno por fungos luminescentes acima. Uma torre distante do palácio erguia-se sobre os telhados, convidando os primeiros hóspedes em milênios a entrar e explorar seus segredos. “Que tal darmos uma olhada?”
“Quint, meu amigo, estou esperando há séculos. Nem mais um minuto.”
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