Mtg Lore

Compêndio da Lore de Magic the Gathering

O DIÁRIO DO LUNARCA

No plano de Innistrad, o anjo Avacyn retornou para guiar seus fiéis adoradores, rechaçando as trevas que tomaram o controle do plano enquanto ela estava selada. Os monstros do plano estão recuando, a igreja está ressurgindo, e por todos os lados a humanidade está voltando para a luz.

Mas nem tudo está bem em Innistrad. Mesmo sob a luz, alguns segredos devem permanecer ocultos. Especialmente segredos sobre a própria Avacyn…

Já faz anos desde a última vez em que eu segurei uma pena, mas sou compelido a registrar o terrível segredo que descobri, e como ele chegou até mim. Eu seria morto por tal heresia, porém não temo a morte, que pode ser um destino melhor. Porque isso é loucura, com certeza, um vácuo de verdade em que agora estou preso.

Meu nome é Dovid, antes um cátaro dos Pálidos, gravemente ferido na batalha da Muralha da Criança, agora ajudante dos anjos dos Pombais. Minhas memórias da batalha são apenas fragmentos – a lâmina partida em meu punho, enquanto eu a arrancava de um morto-vivo; o gosto de meu próprio sangue quando eu caí; um silêncio durante o qual a morte era uma certeza; e então uma luz ofuscante quando, finalmente, Avacyn apareceu.

Avacyn, Anjo da Esperança | Arte de Jason Chan

Meu braço direito era uma ruína medonha, e eu fui levado para o pátio da catedral, onde permaneci febril sob uma tenda de lona, recebendo as visitas de um clérigo que ficava mais otimista a cada manhã que me encontrava ainda respirando. No início, eu não conseguia me mover, mas mesmo quando os gritos de vitória ecoaram nas altas muralhas de pedra, simplesmente me faltava vontade. Eu poderia ter ficado lá para sempre se ela não tivesse vindo até mim.

Os gemidos dos feridos converteram-se em murmúrios de bebês confortados por suas mães. Eu tinha ficado indiferente a todos os cuidados, mas mesmo antes de ouvir sua voz, algo começou a se mover dentro de mim, e eu voltei meu rosto para o céu.

Avacyn estava lá, flanqueada por um anjo menor do Bando das Garças.

“Tu te empenhaste e sofreste mais do que a maioria, mas nós ainda precisamos de ti. Erga-te agora, Dovid dos Pálidos.” Sua voz não carregava delicadeza, e mesmo assim eu fui preenchido com amor, e me levantei como se não tivesse peso algum.

“Os Pombais da Catedral de Thraben foram abandonados há muito tempo, mas em breve nós retornaremos. Tu, e apenas tu, deves preparar esse espaço antes proibido. Tu recusarias nosso pedido?”

Eu neguei com a cabeça, lentamente, então me recompus.

“Não, nunca. Eu sou vosso servo, e vossa vontade é a minha.”

Seus olhos eram como pérolas belas demais para se contemplar.

“Que assim seja. Esta é Gryta.” O anjo ao seu lado deu um passo à frente, uma cabeça mais baixa do que Avacyn, e mesmo assim precisei olhar para cima para olhar seu rosto. “Ela mostrar-te-á o caminho, e transmitirá nossas instruções nos dias vindouros.”

E sem pausa ou cerimônia, Avacyn levantou voo, silenciosa como uma coruja. Gryta olhou para mim com a curiosidade que alguém poderia ter ao encarar um pedaço de fruta com uma deformidade singular.

“Então, Cátaro, tu conheces aquele lugar no topo da muralha onde deveria haver uma janela?” Ela gesticulou com sua asa e eu o vi: um único arco, obstruído com uma parede de tijolos. “Encontra-me lá e eu mostrar-te-ei como entrar nos Pombais.” Houve um sopro de vento e então ela também estava no ar muito acima de mim.

Serafim da Aurora | Arte de Todd Lockwood

E assim eu me tornei o Ajudante Dovid.

É estranho como minha posição me distanciou dos cátaros e dos outros oficiais da igreja. Sou tanto invejado quanto honrado, e desconfiam de mim tanto quanto me respeitam. Eu carrego a primeira espada forjada dos destroços da Câmara Infernal, e caminho sobre as muralhas de Thraben como um fantasma. Às vezes passam-se dias sem que eu pronuncie uma única palavra em voz alta.

Os anjos são criaturas maravilhosas e poderosas, mas é na presença de sua beleza que eu me sinto mais sozinho. Nos Pombais, eles cantam sem palavras, suas vozes como o badalar dos sinos. Os Bandos possuem mantras diferentes que não podem ser falados na língua humana, um som que eu frequentemente confundo com a chuva.

Nós achamos fácil venerá-los, e seu poder e beleza garantem isso, mas eles não são como nós, veja você, em nada além da forma física. Por toda adulação que lhes dirigimos, eles estão mais distantes de nós do que nós estamos de uma lontra ou um rouxinol. Talvez seja justamente nossa adulação que faz com que seja assim.

Só Gryta fala comigo, e, embora sua fala seja perfeita, eu passei a acreditar que isso é algo que ela faz deliberadamente, com grande esforço. Eu sou tolo de pensar que ela me favorece, mas mesmo agora parte de mim acredita que sim.

Naquele primeiro dia, procurei por horas até encontrar escadas que me levassem até a alta muralha onde Gryta esperava. Era uma queda livre, sem parapeito, e quando me forcei a olhar para o anjo, o medo deve ter sido óbvio em meu rosto.

“Tu não cairás, Dovid.” Seus olhos eram de um marrom profundo e pareciam completamente humanos. “Ou, se caíres, apanhar-te-ei. Coloca tuas mãos sobre essas pedras, aqui e aqui.”

Eu fiz como ela disse, e ela murmurou em uma língua angelical, algo como um eco, ou uma moeda girando dentro de uma garrafa. A janela vedada com tijolos dobrou-se sobre si mesma silenciosamente, e isso pareceu tão natural quanto o abrir de uma porta.

Santuário dos Serafins | Arte de David Palumbo

“Há muitos caminhos para entrar nos Pombais por dentro da catedral, e todos eles reconhecer-te-ão agora.” Eu esperava que o ar estivesse bolorento, mas estava leve e doce. “Limpa a cisterna primeiro. Eu saberei quando tiveres terminado.”

Eu virei para demonstrar que entendera suas ordens, talvez balbuciar um agradecimento, mas ela já estava caindo, mergulhando em direção ao chão logo antes de disparar novamente para cima, sobre o telhado, e então sumir.

Os fragmentos da Câmara Infernal foram coletados depois de sua destruição, e a prata bruta foi distribuída entre os ferreiros lunares mais distintos. Uma família de espadas foi forjada desse metal, e Gryta ditou uma lista de nomes que recebera de Avacyn, pessoas que deveriam ser homenageadas em uma celebração que os Bandos presidiriam. Quando tínhamos terminado, Gryta adicionou no que parecia uma ideia de última hora, “E teu nome também, Dovid. Coloca-o no topo.”

A minha é uma espada mortuária, com um guarda-mão em que a forma esculpida das asas de Avacyn vai até o ricasso. Entre as asas está gravado o nome de minha espada: Eost. Eu a desembainhei apenas uma vez, durante a cerimônia em que me foi presenteada, quando Avacyn tocou sua ponta. Ela é leve como o ar, e afiada o bastante para cortar uma pedra de rio em duas, mas eu duvido que a empunharei um dia. Meu braço é quase inútil, e estou recluso aqui.

Cátaro Ancião | Arte de Chris Rahn

Eost descansa em uma bainha sobre minha mesa, mas percebo que me desviei novamente da fonte de meu tormento. Sob minha espada, e perto do diário no qual eu agora escrevo, está outro diário, incrivelmente parecido, escrito com uma letra precisa e feminina. Na folha de rosto há uma iluminura requintada do colar de Avacyn, e na página oposta há um nome: Mikaeus Cecani, Lunarca.

Os Pombais estavam em bom estado, e os espíritos que os assombravam durante a ausência dos anjos fugiram de mim quando entrei. A cisterna era enorme, e quando Gryta me mandou limpá-la, achei que sua fonte estivesse obstruída de alguma forma. Ao invés disso, eu a encontrei cheia de água limpa, iluminada por dentro e brilhante como a face da lua.

Semissubmerso no reservatório estava o corpo de um homem vestido de preto, e eu soube que aquele era o motivo pelo qual fora enviado. Ele tinha sido estrangulado, e, embora não houvesse sinais de decomposição, ele fora assassinado já há algum tempo, e então preservado pelas águas dos Pombais.

Quando consegui arrastá-lo para as pedras frias, o livro caiu de dentro de seu casaco. Eu não tinha como saber o que ele continha, quem fora seu autor, ou por que ele estava lá em posse de um homem morto, e fui inundado por pavor. Algo tinha sido interrompido ali, algum plano perverso fora frustrado, e agora eu era sua testemunha.

Câmara do Arcanjo | Arte de John Avon

Selei o corpo em uma cripta sem nome nas profundezas das catacumbas e retornei aos meus aposentos com o livro.

O diário estava selado com um feitiço que reconheci ser dos Cátaros do Anoitecer, e uma lua se passou antes que eu o resolvesse. No início, fiquei feliz em encontrar tal artefato, e disse a mim mesmo que anunciaria minha descoberta assim que me familiarizasse com seu conteúdo.

Não fiquei surpreso com a primeira revelação: Avacyn fora selada na Câmara Infernal com o demônio Griselbrand, e durante aquele período nosso poder diminuiu. Isso só era do conhecimento de Mikaeus e dos altos Conselheiros, um segredo que eles mantiveram para evitar inquietação entre os fiéis.

Câmara Infernal | Arte de Jaime Jones

Mas a passagem que me empurrou para a apostasia era muito pior.

Incontáveis éons atrás, E. Markov barganhou pela blasfêmia que criou sua raça abominável de vampiros. Em conjunto com o demônio Shilgengar, ele concebeu uma fórmula para transformar homens vivos nesses monstros que se alimentam de seus próprios irmãos e irmãs. O ingrediente-chave era o sangue de um anjo vivo…

… Markov e seus filhos aprisionaram o anjo Marycz em seu laboratório e tiraram seu sangue para prepararem uma decocção profana que iniciaria o ciclo de medo e predação com que sofremos ainda hoje.

A maldição dos vampiros que nós temos sido treinados para combater foi criada pelos próprios humanos. Eu pensava que éramos nobres, a raça que carregava a luz contra os demônios de nosso mundo. Será que somos dignos de sermos defendidos?

Nobre Falkenrath | Arte de Slawomir Maniak

Eu continuei me preocupando com isso mesmo enquanto me aprofundava nos segredos da igreja que Mikaeus tinha abafado. Será que eu teria parado se soubesse a magnitude da mentira que encontraria?

Os humanos estavam lutando uma batalha perdida. Os vampiros eram simplesmente poderosos demais, e depois de gerações de multiplicação, eles estavam perto de nos ultrapassar em números.

Cada batalha que os vampiros venciam, cada vida humana que eles tomavam, servia para enfraquecê-los, ao passo que nossas próprias vitórias eram vitórias para os dois lados. Essa guerra não era entre humanos e vampiros. Nós éramos aliados contra um inimigo comum: a própria fome dos vampiros.

É uma simetria cruel que nossa salvação tenha vindo da família Markov: S. Markov, uma criatura tão ancestral e poderosa que sobrevive ainda hoje. Percebendo que nossa destruição e a deles estavam inexoravelmente vinculadas, Sorin criou Avacyn, uma força para reunir nossos anjos restantes, uma força sob a qual nós poderíamos nos unir.

Sorin, Senhor de Innistrad | Arte de Chase Stone

Uma força criada para manter em xeque os próprios vampiros que a criaram.

A partir daí, a igreja foi concebida para nos fornecer o poder para proteger e aumentar nossos números, mas não o suficiente para nos trazer a vitória sobre aqueles que se alimentam de nós.

Nós somos gado. Somos participantes inconscientes de nosso próprio cultivo.

A igreja à qual dediquei minha vida, a criatura que amei desde meu nascimento, os limites de meu mundo, tudo isso é uma mentira sinistra.

Quão estranho é este mundo, e quão cruel.

Avacyn, Anjo da Guarda | Arte de Winona Nelson

Traduzido por Alysteran

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