Mtg Lore
Compêndio da Lore de Magic the Gathering
O CORAÇÃO ENVENENADO
No coração da fortaleza do Soberano Dragão Silumgar, a naga morta-viva Sidisi aguarda sua vez.
A corte de Silumgar não era o local agitado que Sidisi imaginara na juventude, enquanto subia na hierarquia dos naga em suas tentativas de obter poder. Ela tinha imaginado ser um dia a conselheira de confiança do dragão, podendo usar sua influência para punir seus inimigos, tornando-se a mais rica de todos os naga.
A verdade, como ela descobriu, era que poucos se aventuravam a ir até a corte de Silumgar, já que essa aventura estava longe de ser segura – mesmo em negociações diplomáticas aparentemente benignas. O dragão via as criaturas menores como objetos para seus caprichos. A maior parte das pessoas sob o domínio de Silumgar enviava um excesso de tributos na esperança de nunca ser chamada para uma apresentação pessoal. Isso significava que muitos dias eram intermináveis calmarias onde havia muito pouco uso para as habilidades de Sidisi como tradutora.
Foi em uma dessas calmarias que a mente dela viajou de volta para seus últimos momentos mortais, quando a faca mergulhou em seu coração e os necromantes entoaram o feitiço que a traria de volta – ou ao menos a parte dela que restara. Houve dor nesses momentos finais, sim, mas também houve a fresca brisa da manhã, o cheiro das orquídeas em sua língua – distante, fugaz, mas presente. Esse tipo de sensações que Sidisi ignorara durante a vida, negligenciara em sua ascensão ao poder. Agora elas eram aquilo que ela nunca teria de volta.
Esse era o castigo final da magia negra da necromancia: remover a habilidade de experimentar os prazeres que estão por todos os lados, mas manter a lembrança deles. O desejo permanecia, mas era uma fome que não podia ser saciada. As memórias que permaneceram depois da transição de Sidisi, mesmo aquelas tão dolorosas quanto essa, eram mais prazerosas do que sua existência como sibsig.
Sidisi foi trazida de volta ao presente pelo barulho de uma caravana chegando – da região do Marang, se ela reconhecia corretamente as carroças. Dezenas de homens fortes saíram carregando baús de ouro. Enquanto eles marchavam subindo os degraus na entrada da corte de Silumgar, um dos humanos se aproximou dela.
“Eu desejo uma audiência,” o homem disse. “Quero explicar por que nosso tributo não está no nível esperado de nós.”
Sidisi examinou o medalhão de ouro no peito do homem. Uma clara indicação de riqueza e poder. “Talvez você devesse enviar um dos seus subordinados se o que tem são más notícias,” ela disse. “Você não parece um homem que valoriza honra acima da vida.”
“Jhinu me enviou,” ele disse, entregando a Sidisi uma bolsinha de pedras preciosas. “Ele me disse que você tinha ouvidos receptivos. Mas quando me falou da senhora, ele não mencionou que você era…”
Sidisi o interrompeu. “Eu me lembro desse humano,” ela disse. “Já faz muitos anos agora, foi durante a minha vida anterior. Ele também me ofereceu joias para conseguir favores com o dragão. Elas eram muito bonitas. Uma bolsa de joias por uma montanha de ouro… uma troca muito boa.” Sidisi enfiou a bolsinha dentro de uma das mangas. “Siga-me.”
Sidisi deixou o homem entrar. Ela se aproximou do trono de Silumgar, fazendo barulho em seu caminho através das moedas de ouro e outros objetos do tributo que ele coletara durantes seus milênios de soberania. O dragão era conhecido por cochilar no final das tardes de verão, e garantir que ele ficasse ciente de sua presença era importante para quem achasse que continuar inteiro era relevante.
“Meu senhor,” Sidisi disse, latindo em um idioma baixo e grave. Os naga não conseguiam pronunciar precisamente a linguagem dos dragões, mas podiam produzir uma imitação fraca. Era a língua em que o dragão gostava de falar.
O dragão ergueu a cabeça e a virou na direção da procissão de itens valiosos sendo carregados para dentro do aposento por duas dúzias de servos do homem. Moedas de ouro, elmos de ouro, relíquias dos guerreiros caídos do protetorado de Dromoka – Silumgar olhou para esse espólio, mas sua cabeça monstruosa não foi capaz de compreender o que via. Quando o último servo tinha esvaziado seu próprio tesouro, o dragão virou a cabeça para longe.
“Seus homens podem sair,” Sidisi disse ao homem. “Mas você não pode.” Enquanto os homens saíam, Sidisi ergueu a cauda até o rosto do homem parado diante de si. “Nós ouvimos histórias das conquistas na província de Gurmag. Grandes vitórias contra muitas das fortalezas de Dromoka. Riquezas imensuráveis! Mas aqui, essa riqueza que você nos trouxe é mensurável. Você não acha que seu Senhor merece a parte dele?”
“De fato, nós conseguimos muitas vitórias,” o homem disse, virando-se para o dragão. “Mas também sofremos muitas perdas. Nós precisamos reconstruir – precisamos alimentar as famílias daqueles que caíram em batalha.”
“Você não falará com o dragão,” Sidisi disse, sua cauda apodrecida passando levemente pelo pescoço dele. “Você falará comigo. Eu falarei com o dragão.”
Sidisi rosnou e o dragão virou a cabeça. “Você encheu os bolsos com o ouro que é dele por direito,” Sidisi disse. “Você tentou me chantagear, mas eu não tenho mais uso para coisas bonitas.” Sidisi jogou a bolsinha de joias no chão. “O dragão me fez quem sou hoje, e eu sou leal a ele. Diga-me, humano, a quem você é leal? A Jhinu, que te mandou para morrer nesse palácio, é? Ele protegeu suas terras como Silumgar? Ele te permitiu viver?”
“Eu sei que você serve ao dragão,” o homem disse. “Mas você não o reverencia.”
Sidisi se aproximou do homem. “E por que não reverenciá-lo? Durante minha vida eu busquei poder, mas não entendia o que isso significava. Eu olho para ele agora e entendo.”
“Você não pode estar realmente satisfeita com o que ele te fez,” o homem disse.
“O que você acha que sabe sobre mim, humano?” Sidisi enrolou a cauda. “Resistir ao dragão é fútil. Tudo o que alguém pode fazer é servi-lo e torcer para ter uma morte sem dor quando ele pedir por ela.”
O homem se inclinou para perto dela. “E se não for fútil? Em meu bolso, carrego três frascos de um veneno feito de Orquídea Jrung. Um quarto de um dos frascos foi o suficiente para derrubar um dos regentes de Dromoka. Permita que eu me aproxime do dragão, e poderei acabar com o reinado dele.”
Silumgar riu, e pronunciou palavras em sua linguagem ancestral que fizeram o aposento vibrar, pilhas de ouro caíram com o terremoto.
“Só porque ele não deseja falar a sua língua,” Sidisi disse ao homem, “não significa que não a entenda.”
Sidisi enrolou a cauda na cintura do homem, mas ele libertou um braço e soltou o frasco. O vidro cruzou o quarto e atingiu o corpo pesado de Silumgar. O frasco se partiu e o líquido negro pingou no chão, gerando bolhas conforme atingia o ouro sob ele.
“O dragão respira veneno,” Sidisi disse, apertando a cauda em volta do homem. “Você acreditou mesmo que seu óleo teria algum efeito na magnificência dele?”
Silumgar bufou e uma nuvem tóxica engolfou o aposento. Antes, quando Sidisi ainda era viva, o hálito do dragão queimava sua pele. Ela deslizava correndo e se apressava para acalmar a região atingida com unguentos antes que grandes bolhas negras se formassem.
O homem não era um sibsig. A carne dele não tinha resistência aos vapores.
“Se você só tivesse vindo sem o ouro, Silumgar teria pedido apenas um décimo do seu povo como penitência,” Sidisi disse ao homem enquanto ele lutava para respirar. “Muitos daqueles que você ama teriam sobrevivido. Agora, receio que a punição vá ser mais severa.”
O dragão latiu mais ordens. Sidisi pegou o homem pelo pescoço e o arrastou para fora da sala do trono, para a beirada do poço dos sibsig.
“Por favor,” o homem disse. “Por favor. Não. Não quero morrer. Eu sei que você pode me ajudar.”
“Poderia,” Sidisi disse, enquanto removia os frascos restantes do casaco do homem. “Não vou. Quão boas são suas riquezas agora? Elas não podem me fornecer alívio.”
“Minha família, eu falhei com vocês,” o homem disse chorando conforme sua respiração ficava mais superficial. “Nenhum veneno matará essa fera. Com certeza estamos todos perdidos.”
“Um veneno sozinho não matará mesmo,” Sidisi disse. “Mas os tributos trazem muitos como você que acreditam que podem acabar com o dragão. Todos eles trazem esses amáveis venenos.”
Sem cerimônia, Sidisi empurrou o corpo quase sem vida do homem para dentro do poço. Aqueles como ela teriam seu banquete, e nada sobraria dele para ser trazido de volta. Ela abriu a placa ornamentada que cobria o meio de seu corpo, revelando um grande corte – o buraco vazio onde seu coração um dia batera.
Ali ela mantinha uma coleção de venenos vindos de todos os lugares, o óleo potente de todos se misturando.
Sidisi esperava pelo dia quando a potência deles tivesse maturado, e quando o dragão deixasse a guarda baixa. Nesse dia, ela tomaria o poder que o dragão roubara dela, e os naga se tornariam o que sempre foram destinados a se tornarem: os governantes dessas terras.
Traduzido por Alysteran
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