Mtg Lore

Compêndio da Lore de Magic the Gathering

FERA

Garruk Falabravo já esteve profundamente ligado à natureza, um poderoso convocador de feras, e mestre de magia verde… até que a necromante Liliana Vess o amaldiçoou utilizando o perigoso artefato conhecido como Véu Metálico. Impregnado de mana preto e desconectado da voz do mundo selvagem, Garruk tornou-se um assassino feroz com um único objetivo: encontrar Liliana e fazê-la reverter o que fizera.

Garruk seguiu Liliana até o mundo de Innistrad, onde os dois novamente se enfrentaram. Liliana conseguiu manter a vantagem por tempo suficiente para escapar. Ao final dessa batalha, semilouco pela maldição do Véu, Garruk encara um momento crucial de decisão…

Eu acordo e abro meus olhos. O ar fede a morte e mortos-vivos. O cheiro da bruxa está lá, em algum lugar, mas está fraco. Estou de bruços, semissubmerso na água. Os trinados dos pássaros carniceiros soam em meus ouvidos. Tudo dói.

Um pássaro preto fedorento pousa em meu peito. Eu o agarro com ambas as mãos, torço seu pescoço e jogo-o para o lado. Seu corpo faz um splash na água.

Eu encho os pulmões com o ar bolorento e me sento. Estou em um pântano, é de noite. O lodaçal ao meu redor está cheio de pássaros se banqueteando com pedaços de coisas que já foram zumbis. Não há luz, mas eu consigo enxergar na escuridão.

Pântano | Adam Paquette

Os restos dos servos da bruxa me cercam. Eu os matei.

Ela quase me matou.

Onde ela está?

Onde está meu machado?

Há uma forma longa e fina sob a água perto de mim. Eu vou até lá e minha mão se fecha em um cabo de madeira. Eu puxo meu machado para fora do lamaçal e o encosto em um tronco caído. Os abutres ao meu redor fogem e se amontoam nas árvores acima.

A exaustão me atinge novamente, e eu estou de volta ao meu quarto na última estalagem em que dormi, semanas atrás. O tronco caído é a cama, mas nenhuma cama é grande o bastante para mim. Eu deito no chão e afundo novamente no lodo.

Uma besta tão alta quanto eu, e cuja largura nada perdia para sua estatura, aproxima-se de mim e fareja meu corpo imóvel. Ela tem um cheiro quase normal, mas há podridão sob ele, a mesma que emana de mim agora. Debaixo do pelo, sua pele é marcada por veias negras, assim como a minha.

Eu a invoquei durante a luta contra a bruxa.

Arte de Dave Kendall

Eu levanto a cabeça para olhá-la. Ela pula para trás, e estremece quando atinge o chão com as patas traseiras.

Ela emite um rugido barulhento, e quando fala, ela é o estalajadeiro, tremendo de medo. “Você assusta os outros clientes,” ele diz. “Não pode ficar aqui esta noite de novo.” Ele não tem certeza de que conseguiria me vencer em uma luta, mas o desespero em sua postura indica que ele estaria disposto a tentar.

Ele recua, só um pouco, e a voz estridente parece um trinado. “Dizem que tem um bando de lobisomens por aqui que tenta fazer algo bom apesar de sua maldição.” Ele só quer que eu vá embora. “Você deveria procurá-los. Mas eles só aceitam os fortes. Eles matam os fracos.”

“Eu pareço fraco para você?” eu rosno para ele.

“Não, senhor,” ele resfolega. O homem se vira e sai do meu quarto, espirrando água a cada passo.

Mais barulho de água espirrando vem da direção oposta agora. Eles são mais lentos, e mais altos, e uma onda de ar podre passa por mim. Eu sento de novo. Estou fora da estalagem, e os agrupamentos fechados de árvores são edifícios amontoados na pequena cidade. Há uma imensa massa de corpos inchados, um pouco maior do que a besta com que eu estava falando, e está vindo diretamente na minha direção.

Golias Skaab | Arte de Volkan Baga

Os pássaros se espalham com um barulho que mais parece uma explosão. “Ataque do suturador!” eles gritam enquanto voam para longe. “Salvem as crianças!” Se essa coisa quer matar os pássaros da cidade, terá que me matar primeiro. Eu levanto, me apoiando no machado. Ainda estou sangrando pelos cortes em meus braços. De alguns deles escorre um líquido preto. Minhas costas doem quanto fico ereto, mas tenho força suficiente para ir adiante.

E se não tiver, então eu morrerei. Eu provavelmente estava morrendo caído ali de qualquer forma.

Eu avanço sobre a coisa, gritando. É uma bola de corpos humanos, talvez com cinco pés de diâmetro, com outro cadáver no lugar de cada uma de suas três pernas e de seus dois braços, e um pedaço de lobo podre enfiado no topo, onde a cabeça deveria estar. Meu machado penetra o ombro da coisa com um som molhado. Uma das pernas do lobo cai quando eu a decepo. O braço esquerdo se aproxima de mim com garras de prata brilhantes, mas o impacto do meu machado empurra a coisa seis polegadas para trás. Elas deixam apenas um arranhão superficial. Eu puxo meu machado de volta. O braço direito está vindo, mas eu dou um passo para perto e giro o machado em direção ao braço superior, que está unido a um par de pernas humanas. Eu faço um corte profundo e as garras me erram, mas o braço direito está voltando e eu estou preso.

A coisa se sacode para a esquerda, se libertando do meu machado, e cai de lado dentro do lodo com um grande splash. Minha besta está lá, a cabeça abaixada, as presas curtas agora cobertas por um negro brilhante. Estou ensopado, mas meu machado está livre. Eu o ergo e o trago para baixo sobre o pescoço da coisa, decepando o cadáver podre do lobo. A coisa toda estremece e para de se mover.

Nenhum outro passarinho bebê será vítima dessa monstruosidade.

A besta vem até mim, devagar, e emite um ronco baixo. Agora ela é Pavel, o lobisomem que lidera o bando de que o estalajadeiro me falou. “Eu sou Pavel,” ele diz. “Nós todos somos lobisomens. Você é… alguma outra coisa… mas nós estamos caçando a suturadora que fez isso. Ela é durona, e nós poderíamos usar sua ajuda. Quer vir junto?”

Ele pode me ajudar a achar a bruxa. “Onde?! Onde ela está?” Eu o agarro pelas presas e grito na sua cara.

Ele dá um passo para trás, hesitante. Meu movimento acompanha o dele. Ele rosna. “Você precisa mostrar mais controle do que isso, ou nós o mataremos também.” Seus pequenos olhos brilham com um pouco de simpatia, medindo cada movimento.

Eu solto suas presas e me ergo tão alto quanto possível, apesar da dor. “Você pode tentar.”

Ele senta, deixa o tom ameaçador de lado e quase ronrona. “Eu espero que nós não tenhamos que tentar. Venha comigo.” Ele se vira e se arrasta para a escuridão do pântano.

Eu cambaleio atrás dele. Nós andamos em silêncio por um tempo. Ele anda de um lado para o outro através da floresta, em um caminho que parecia aleatório. Algumas vezes nós passamos de novo pelo mesmo lugar. “Aonde estamos indo?”

Ele resmungou baixo. “Nós vivemos longe da civilização, onde nossa condição não afete ninguém além de nós mesmos. Os outros não o aceitarão de imediato; você terá que ganhar a confiança deles.”

“Mas vocês matam suturadores.”

Pavel virou a cabeça para me encarar enquanto andávamos, e grunhiu. “Nós matamos zumbis. Não matamos criaturas conscientes. Nós as desabilitamos, e as deixamos com as autoridades responsáveis.” Ele virou a cabeça de volta para o caminho à nossa frente. “Se você insiste em matar sua presa, não terá permissão para continuar conosco.”

Eu ouço o barulho de um alce por perto. Meu estômago ronca. “Espere aqui.” Eu me movo para longe até não poder mais ouvir Pavel, escalo uma árvore até dez pés de altura, e observo.

Está vindo para cá.

Eu fico parado sobre o galho, preparo meu machado e espero.

Alce Viajante da Aurora | Arte de John Avon

O alce caminha até um ponto exatamente abaixo de onde estou. Eu largo o galho, e a parte plana do meu machado bate na parte de trás da cabeça dele conforme eu aterrisso. Seu corpo tomba de lado e cai na lama com um splash.

Eu o coloco sobre uma elevação seca. Ele tem um cheiro limpo, exatamente o que eu não tenho. Puxo minha faca, corto um longo cipó de uma das árvores, penduro o alce pelos chifres e o abro da barriga ao pescoço. O sangue que escorre se acumula sob o corpo, primeiro formando uma poça e depois sendo carregado pelo pântano. Eu me aproximo, seguro sua bexiga e corto fora, depois a jogo na água. Os intestinos seguem também para dentro do lodaçal com um plop.

Pavel se aproxima de novo, ronronando, enquanto eu tiro o fígado do alce. “Sua caça é de valor inestimável para nós. Passaríamos fome sem você. Nós decidimos que você pode ficar.”

Eu jogo o fígado para ele, e ele pega no ar com a boca.

Estou morrendo de fome, e a carne tem um cheiro incrível, mas Pavel provavelmente está com fome também. Eu corto três costelas, com pele e tudo, e jogo para ele. “Então, quando faremos a caça à suturadora?”

“Hoje à noite,” ele disse, antes de arrancar um naco do pedaço de alce morto. Eu esfolo o que sobrou, corto uma costela, e arranco um pedaço de carne para mim mesmo. O gosto é incrível.

Nós terminamos de dividir o alce entre os dois sem dificuldade. Ele fica em quatro patas, e suspira quando sua barriga encosta no chão. Eu deito de costas. Nós compartilhamos um longo momento, descansando e respirando o ar do pântano enquanto digerimos minha caça.

Líder de Matilha de Garruk | Arte Nils Hamm

Eu me sento, entediado. “Então, onde ela está?”

Ele me olha irritado e solta um grunhido. “Nós não sabemos exatamente. Em algum lugar perto de Gatstaf, provavelmente no caminho de Gavony.”

“Eu a encontrarei.” Eu levanto e coloco o machado no ombro.

“Tome cuidado,” ele disse. “Qualquer suturadora que valha algo terá guardiões. Você não deve enfrentá-los sozinho.” Eu dou-lhe as costas. “E se você a matar,” ele murmura, “não terá permissão para retornar. Nós não somos feras.” Eu me afasto dele para dentro da mata.

Caminho pelo pântano, procurando qualquer sinal dela. Ocasionalmente, eu cheiro o chão, mas não consigo distinguir o cheiro dela do meu próprio.

Há algo no galho logo ali. Eu me aproximo, e encontro um pedaço rasgado de seda púrpura. Seguro perto do nariz e cheiro. É dela.

Eu o coloco em um bolso do meu cinto, me agacho, e farejo. Lá está. Está fraco, mas ela deve ter ido por este caminho. Há galhos quebrados ali também, partidos por pés humanos. Pequenos, exatamente como os dela. Eu dou cinco passos e farejo o solo de novo. Ainda está lá. Mais quinze e outra farejada na terra, e eu sei que a peguei.

Seu rastro me leva através do pântano, esquivando das árvores e contornando poças de água parada. Se ela tivesse ido por dentro delas, poderia ter me despistado, mas quem sabe o que poderia estar escondido sob a superfície da água? Alguma criatura do pântano poderia tê-la comido. Ela morrerá de qualquer forma depois que eu esmagar sua cabeça.

Bem quando acho que estou chegando perto, passos pesados ecoam em minha direção, talvez a duzentos pés de distância. Eu entro em uma lagoa quase toda coberta pela vegetação e me agacho até que só minha cabeça esteja exposta, e mesmo assim coberta pela folhagem. Uma besta apodrecida aparece em meu campo de visão, sua pele toda salpicada de negro, sua boca escancarada e suas presas pingavam sangue fresco. Aquilo fedia a necromancia. Ela arquejava, respirando profundamente, pernas trêmulas. Ela farejou ao redor, mas não me viu sob as folhas.

O guardião da suturadora. Pobre criatura. Quem quer que tenha lhe feito isso merece morrer.

Eu permaneço parado, e ela passa por mim sem nem olhar em minha direção.

Dez minutos depois, eu saio da lagoa, meio coberto pelos cipós verdes. Sacudo a maior parte delas e continuo seguindo o rastro.

Depois de mais cinco minutos, ouço passadas lentas e pesadas cem metros atrás de mim. Eu me viro, e lá está a suturadora. Não é a bruxa – ela é enorme, verde com veias negras, talvez nove pés de altura e outros nove pés de largura, e tem presas negras brilhantes. Eu esperava uma mulher, pelo menos, e menor, mas imagino que seja essa a aparência das necromantes daqui. Ela vai morrer do mesmo jeito.

Eu avanço. Ela simplesmente se senta, e me olha enquanto eu chego perto, provavelmente esperando para me surpreender. Eu ergo meu machado enquanto me aproximo, e ela continua só sentada lá. Seus olhos se arregalam quando a lâmina mergulha em seu crânio, e ela se dobra sobre a barriga com um barulho molhado e um gemido. Ela estremece por um segundo ou dois, e morre.

As palavras de Pavel ecoam em minha cabeça mais uma vez. “Nós não somos feras.”

Talvez eles não sejam.

Uma luz branca reluz na distância, iluminando o horizonte, e se elevando até o céu. Nós todos olhamos enquanto ela cintila sobre nossas cabeças, mais e mais brilhante conforme se aproxima. Então ela cobre tudo, e tudo o que eu vejo é branco.

Eu estou de pé em um pântano, sobre uma besta morta. Seu cheiro é fresco. Pelas veias negras em sua pele, eu devo tê-la invocado. Pela ferida de machado em sua cabeça, eu devo tê-la matado.

É só uma besta. Não é o estalajadeiro, nem Pavel, nem o guardião da suturadora, nem mesmo a própria suturadora.

Eu não consigo mais ver a escuridão, ao invés disso, consigo ver as cores, e exalo um cheiro normal. O sol está começando a se erguer.

Eu flexiono meu braço direito. As veias negras se foram, e eu estou forte, tão forte quanto era antes. Eu respiro profundamente, e solto um rugido. Ele ecoa pelo pântano. Pássaros se dispersam, e não falam enquanto voam para longe.

Eu estou em Innistrad, em algum pântano. A bruxa quase me matou.

E a maldição dela se foi.

O que ela fez comigo?

Quão longe eu cheguei?

Uma onda esmagadora de náusea me atinge conforme minha visão fica em preto e branco mais uma vez. Eu caio de joelhos, aperto o galho grosso de uma árvore com minhas mãos cobertas de negro, e vomito. Quando termino, metade do alce que eu tinha comido está no chão à minha frente. Eu me sinto um pouco melhor, mas a maldição está de volta. E eu estou muito cansado.

Garruk, o Amaldiçoado pelo Véu | Arte de Eric Deschamps

Eu farejo o ar. O cheiro da bruxa ainda está lá, misturado com o alce semidigerido, e uma das pegadas dela está lá bem na minha frente.

Eu continuo seguindo os rastros, agora me apoiando no machado. Vinte minutos de rastreio me levam até uma estrada. Eu saio do pântano, piscando na luz do amanhecer.

A estrada se estende nos dois sentidos até onde meus olhos veem. A luz ofuscante vem da direita, onde o sol está nascendo agora. Ela foi o suficiente para me curar, mesmo que só por um momento. Eu não sei o que era, mas era algo poderoso.

Essa foi a única coisa que já ajudou em algo. Se eu estivesse mais perto, ela teria me salvado?

Se eu encontrar a fonte dela, poderia ficar livre. Eu poderia me erguer, caminhar ereto, chamar criaturas saudáveis para o meu lado.

Eu poderia parar de caçá-la.

O que eu faria então? Eu a cacei por tanto tempo. O que eu fazia antes disso?

Eu olho para a esquerda e vejo um galho partido. Eu me agacho até ele e cheiro, e um rosnado ressoa dentro de mim. É ela.

Talvez eu não tenha outra chance de achar uma cura. Se eu deixar a luz para trás, terei que matá-la antes de perder a mim mesmo mais uma vez.

Mas se eu seguir a luz, vou perder o rastro.

Farejo o chão de novo. Ela ainda está lá, e é recente o bastante para seguir.

Eu viro à esquerda, para longe do alvorecer ofuscante, e começo a andar.

Arte de Brad Rigney

Traduzido por Alysteran

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