Mtg Lore
Compêndio da Lore de Magic the Gathering
EPISÓDIO 4: A FONTE
MUSEU
Esses corredores familiares, polidos e cuidadosamente organizados, eram tão sagrados quanto uma igreja para Xander. Esta noite, na véspera do Crescendo, ele estava determinado a caminhar por todos eles uma última vez e saborear seu esplendor. Momentos de paz eram breves, e se seus informantes e suposições estivessem corretos, haveria sangue antes que o ano novo chegasse.
“Esta é uma das minhas favoritas.” Xander parou diante da estátua de um anjo embalando um bebê. “Toda vez que olho para ela, penso na minha própria mãe.” Se ele pudesse, pelo menos, se lembrar de algo sobre ela.
“É linda.” Anhelo o animou. Xander podia sentir a confusão do seu general enquanto o seguia pelo museu. Anhelo conferiu seu relógio. “Meu senhor, se pretendemos chegar a tempo do Crescendo, devemos começar a nos preparar para nossa partida.”
Xander não se moveu. Em vez disso, ele continuou a olhar para o rosto pacífico da mulher. Já houve um tempo em Nova Capenna onde tal paz e tranquilidade realmente existiam? Já houve um momento assim em sua vida?
Ele riu baixinho para si mesmo e murmurou, “Estou ficando mole com a idade.”
“O que foi?”
“Nada.” Xander cruzou as duas mãos no topo de sua bengala. As garras douradas com as quais ele adornara seus dedos esta noite retiniram contra o metal. “Você deveria ir ao Crescendo e observar Elspeth em meu lugar.”
Até a última atualização que Xander recebeu dela, ela se saiu bem infiltrando-se nos Cabaretti. Mas nenhuma palavra ainda sobre a fonte. Ainda assim, ele tinha fé nela. Havia algo único em Elspeth. Ele percebeu rapidamente que ela nunca seria realmente uma membra da família. Havia algo sobre ela de um propósito maior. Talvez fosse por isso que ele finalmente decidiu abrir seus arquivos para ela.
“Você não vai?”
“Esse ano não.”
“Mas a fonte—”
“Eu gostaria de ficar aqui.” Xander interveio.
“Xander, o que o incomoda?” Anhelo pousou a mão levemente no cotovelo de Xander. O toque traiu sua profunda preocupação. “Você não está sendo você mesmo esta noite.”
“Você se preocupa demais.” Xander deu um tapinha na mão de Anhelo. “Você me servirá melhor indo em meu lugar ao Crescendo. Não queremos que os Cabaretti confundam minha ausência como um desprezo dos Maestros.”
“Eles vão pensar isso de qualquer jeito, já que eu não sou o líder dos Maestros.”
“Mas algum dia, em breve, você será.”
“Oi?”
“Vá. Vamos discutir mais sobre esses assuntos depois do ano novo,” Xander o encorajou. Ele nunca projetou abertamente a sucessão com Anhelo. Sempre se assumiu, mas de uma maneira distante, remota. Mas não havia mais tempo para se preparar, e Xander só podia torcer para que Anhelo estivesse pronto. “Esta noite, você deve ir se divertir no Crescendo e relatar quaisquer acontecimentos estranhos, isso é uma ordem.”
“Você tem certeza?”
Xander olhou de volta para a estátua pelo canto dos olhos, sem que Anhelo percebesse. Eles estão perto. “Tenho certeza. Agora vá, Anhelo. Use a porta de recepção para sair.” A maioria não pensa ou conhece a porta dos fundos.
“Como quiser.” Anhelo baixou a cabeça e partiu. Xander o observou sair com um suspiro de alívio que não se deu ao trabalho de esconder.
Ele olhou de volta para a estátua enquanto esperava. Ele encontraria sua mãe novamente assim que partisse deste longo e dolorido corpo mortal? Ainda havia alma suficiente neste velho vampiro-demônio para que pudesse haver um “depois”?
Um movimento encerrou suas reflexões.
Xander virou-se para encarar as sombras vivas no final do corredor. Naquela escuridão, ele perguntou: “Você finalmente veio para me matar, Adversário?”
CRESCENDO
Como parte da equipe de solo, Elspeth estava bem posicionada para ver e ouvir tudo. Além disso, ela podia se mover sem se incomodar. Ninguém prestava atenção a nenhum dos funcionários uniformizados. Eles eram tão sem importância quanto as bandeirolas penduradas nos pilares ou os grandes vasos de flores na base de cada um deles.
Bem, ela não passou totalmente despercebida.
“Elspeth,” Jinnie se aproximou, sua habitual comitiva de Kitt e Giada flanqueando-a. “Que bom que te encontramos. Espero que o Crescendo tenha valido seu esforço?”
“E até mais.” Elspeth forçou um sorriso.
“Então espere, a verdadeira diversão ainda nem começou.” Jinnie serviu-se de dois pastéis de queijo do prato de Elspeth e deu um a Giada. Como de costume, a adolescente permaneceu em silêncio, seus olhos famintos por algo que sua boca não conseguia engolir.
“Eu consegui assistir a performance de Kitt,” disse Elspeth.
“E? Qual é a sua análise? Não me poupe dos detalhes!” Kitt se animou.
“Foi adorável.”
“Dificilmente isso é uma crítica.” Kitt resmungou.
“Acho que não sou bem versada em música, então não posso lhe dar muito mais do que isso.” Elspeth ofereceu um sorriso encorajador para apaziguá-la.
“Por falar em performances, eu preciso verificar uma coisa sobre a nossa,” Jinnie disse para Giada, em seguida, virou-se para Kitt. “Você poderia me ajudar, se não for um problema?”
“Problema? Nunca.”
“Você se importa de ficar de olho em Giada por um instante?” Jinnie perguntou a Elspeth.
Giada não era tão jovem assim para precisar de uma acompanhante o tempo todo. Mas Elspeth tinha visto nas últimas semanas como Jinnie adorava e mimava Giada. Era um relacionamento que Elspeth ainda não entendia completamente. Ela acharia doce e fraternal, se não fosse o desconforto perpétuo que irradiava da jovem.
“Não tem problema,” Elspeth disse.
“Obrigada, você é uma graça.” Jinnie apertou seu ombro e saiu falando com Kitt.
“Você quer outro?” Elspeth perguntou, estendendo a bandeja para Giada.
“Não, obrigada.” Então, ela falava. “Tenho medo de comer qualquer coisa e ficar doente.”
“Você não está se sentindo bem?” Elspeth afastou o prato.
“Nervosa,” Giada admitiu. “Esta performance significa muito para Jinnie, os Cabaretti, todos.”
“Que tipo de performance é?” Elspeth se esforçou para parecer casual. Uma pergunta inofensiva, nada mais.
Giada olhou de soslaio. “Você vai ver logo.”
“Desculpe-me por isso!” Jinnie voltou e prontamente pegou a mão de Giada. “Você está pronta para mudar o plano?” Giada não teve chance de responder antes que Jinnie a puxasse para longe.
A apreensão revirava o estômago de Elspeth. Algo estava errado. Cada fibra de seu ser lhe dizia isso. A sensação aumentou mais ainda quando ela viu Maestros começarem a se mover atrás de Jinnie e Giada. Ela conhecia o olhar nos olhos pálidos dos vampiros. Eles estavam atrás de sangue.
Elspeth se afastou rapidamente do andar principal e entrou em uma sala dos fundos, onde colocou a bandeja. Alguns dos outros funcionários lhe lançaram olhares inquisitivos, mas nenhum a deteve quando ela correu de volta para o salão principal do Vantoleone.
Giada já estava no palco, Jinnie atrás dela. Quatro homens da Cabaretti empurraram uma enorme garrafa vazia para o palco, levando-a para Giada. O recipiente era quase tão grande quanto a própria Giada.
“Este ano, os Cabaretti prometeram um Crescendo diferente de todos. Agora, vamos cumprir essa promessa,” Jinnie anunciou.
Elspeth pegou a faca que Xander lhe dera, escondida em seu casaco. Era a única arma que ela tinha, e a única coisa que ela podia esconder no traje que todos os garçons eram obrigados a usar. Elspeth esperava que ela não precisasse dela.
Jinnie disse algo para Giada, e a adolescente deu um passo em direção à enorme garrafa. Ela respirou fundo, um olhar de pura determinação a dominava. Giada a tocou com as duas mãos.
Uma luz explodiu.
A sala soltou um suspiro coletivo de surpresa. Como o resto deles, Elspeth ficou piscando para afastar a névoa azul que a luz ofuscante deixou para trás. Quando o palco voltou ao centro do foco, murmúrios ondularam pela multidão. Ninguém podia acreditar no que via, incluindo Elspeth.
A garrafa vazia agora estava cheia de Halo. Pequenas bolhas douradas subiam de um fundo cerúleo para um topo rosado. Correntes mais escuras rodopiavam por dentro, como se o crepúsculo escorresse a água, e uma névoa distinta nublava o ar ao redor, como se o poder condensado dentro dela mal pudesse ser contido por seu invólucro de vidro.
A horrível verdade do que ela acabara de testemunhar começou a despontar em Elspeth. Não havia como a garrafa ter sido trocada. Era muito grande para isso. Levaria muito mais tempo do que um flash de luz para preenchê-la.
“Seus olhos não te enganam.” Jinnie respondeu ao ceticismo coletivo da sala assim que conseguiu manter Giada em pé, embora a jovem ainda estivesse balançando um pouco, visivelmente cansada. “Na frente de todos vocês, sem truques ou brincadeiras, criamos Halo do nada. Vocês são as primeiras testemunhas de uma nova ordem – uma ordem que não conhece mais limitações e não é mais contida pela diminuição da oferta.” Ela fez uma pausa para dar ênfase; a sala estava extasiada. Jinnie fez um gesto de volta para Giada. “Contemplem, a Fonte!”
A multidão explodiu em aplausos. Aquelas pessoas viram um recurso, uma ferramenta, uma solução para um problema que as atormentava. Tudo o que Elspeth via era uma jovem exausta e presa.
Sua “nova era” viria ao custo da vida de Giada.
MUSEU
Sombras se agarravam ao homem que se aproximava de Xander. Elas pendiam de cada dobra do seu impecável terno risca de giz, cada adorno feito sob encomenda na placa blindada que emoldurava seus ombros e peito. Os ex-atendentes e aliados que Xander poderia ter pensado como da sua própria família corriam ao redor das asas de morcego do Adversário, armas em punho.
A primeira coisa que ele ofereceu aos vira-casacas foi um sorriso amargo. Em seguida, ele lhes ofereceria seus próprios corações.
Os últimos oficiais leais a seu serviço já estavam mortos, sem dúvida. Antigas feridas e ossos doloridos que se danem, ele retribuiria na mesma moeda, mesmo que fosse a última coisa que fizesse. Ele havia se preparado para esta noite. Aconteça o que acontecer, ele não cairia sem lutar.
O primeiro dos seus ex-assassinos avançou.
Xander transferiu todo o peso para a perna boa, jogou uma mão para trás, lançou a bengala para cima com a outra e a pegou pela ponta. Aço tilintou contra aço quando ele desviou a adaga do assassino. Os olhos do outro vampiro se arregalaram com o choque.
“Eu te dei aquela adaga,” Xander rosnou. “Não pense que eu lhe daria uma ferramenta que eu não soubesse a melhor maneira de usá-la.” Com uma torção do pulso, ele se soltou da lâmina e trouxe o cabo de sua bengala para o pescoço do homem até um estalo satisfatório.
Mais um estava vindo na direção dele. Xander deslizou sua mão para a parte da frente da bengala. Ele movimentou o polegar e desengatou um mecanismo de travamento secreto. O cabo da lâmina escondida se soltou de sua bainha. Xander o agarrou, cortando o ar e lançando um jato de cinzas pela sala.
Ele usou a morte como uma distração, recuando estrategicamente para seu museu. Mais outros já estavam perseguindo-no. Mas Xander conhecia os caminhos melhor do que qualquer um do seu povo. Foi ele quem construiu este lugar. Seu pai. Seu curador.
Nos estreitos corredores de acesso entre as galerias, ele podia evitar ser flanqueado, abatendo-os um a um à medida que vinham até ele. Ele poderia vencê-los em habilidade, mas ainda era um homem velho. Ele podia tolerar a dor, mas não tinha resistência para enfrentá-los todos de uma vez.
Xander atravessou o salão principal do museu. Tiros soaram e raios de magia perseguiram seus calcanhares, deixando marcas em seu piso de mármore. A pedreira daquela pedra não funcionava mais; seu refúgio intocado nunca mais seria o mesmo depois desta noite.
Ele chegou a uma escada, rangendo os dentes e subindo o mais rápido que conseguia. Assassinos correram atrás dele, mas o conhecimento de Xander sobre o museu continuou a valer a pena e ele conseguiu ficar à frente. Ele irrompeu por uma porta, o vento batendo em seu rosto no momento em que ele tomou o ar fresco de Parque Alto. Sem fôlego, Xander girou e barricou a porta do deck de observação.
Não havia muito espaço na varanda. Era para ser um pequeno jardim de esculturas, um suspiro para apreciar o esplendor do horizonte entre algumas peças da coleção do museu. Xander caminhou até a borda, recuperando o fôlego.
Como ele amava essa vista.
Asas poderosas bateram atrás dele. Com um estrondo, o Adversário pousou.
“Você realmente achou que poderia escapar de mim?” Sua voz era como cascalho chocalhando contra puro ódio. “Indo para uma varanda!” Ele uivou de tanto rir, inalando ar para esticar o peito e expandir as asas para dar ênfase.
“Dificilmente.” Xander virou-se para encará-lo. “Eu pensei que sem seus capangas poderíamos ter uma luta limpa.”
“Eu não jogo limpo.”
Xander também não. Ele pulou para frente sem aviso. O Adversário foi desviar a espada com a mão nua, a boca fechada em um sorriso rosnado de prazer. Xander fintou, soltou-se sob o pulso do Adversário e girou para alcançar a ponta bem no ponto fraco sob a mandíbula do Adversário – a única carne vulnerável exposta em seu corpo blindado.
Mas o Adversário foi mais rápido. Talvez reforçado por Halo. Talvez por um mal maior do que Xander jamais poderia imaginar.
Xander nem viu o Adversário levantar a outra mão para apontar para ele.
O bang da magia reverberou por Parque Alto. Mas a última coisa que Xander ouviu enquanto cambaleava foi o barulho de sua espada de confiança, a ferramenta de sua infâmia, escorregando de seus dedos pela última vez. Seu pé encontrou o ar livre, e ele mergulhou nas nuvens abaixo.
CRESCENDO
Elspeth sacou a faca que Xander lhe dera e começou a empurrar a multidão. Os Cabaretti no palco deixaram cair a grande garrafa de Halo, a substância preciosa derramando uma cascata de arco-íris ao redor dos pés de Jinnie. O Halo borbulhava como se estivesse fervendo, evaporando como explosões estelares e anéis.
“Jetmir!” Jinnie gritou sobre a multidão. Giada, esquecida, avançou para o fundo do palco, as mãos enluvadas cobrindo a boca em choque.
“Jetmir!” Os olhos de Jinnie pousaram em um ponto distante, no meio da sala. Elspeth seguiu seu olhar, vendo o leonino com chifres que governava os Cabaretti, encurralado e em menor número. Jinnie saltou para a briga, armas em punho, deixando Giada para trás.
Choque e fúria percorreram Elspeth, e ela canalizou as emoções em um golpe rápido em um possível atacante, tornando-o inofensivo em um instante. Giada era a preciosa fonte deles. Ela estava dando sua vida pelos Cabaretti e seu Halo. E para quê? Para ser abandonada. Claro, Jinnie havia deixado agentes da Cabaretti com ela. Mas eles não eram suficientes para lidar com os outros sete que estavam escalando o palco.
Dando cotoveladas, espremendo pessoas, saltando sobre corpos, Elspeth abriu caminho através do sangue e do caos até o palco. Ela saltou para a plataforma quando o último dos guardas Cabaretti caiu, transformado em peneira pelos seguidores do Adversário que agora avançavam sobre Giada. Elspeth não perdeu um segundo. Ela golpeou a ponta da faca na nuca de um à sua direita. O homem à sua esquerda tentou golpeá-la, mas Elspeth estava preparada para o movimento e agarrou-o pelo pulso, segurando-o de tal forma que seus dedos se quebraram. Ela girou quando um terceiro se lançou sobre ela, jogando o homem no novo atacante.
“Giada,” Elspeth disse calmamente, apesar do caos crescente. Ela se ajoelhou diante de Giada, olhando em seus olhos escuros, não muito diferentes dos de Elspeth. “Você gostaria que eu te tirasse daqui?”
Giada inspirou lentamente, a respiração estremecendo no final. “Sim.” Ela falou pela primeira vez de uma maneira que parecia esperançosa. “Eu conheço uma porta de saída pelos fundos.”
Elspeth assentiu e se levantou, olhando por cima do ombro para os agressores, tremendo com gemidos. Outros haviam notado as duas no palco e estavam começando a atacar.
“Por aqui.” Giada puxou sua mão, e Elspeth a seguiu pelo palco. Elas passaram pelos painéis de cortinas verde-floresta e entraram nas alas. O veludo pesado abafava seus passos. Mas também escondia aqueles que as perseguiam.
Elspeth forçou sua audição para escutar seus perseguidores. “Abaixe-se!” Elspeth colocou seu peso nos calcanhares, segurando a mão de Giada.
Ela girou a adolescente em sua direção, envolvendo um braço em volta de seus ombros e trazendo Giada para o chão com ela enquanto uma lâmina rasgava a cortina à sua direita. Elspeth soltou Giada, levantando-se. A julgar pelo rasgo, ela poderia fazer uma avaliação confiante quanto à constituição de seu atacante. E quando sua adaga afundou no estômago de um homem com um gorgolejo, ela sabia que estava certa.
Dando um passo para trás, Elspeth deu uma cotovelada em Giada. “Continue.”
Se Giada estava abalada, não deixou transparecer. Ela correu para a escuridão com Elspeth logo atrás. Ela supôs que Giada tinha visto coisa muito pior durante seu tempo com os Cabaretti. O pensamento a encheu de uma profunda tristeza.
Giada era apenas uma criança. Como sua vida tinha sido até agora? Elspeth duvidava que tivesse sido algo próximo de bom. Ela conhecia uma prisão quando via uma, mesmo que não houvesse grades e os guardas estivessem vestidos de lantejoulas e ouro.
“Ali,” Giada sussurrou, apontando para a esquerda enquanto eles emergiam das cortinas que pendiam ao longo das asas. Elspeth a seguiu através de adereços empilhados e caixas de instrumentos musicais. Mais dois homens as alcançaram, mas Elspeth rapidamente lidou com os dois. Se ela tivesse tempo, ela esconderia os corpos para cobrir seu rastro, mas era melhor que elas continuassem em movimento. Assim que estivessem fora, elas poderiam entrar na cidade e se misturar entre a população.
Giada grunhiu enquanto abria uma pesada porta nos bastidores. Elspeth colocou o ombro para ajudar. A porta não era usada há algum tempo e rangiu alto ao permitir o acesso a um beco.
Os capangas do outro lado as viram antes que tivessem dado mais de dois passos, sem dúvida alertados de sua presença pelo barulho das dobradiças. Elspeth amaldiçoou sua sorte. Se eles tivessem olhando para o outro lado, ela poderia conseguir derrubá-los.
“Eu sei, fique bem perto.” Elspeth estendeu sua faca. O que ela não daria por uma lança ou espada.
“Parece que temos duas fugitivas,” disse um dos guardas.
“O Adversário nos disse que não é para ninguém sair vivo – desculpe, senhoras.” O outro estalou os dedos.
“Devemos chamar reforços?”
“Não, acho que podemos lidar com essas duas sozinhos.”
Elspeth podia dizer por seus sorrisos que esses guardas a subestimavam. “Eu gostaria de ver você tentar.”
Sem aviso, um flash verde brilhou no ar de algum lugar atrás delas. Carregada com magia e uma chama esverdeada, a flecha explodiu com um uivo em um fantasmagórico lobo viridiano. Ele caiu nas costas de um dos seus primeiros atacantes, jogando-o no chão. O homem gritou uma obscenidade, tentando se afastar, mas o lobo espectral afundou suas garras.
As bestas de tons verdes acabaram rapidamente com os dois capangas, suas presas afiadas mais efetivas do que a faca de Elspeth. Giada agarrou-se à cintura de Elspeth, meio escondida enquanto as criaturas se viraram para as duas. Emergindo de sua névoa espectral estava Vivien.
“Eu disse que iria encontrá-la novamente.”
“Vivien.” Elspeth deu um suspiro de alívio e então olhou para Giada. “Vivien é uma aliada; pode confiar nela.” Elspeth torcia.
A expressão de Vivien se transformou brevemente em surpresa, mas ela não se opôs às afirmações de Elspeth. “Tenho notícias para você, sobre o assunto que discutimos pela última vez. Mas primeiro, vamos a algum lugar seguro.”
Elspeth e Giada estavam no meio do beco, quase perto de Vivien, quando a porta do teatro se abriu atrás delas, arrancada das dobradiças. O barulho ecoou alto quando a porta derrapou até parar. Jinnie, Jetmir e um grupo de Cabaretti saíram pela porta fumegante.
“Ah, graças a Deus, Elspeth,” Jinnie deu um suspiro de alívio. “Obrigada por manter Giada segura.”
Elspeth deu um aceno cauteloso, continuando a recuar. Giada seguiu seu exemplo, movendo-se em conjunto com Elspeth. Ela olhou para a adolescente, que lhe deu um olhar preocupado em resposta.
O mesmo pavor que encheu Elspeth quando Giada subiu ao palco voltou com força.
“Venha, temos uma passagem secreta pelo teatro. Traga Giada para cá.”
Não. A palavra apareceu clara e verdadeira, ressooando das profundezas do ser de Elspeth. Sob nenhuma condição ela deveria devolver Giada para aquelas pessoas que iriam usá-la e aprisioná-la.
Mas não era escolha de Elspeth.
Elspeth olhou nos olhos de Giada, tentando se comunicar sem palavras. Farei o que você desejar, ela pensou, mas não disse isso abertamente. Ela não iria audaciosamente contra os Cabaretti antes de conhecer os desejos de Giada. O que você quer?
A mão de Giada deslizou na dela e ela deu um puxão leve, muito parecido com quando elas começaram a fuga.
“Estamos indo para algum lugar seguro. Voltaremos quando as coisas estiverem calmas,” Elspeth respondeu.
“Nós estamos ‘em algum lugar seguro’.” A natureza geralmente jovial de Jinnie começou a desaparecer. Embaixo estava a mulher que ganhou sua posição como filha adotiva de Jetmir e sua mão direita. Ninguém subiu tão alto quanto ela em Nova Capenna sem deixar um rastro de sangue para trás.
“É melhor nos separarmos, por enquanto.”
“Traga Giada para mim.” Jinnie começou a avançar.
Elspeth apertou sua faca mais fortemente. Ela não queria lutar contra Jinnie. A mulher não tinha sido indelicada com ela, mas também era ela que transformaria Giada em uma ferramenta. Antes que Elspeth pudesse se decidir — lutar ou fugir — uma flecha verde fez um arco no alto.
Ele explodiu em uma besta muito maior que um lobo. Arranhando-se para apagar a chama viridiana, os contornos de um dragão escamoso encheram o beco. Duas poderosas asas se estenderam até o topo dos prédios ao redor. Elspeth só podia ver a parte de trás do dragão espectral, mas se a frente fosse, pelo menos, metade imponente, não havia como Jinnie chegar até elas.
Elspeth olhou por cima do ombro para Vivien, que baixou o arco. Flechas de penas verdes ardiam em sua aljava, iluminando as tranças na lateral de sua cabeça.
“Vamos?” Vivien deu um pequeno sorriso.
As três correram para a noite.
MUSEU
“Menos arrogante agora, não é?” Ob Nixilis limpou as cinzas das mãos. O poderoso chefe dos Maestros, o infame Xander, mestre assassino. Não é mais o mestre de nada. Ob Nixilis puxou a respiração e cuspiu no corpo mutilado que jazia a seus pés. O vampiro mal era reconhecível após a queda, especialmente depois que Ob Nixilis descarregou algumas de suas frustrações na tenacidade frustrante do vampiro.
“Chefe.” Um jovem correu para fora do prédio, parando quando viu a carnificina. Ele era um Maestros. Ob Nixilis desejou poder ouvir o que se passava na cabeça do homem quando ele pôs os olhos no corpo mutilado do assassino que uma vez tanto reverenciou.
“O que é?” Ob Nixilis exigiu.
“Eu…” O jovem engoliu em seco e tirou os olhos dos restos de Xander. “Tenho notícias do Crescendo.”
Ob Nixilis percebeu pelo olhar inconstante do homem e pela postura incerta que as notícias não seriam boas. E se ele ia receber más notícias, então ele adoçaria com um pouco de tormento primeiro, fazendo o garoto suar. “Bom. Conte-me do meu triunfo.”
“Todo mundo estava posicionado, exatamente como você ordenou. Rapidamente assumimos o controle da situação no Vantoleone.”
“Mas?” Ob Nixilis encorajou, permitindo que sua voz ficasse perigosamente quieta.
“Mas…” Ele lutava pelas palavras, desmoronando sob o peso do olhar de Ob Nixilis. “A Fonte escapou.”
Ob Nixilis agarrou o homem pela garganta e o ergueu no ar. Ele balançava como uma boneca de pano, chutando impotentemente, agarrando instintivamente as braçadeiras que Ob Nixilis usava. “Diga-me, como a Fonte escapou se todos estavam ‘onde deveriam estar?’”
“Nós – nós não – havia outra – não contabilizada,” o homem ofegou.
Ob Nixilis forçou um pouco seu aperto e brevemente fantasiou sobre apertar com tanta força que a cabeça do homem saltaria como uma rolha. Mas ele suavizou seu aperto. Ele ainda precisava desses amadores inúteis para fazer seu trabalho sujo. O homem caiu no chão, arranhando seu pescoço já machucado, ofegando por ar.
Ob Nixilis olhou de volta para os restos de Xander. Ele fez uma careta, mas não para a carnificina que ele produziu. Não… ele estava desgostoso consigo mesmo. Ele tinha perdido alguma coisa. Mesmo do além-túmulo, Xander havia brincado com ele.
“Não importa,” ele rosnou. “Eu vou encontrá-la, mesmo que eu tenha que queimar esta cidade até o chão.”
“Chefe, os Cabaretti estão praticamente neutralizados…” Quatro outros oficiais saíram correndo do museu, parando a poucos passos de seu amigo ofegante. “Vemos que você já sabe.”
“Sim, eu fui informado de seu fracasso.” Ob Nixilis forçou as palavras com os dentes cerrados com tanta força que sua mandíbula estalou. “Os Maestros estão na mão. E os outros?”
“Jetmir escapou, mas ficou gravemente ferido. Cabaretti vai desmoronar assim que ele cair – e vamos garantir que isso aconteça,” relatou um deles.
“Os Mediadores e Obscura rastejaram para seus buracos e sombras, embora nós também os perseguimos. Os Rebiteiros estão completamente comprometidos. A luta está quente na Caldaia; em breve teremos a situação sob nosso controle.”
Ob Nixilis estalou os dedos e virou a cabeça. “Quero as cabeças das famílias. Todas elas. Traga-me cada uma, presa no pescoço ou não.”
“E a Fonte?” o único de seus generais ainda corajoso o suficiente para falar perguntou.
“Dois de vocês – liderem a caçada por Jetmir e Jinnie. Se alguém sabe como rastrear a Fonte, serão eles. Os outros dois, formem nossos próprios grupos de busca pela Fonte. E quando você encontrá-la, traga-a para mim, e seus copos nunca ficarão vazios e suas famílias não terão falta de nada.”
RUAS DE NOVA CAPENNA
“Nunca deixa de me surpreender a rapidez com que as coisas saem do controle quando o equilíbrio é perturbado.” Vivien avaliou enquanto recuperavam o fôlego.
“Para onde estamos indo?” Giada perguntou.
Elspeth estava com o cérebro derretendo. Os lugares onde ela se escondeu ao chegar agora estavam em chamas. Os Maestros também não eram uma opção.
“Eu tenho uma ideia.” Elspeth recordou sua segunda missão para Xander. “Há um armazém não muito longe daqui – está abandonado. Pode ser seguro.”
“Eu não sei por que você se incomoda,” Vivien disse baixinho para apenas Elspeth ouvir. “Essas brigas de família não são a verdadeira ameaça.”
“Eu não me importo com as famílias agora.” Elspeth virou-se para esconder o rosto de Giada para que sua companheira não ouvisse. “Eu me importo com uma jovem que está em perigo.” Que merece muito mais do que ela já teve. Elspeth teria dado qualquer coisa quando estava presa e indefesa nos primeiros anos de sua vida para ter alguém lutando por ela. Não tinha ninguém lá. Ser essa pessoa para Giada agora parecia quebrar um ciclo, era como dar esperança à garota assustada e presa que ainda existia no fundo da alma de Elspeth.
“Então nós deixamos segura e saímos.” Vivien cruzou os braços. “Você e eu temos assuntos mais urgentes para tratar. Coisas que só pessoas como nós podem lidar.”
Elspeth tinha mil perguntas urgentes sobre o que Vivien havia encontrado, mas as guardou para si por enquanto. Haveria tempo para perguntar quando não estivessem mais fugindo para salvar suas vidas.
“Ficou claro?” Vivien perguntou, direta, mas não indelicada.
“Perfeitamente. Deixamos Giada a salvo e depois seguimos em frente.”
“Bom. Agora, vamos para este armazém.”
“Eu vou, mas primeiro, vou voltar para a sede do Maestro.” Elspeth foi em direção a uma escada próxima. “Eu preciso de uma arma melhor do que uma faca. Vocês duas esperem aqui até eu voltar. Se algo der errado, nos encontramos no banco em Park Heights.”
“Entendido.” Vivien sabia exatamente o que Elspeth queria dizer.
“O que?” Giada agarrou sua mão. “Eu vou aonde você for.”
“Eu não acho que seja uma boa ideia. É muito arriscado trazer você para o covil de outra família,” Elspeth disse gentilmente.
Giada considerou por um momento, soltou Elspeth, então disse: “Você está certa. Vou esperar aqui com Vivien.”
Elspeth conseguiu chegar a um dos elevadores populares sem grandes problemas. Houve alguns oportunistas que cometeram o erro de tentar atacá-la ao longo do caminho, mas Elspeth conseguiu lidar com eles com facilidade.
Ela sabia que algo estava errado no momento em que se aproximou do museu. Não havia guardas na frente. Cinzas estavam espalhadas na escadaria da entrada, deixando-a pálida como um osso. O ataque do Adversário não foi apenas no Crescendo esta noite.
Felizmente, seu tempo catalogando todas as várias peças da coleção de Xander deu a ela um conhecimento profundo do museu. Ela usou uma porta lateral da recepção, quebrando a fechadura com sua faca e tornando a lâmina inútil. Ela estava empenhada em encontrar uma nova arma agora.
Elspeth rastejou pelos corredores escuros. O fedor da morte estava pesado no ar. Ela quase podia sentir uma presença sinistra espreitando os corredores na forma de inimigos que ela ainda tinha que encontrar, mas estava determinada a que isso não acontecesse. Ela se escondeu no segundo que ouviu passos, então usou duas salas conectadas para contornar o barulho e entrar em um dos arsenais.
Qual arma pegar? Elspeth examinou suas escolhas. Havia punhais, chicotes, espadas. Vozes a fizeram congelar.
“Você não acha mesmo que foi a nova recruta, não é? Aquela por quem Xander parecia estar de olho?”
O estômago de Elspeth se revirou. A forma como o homem falou sobre Xander, o estado do museu… ela sabia o que tinha acontecido aqui. Suas mãos se fecharam em punhos.
“Parecia com ela.”
“O Adversário a considerou como o alvo número um, e os Cabaretti dizem que ela foi desligada também. Não importa se foi ela quem pegou a Fonte ou não, ela não tem para onde ir; ela estará morta em breve.”
Eles estavam todos atrás dela agora, começando com os dois que se aproximavam rapidamente do arsenal. Ela fortaleceu sua determinação e virou-se para as armas. Esconder ou diminuir sua habilidade e poderes de agora em diante seria inútil. Seria uma espada então.
Ela não teve tempo para avaliar cuidadosamente qual espada tinha o melhor peso para seu corpo. Ela passou as mãos sobre os cabos, imaginando se uma delas era a arma que Xander havia mencionado quando eles falaram pela última vez. As vozes estavam se aproximando. Ela escolheu uma por puro instinto e fugiu para a noite.
A maneira como aqueles homens falavam a fazia parecer um alvo fácil.
Ela ia provar que todos estavam errados.
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