Mtg Lore

Compêndio da Lore de Magic the Gathering

EPISÓDIO 01: DE VOLTA AO LAR

TEMPLO DOS DEUSES

Vitória e traição tinham o mesmo gosto – sangue. Ele encheu a boca de Elspeth, escorrendo pelos cantos com o choque dela. Ela agarrou a lança familiar como se pudesse arrancá-la das mãos de Heliode e libertar a si mesma da lâmina. Mas a força estava se esvaindo mais rápido de seus dedos do que a vida de seu corpo.

Ajani rugiu de longe, longe demais para chegar até eles. Mas o que ele faria se pudesse? Estavam ambos cansados e feridos da batalha contra Xenagos e, mesmo se não estivessem, não havia motivo agora. Sua vida estava entregue desde o momento em que ela fizera um acordo com Érebo, deus dos mortos e inimigo jurado de Heliode, para trazer de volta seu amor perdido, Daxos. Ela já havia apostado com sua vida. Heliode estava apenas acelerando o processo e cimentando sua vingança por todas as transgressões dela.

“Carregue-a de volta para o mundo mortal, leonino. Entregue-a para Érebo,” o deus comandou Ajani. Com um puxão, o deus arrancou a Mensageira dos Deuses – a espada que ela tinha encontrado originalmente como uma espada dos céus e que Heliode havia transformado em uma lança e tornado responsabilidade dela, seu fardo. Sem seu suporte, Elspeth caiu, seus joelhos chocando-se na pedra dura do chão no Templo dos Deuses. Ela sentiu todo o peso da sua mortalidade, esmagando-a enquanto seu corpo lentamente sucumbia aos ferimentos.

“Se morrer aqui, ela dispersará para o vazio,” os olhos de Heliode se estreitaram, seu brilho divino marcado pelo desdém. Elspeth lutou por palavras. Mas não havia nada a ser dito. Ela e Ajani haviam lutado para chegarem em Nyx e assassinarem Xenagos e corrigiram os erros que ela tinha causado. Eles haviam ganhado.

Mas sua vitória não desfez suas transgressões e apenas endureceu o desprazer frio de Heliode. Ele ressentia-se dela por seus poderes misteriosos, pelos seus acordos, por ter matado um deus. Heliode não tinha sentimentos positivos por ela agora.

“Elspeth!” a delicadeza usual de Ajani deu lugar a movimentos arrastados e dispersos enquanto ele corria em direção à ela.

Ela pressionou a mão contra o ferimento mortal em seu estômago, por mais inútil que fosse. Instinto, na verdade. “Ajani,” ela murmurou, tentando levantar a cabeça. Mas era pesada demais. Seu corpo estava se tornando chumbo.

Os braços dele a envolveram. O mundo girou enquanto Ajani a carregava por um portal para fora do mundo divino e de volta ao mundo mortal de Theros. Seu amigo a colocou no chão cuidadosamente.

“Aguenta firme,” Ajani pediu, agarrando a mão dela. “Eu vou encontrar ajuda.”

Elspeth piscou, cada vez mais devagar do que a anterior. Ajani estava lá e então ele não estava mais. Sua visão estava ficando embaçada, oscilando entre desfocada e dolorosamente nítida. A ausência dele ficava mais dolorosa a cada segundo. Frio. Volte. Ela não queria morrer sozinha, mas ela não tinha mais forças para chamá-lo.

Gritos distantes passaram por ela. Uma grande batalha estava acontecendo? Ou esses eram ecos da batalha deles contra Xenagos perpassando seus últimos pensamentos? Nada disso importava. Seus dias de batalha estavam escorrendo para longe, empoçando-se embaixo dela.

Com suas últimas forças, Elspeth olhou em direção ao céu. O que ela estava procurando ela não sabia. Talvez não estivesse procurando nada. Um lugar escuro entre as estrelas para focar. Silêncio. Paz.

Uma expiração suave escapou por seus lábios. Ela tinha passado tanto tempo buscando um lugar para descansar, para simplesmente estar; talvez ela finalmente o encontrasse na morte.

A última coisa que ela viu foi um clarão, dividindo o céu em dois.

MUSEU MAESTRO

Desordem suntuosa: tanto um padrão estético quanto um modo de vida em Nova Capenna.

A cidade impossível satisfazia-se em fortes linhas douradas que elevavam-se e dividiam-se em delicadas ferragens. As decorações espelhavam as paisagens aquáticas e a fauna dos jardins suspensos que eram as marcas dos Parques Elevados. Se Xander pudesse capturar aquilo em um movimento de pincel ou caneta, ele o faria. Mas seus talentos nunca abrangeram pintar paisagens.

Arte de Grady Frederick

Ainda assim, a cidade conhecia a marca dele tão bem quanto a de famosos criadores. Ele a havia pintado de sangue muitas vezes.

Xander coçou a barba, um pequeno sorriso curvando seus lábios. Aqueles dias foram divertidos, de fato. Os dias de um jovem, de um homem que agora ele tinha distanciamento o suficiente para perceber que faltava certa… delicadeza. Refinamento, por assim dizer.

Como ele gostaria de poder voltar e repetir alguns de seus primeiros assassinatos. Executá-los melhor. Se ele tivesse as habilidades conquistadas a duras penas e o controle que ele possuía agora com o corpo que ele tinha antes – livre da velhice, feridas doloridas e doenças – Nova Capenna conheceria o verdadeiro medo. Mas o tempo continuou sua marcha, carregando ele e Nova Capenna consigo. A cidade que um dia ele rondou estava desaparecendo perante seus olhos e ultimamente ele preferia muito mais a companhia da tela e da escultura do que da lâmina e da marca.

Era um verdadeiro milagre que a cidade ainda estivesse de pé. Ela se erguia dos grandes vazios das cidades navais há muito abandonadas, um testamento do poder – ou talvez da arrogância – de seus fundadores há muito esquecidos. A barreira que esses construtores haviam deixado para trás resistia, o último bastião de esperança contra um grande e esquecido mal. Mas o perigo que Nova Capenna enfrentava agora não era externo, mas uma podridão corroendo-a internamente. As frágeis alianças que alimentaram a paz entre as cinco famílias que governavam a cidade estavam sendo esticadas até o ponto de ruptura de onde provavelmente não haveria retorno. Alguns relacionamentos, uma vez quebrados, não poderiam ser consertados. Tudo que Xander podia fazer agora era assegurar que ele e sua família estariam do lado vencedor ao final de tudo.

Uma batida na porta interrompeu os pensamentos que estavam preocupando-o durante toda a tarde. Xander puxou um relógio de bolso e conferiu o horário. Alguns minutos atrasado. Passável. “Entre.”

“Minhas desculpas,” Ahnelo disse com uma mesura da cabeça. Ele continuou sem erguer o rosto; fazia ele parecer quase pequeno embaixo dos lustres e opulência avassaladora da sala. “Os assuntos demoraram um pouco mais do que o esperado para se resolverem.” Preocupação pesava em suas palavras.

“Você não estava atrasado. Você estava me dando mais tempo para apreciar a nova paisagem ao redor.” Xander apontou para a janela. Trabalhadores estavam ocupados nos jardins suspensos que ele admirava durante todo o dia, trocando flores e podando. A vastidão verde era impressionante de ser observada, costurada por riachos e quedas d’água artificiais, cascateando pela lateral do prédio oposto ao museu.

“Ainda assim, não é–”

“Não foi um problema,” Xander disse com a voz firme ao final da afirmação. Ele não precisava das prostações de Ahnelo ou de suas hesitações verbais. Tudo que Xander exigia de seu Diácono era lealdade. Incondicional, inabalável, inflexível. E isso ele já tinha de sobra. “Agora, pare aqui, eu preciso fazer algumas modificações em seu traje antes de seu próximo trabalho.”

Ahnelo atravessou a sala até um pedestal baixo e subiu nele. Xander fez o mesmo, ignorando a bengala apoiada em sua mesa. As velhas feridas não doíam tanto hoje, o que era conveniente, já que ele precisava das duas mãos para tirar as medidas de Ahnelo.

“Como está Mezzio hoje?” A fita deslizou pelos dedos de Xander, ainda ágeis depois de todo esse tempo, enquanto ele confirmava os últimos números.

“Como você sabe que eu estava em Mezzio?” Ahnelo parecia mais entretido do que preocupado.

“O que eu não sei?” Na verdade era o cheiro. Os óleos dos engraxates combinados com os aromas dos mercados abertos, o incenso das cartomantes acima de tudo, e os subtons de suor dos salões de dança; era um perfume único que se impregnava nas roupas e era distintamente o Mezzio. Ele se agarrava às pessoas como se fosse um cartão de visitas enviado para atrai-los de volta ao centro da cidade, sussurrando docemente sobre perigo e decadência.

O canto da boca de Ahnelo repuxou para cima em um lado, uma marca registrada que revelou uma de suas presas vampíricas. “E é por isso que você comanda essa cidade.”

Xander riu, baixando a fita e correndo os dedos pela seleção de ombreiras que ele tinha escolhido de sua coleção. As vestes de Ahnelo estavam sem há algumas semanas e aquilo simplesmente não poderia continuar. Além disso, ele precisava de algumas mudanças se quisesse se misturar adequadamente à plebe dos níveis inferiores.

Arte de Christian Dimitrov

Cada nível de Nova Capenna tinha seus próprios… charmes, dos níveis mais baixos da utilitária Caldaia, reimaginada de modo medonho por Ziatora e seus Rebiteiros, até o movimentado centro da cidade, Mezzio, afogado nas oportunidades e crimes que os Cabarreti tinham prometido. O nível favorito de Xander era, de longe, seu museu nas celestiais extensões dos Parques Elevados. Que era um dos motivos que ele raramente saia e que fazia Ahnelo ter que vir até ele.

Arte de Christian Dimitrov

Se eu realmente controlasse essa cidade,” Xander divertiu-se, finalmente escolhendo uma ombreira que se ligaria a um colarinho de aço. Era mais próxima do queixo do que Ahnelo preferia. Mas o Diácono usava suas camisas abertas demais na opinião de Xander e quando se tratava de moda ninguém tinha um olho melhor do que ele.

“Algo está preocupando-o.” Ahnelo continuou olhando para frente enquanto Xander colocou a ombreira, testando o encaixe.

“Muitos algos.”

“Posso perguntar o que eles são?” Os olhos pálidos de Ahnelo perscrutaram seu rosto. Ansiosos, mas não exigentes.

“Por onde começar?” Xander tinha retornado para sua mesa, ombreira de volta no lugar com o resto da seleção. Agora ele examinava adagas, anéis de veneno, anéis que também funcionam como socos ingleses, e seu favorito, braceletes silenciadores que reduziam os barulhos e os brilhos da magia para quase nada, a ferramenta perfeita para um assassino. “Isso, eu suponho,” Xander escolheu tanto as algemas quanto um pensamento. “O equilíbrio de poder nessa cidade está mudando.”

“Eu ouvi os rumores – chamam ele de o Adversário.”

“Eu estou menos preocupado com um oportunista nas sombras do que com os suplementos de Halo. O Adversário é um bruto e um sintoma. Não é o problema.” Halo – a substância mágica que vinha sustentando o poder e a vida dentro de Nova Capenna por anos  tinha uma fonte decrescente. Desespero por poder tornava os homens desajeitados e impetuosos. E não havia poder maior do que Halo. Se um dia acabasse, com certeza isso espalharia anarquia por Nova Capenna.

“O Adversário está ganhando posições na cidade. Ele é mais do que só um oportunista.”

Xander sabia muito bem a posição que o Adversário estava conquistando. O homem estava tortuosamente conquistando os oficiais dos Maestros, prometendo a eles um fornecimento confiável de Halo em troca. Xander não se importava com os desleais sendo afastados dele. Mas onde esse Adversário estava conseguindo a substância mágica era um mistério. Um que Xander estava determinado a resolver.

“Talvez,” Xander refletiu enquanto colocava as braçadeiras nos pulsos de Ahnelo. “Mas o Adversário não ganharia poder sem um acesso rápido a Halo.”

“Você acha que ele está trabalhando com os Cabaretti? Eles tem acumulado reservas.” Ahnelo abriu e fechou os dedos, sem dúvidas testando sua mágica contra os braceletes.

“As demandas dos Cabaretti estão altas devido às preparações para o Crescendo. Se o Adversário tivesse acesso a Halo e estivesse trabalhando para eles, os Cabaretti já teriam consumido sua reserva.” Ahnelo considerou aquilo e, com seu silêncio, Xander continuou, “O que me preocupa mais, em relação aos Cabaretti, é esse rumor de uma nova “reserva” que eles pretendem revelar durante as celebrações do Crescendo. É nisso que vou precisar que você foque – obter informações sobre o que é essa fonte a qualquer custo.”

“Espionar? Parece um trabalho para a Obscura, não?”

A família Obscura era especializada em ilusões, distrações e manipulações. Era uma pergunta natural e veio como curiosidade, não como acusação, e Xander ignorou a afronta à sua posição. Poucos nos Maestros possuíam a liberdade para questioná-lo tão abertamente. “Para questões envolvendo Halo, prefiro deixar os trabalhos dentro de casa e com o homem que eu mais confio. Ninguém vai saber dessa missão além de você.”

O sorriso de Ahnelo sumiu. Ele sabia que algo profundo estava oculto, que Xander tinha certeza. Ahnelo era seu braço direito, seu Diácono, e ele não tinha alcançado a posição sem atenção aos detalhes.

“Há mais que você não está me contando.”

“Não é sempre assim?” Xander retornou para a mesa de ferramentas, pronto para abandonar a conversa. Por mais que ele confiasse em Ahnelo, informação era como Halo – um pouco deixava um homem forte e o excesso deixava um homem imprudente. “Acredito que só falta isso para finalizarmos suas roupas.” Ele entregou um anel para Ahnelo.

“O que isso faz?”

“Parece terrivelmente bonito.”

Ahnelo riu junto com ele. Mas o tom de Xander rapidamente ficou sério novamente. “Nós devemos permanecer um passo à frente. Os poderes de Nova Capenna estão mudando e se não tomarmos cuidado nosso poder se esvairá debaixo de nossos pés. Os Maestros mantiveram influência por tempo demais para a perdemos agora.”

“Eu não vou te desapontar.”

“Garanta que não.” Xander abriu espaço para que Ahnelo descesse do pedestal. Sua aparência final não era o que Xander geralmente aprovaria, mas era o que Mezzio esperava – prático enquanto mantinha bom gosto. Vanguardista sem esforço. “Eu ouvi dizer que os Cabaretti estão incansáveis em Mezzio. Volte lá e veja o que você consegue descobrir.”

Ahnelo partiu, mas ao invés de retornar para sua janela, Xander se encaminhou para o canto mais afastado da sala. Atrás de uma cortina estava uma sala para a qual só havia uma chave, que estava sempre com ele, dentro de um bolso escondido. O pequeno depósito estava abarrotado com todo tipo de relíquias antigas. Estátuas de anjos alados, presos em orações petrificadas, protegiam os textos que Xander havia matado para obter e proteger.

Aquelas eram as últimas histórias remanescentes da fundação de Nova Capenna, um tempo que ele deveria lembrar mas que se tornou obscuro após seu pacto. Xander ergueu duas luvas de algodão, vestindo-as antes de folhear o primeiro texto. Ele tinha lido aquelas palavras muitas vezes, mas ainda não tinha desistido de encontrar nos anais do passado a chave para seu futuro.

Arte de Martina Fackova

ESCRITÓRIO DO AVÔ CABARETTI

Um som animado ressoou até as arcadas elevadas de Vantoleone. O calor dos trompetes de cobre se entrelaçava com treliças de flores que se penduravam como lustres. Jinnie batia os pés delicadamente no carpete do escritório de Jetmir, no ritmo do som vibrante e das batidas dos pés dos patronos enquanto eles giravam no salão abaixo.

“Vá e junte-se à eles.” Jetmir riu e recostou-se em sua cadeira. “Esses assuntos podem esperar. Há uma festa acontecendo.”

“Sempre tem uma festa acontecendo.” Jinnie sorriu ironicamente e acariciou gentilmente o gato em seu colo. “Mas há apenas um Crescendo e eu quero garantir que esteja tudo absolutamente perfeito para ele.”

“Haverá outro Crescendo no ano que vem,” ele respondeu, brincando. “Considerando que o Plano não chegue ao fim até lá e que ainda haja novos anos para comemorar.”

Jinnie lutou contra um revirar de olhos. Jetmir sempre sabia quais botões apertar e como provocar. Mas isso era o que os pais deveriam fazer, mesmo os adotivos.

“Você sabe o que eu quero dizer.” De onde ela estava sentada no lado oposto da mesa de Jetmir, ela só podia ver o teto de vidro do Vantoleone e as figuras espelhadas brilhando contra ele. Era uma celebração decente, tão boa quanto as outras nos padrões dos Cabaretti. Mas Jinnie queria que todos os preparos para o Crescendo saíssem sem problemas. Era sua prioridade. “Tive respostas de quase todas as famílias, exceto dos Maestros.”

“E o Adversário.”

Jinnie afastou a ideia, fazendo com que o felino em seu colo lhe desse um olhar muito ofendido. Ela rapidamente voltou a coçar Muri entre as orelhas. “Não vale a pena convidar o Adversário. Fazer isso seria uma demonstração de respeito que ele não merece.”

“Às vezes é melhor mostrar respeito antes do momento devido. Nunca se sabe quando um pequeno amigo pode se tornar um grande aliado mais tarde.”

“Você realmente acha que ele pode formar uma nova família?” ela perguntou, incrédula.

“Acho que tudo é possível em Nova Capenna.” O tom de Jetmir sugou a leveza do ar e exigiu a atenção de Jinnie. Ela o conhecia há muito tempo – bem antes dele ser o rico chefe dos Cabaretti, e tempo suficiente para saber quando um assunto exigia seu foco. “Ele está começando a acumular poder, atraindo seguidores com promessas de riquezas e Halo.”

“Quem trai sua família porque acha que ter algum Halo concede licença para começar a sua própria família não vale o sangue em suas veias”. Suas palavras eram venenosas, sem um pingo de compaixão. A única coisa para a qual os traidores serviam era serem transformados em exemplos para outros pretensos vira-casacas.

“Eu não discordo.”

“Além disso, no momento em que a Fonte for revelada, tudo em Nova Capenna mudará e a Cabaretti estará no topo.” Só de dizer isso em voz alta ela teve um arrepio na espinha. O Plano estava prestes a sofrer uma mudança fundamental, e ela, como alguém que cresceu forte e influente apesar da negligência e do abandono, estaria no centro.

“Como está a Fonte?” Jetmir juntou os dedos, as garras batendo levemente. A luz brilhou em seu anel de sinete, um que Jinnie já beijou muitas vezes.

“Sob controle. Sem problemas,” Jinnie teve o prazer de relatar. “Tudo está como esperávamos, e ninguém está ciente da Fonte além do conselho interno dos Cabaretti.”

“Então o Crescendo será uma celebração para as eras.” Jetmir inclinou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada. Ele geralmente estava de bom humor. Como avô dos Cabaretti, ele tinha toda a razão de estar. Jetmir havia garantido que o mundo ao seu redor fosse uma celebração, cheia de comida, bebida e dança. Nunca foi difícil para Jinnie prometer sua vida a ele.

“Sem dúvida.”

“Agora, você deve voltar e se juntar às festividades da noite. Discutiremos os outros detalhes mais tarde. Você é adorável demais para ficar trancada neste escritório a noite toda.”

“Eu poderia dizer o mesmo para você.” Jinnie se inclinou, pegando sua bolsa. Tinha o mesmo brasão do anel de Jetmir e as pesadas argolas de ouro que ele usava como ornamentação em seus dois chifres em forma de meia-lua. Muri saltou de seu colo e entrou na bolsa. Seu outro familiar, um cachorro chamado Regis, ergueu o focinho de suas patas poderosas e a olhou com curiosidade. Ela se levantou, e a besta imitou seus movimentos. Jinnie contornou a mesa que estava entre ela e Jetmir, colocando a mão no cachecol de cashmere em volta do pescoço dele enquanto se inclinava para beijar sua bochecha levemente.

“Eu não sou adorável. Eu sou um velho.”

“Você não é tão velho assim!” Ela deu um tapa no ombro dele de brincadeira. “E todo mundo sabe que você ainda é a vida de todas as festas. É por isso que todo mundo quer ser um Cabaretti.”

“Eles só pensam isso porque eu financio essas festas.” Jetmir sorriu. Ela sabia que ele estava brincando. Os Cabaretti eram o coração pulsante da cidade. Eles eram alegria. Eles eram vida. Eles eram ritmo, música, som e cor. E logo seriam eles os responsáveis por dar à Nova Capenna a Fonte e todo o Halo que o povo sonhava.

“Isso não é verdade, e você sabe disso.” Ela voltou para sua cadeira, jogando um xale cravejado de joias sobre os ombros. Seus fios finos brilhavam na luz, parecendo que ela estava envolta em uma teia de aranha feita de diamantes. “Mas você está certo, eu devo voltar. Não quero deixar Kitt ou Giada sozinhas por muito tempo.”

“Dê-lhes os meus cumprimentos.” Jetmir se afastou de sua mesa, colocando seu próprio xale em volta dos ombros e pegando seu cetro. Na ponta estava o rosto de um leonino coroado — o símbolo da Cabaretti.

Arte de Ryan Pancoast

“Sempre.” Jinnie lançou-lhe um sorriso deslumbrante e saiu pela porta.

O escritório de Jetmir ficava no andar de cima do salão principal do Vantoleone. Cortinas viridianas estampadas com flores douradas e formas que lembravam penas de pavão que revestiam a bainha de seu vestido abafavam a música abaixo. Mas os sons voltaram com força quando Jinnie surgiu na entrada que levava à pista de dança.

Duas mulheres descansavam em um sofá próximo, exatamente onde Jinnie as havia deixado. As orelhas peludas de Kitt se contraíram, girando na direção de Jinnie antes da sua cabeça. Kitt sabia que era ela apenas pelos passos.

“E como vão os preparativos para o Crescendo?” Uma simples pergunta de Kitt tinha uma natureza lírica, como se sua voz estivesse sempre a um curto suspiro da música.

“Às mil maravilhas.”

“Meu solo está garantido?” A boca de Kitt se curvou em um sorriso.

“Docinho, você tinha alguma dúvida?” A atenção de Jinnie se fixou na adolescente ao lado de sua querida amiga. “E você, Giada, está animada?”

A jovem forçou um sorriso que não alcançou seus olhos ansiosos; a expressão quase torturada sempre foi estranha para Jinnie. Giada não queria nada, Jetmir oferecia seu sustento, abrigo e luxos. O ar ao redor dela estava cheio dos melhores perfumes. Suas unhas estavam perpetuamente cuidadas. Jinnie estava sempre presente para garantir que ninguém jamais encostasse um dedo no cabelo curto e escuro de Giada – atualmente preso com penas raras. Ela tinha tudo o que poderia desejar, além de sua permissão.

“Estou,” ela disse. Embora faltasse sinceridade nas palavras.

Jinnie se ajoelhou diante dela, pegando as mãos de Giada. “Bom, porque em pouco tempo, vamos mudar o Plano.”

PROFUNDEZAS DE CALDAIA

Vivien Reid estava caçando. Não estava em busca de presas, mas de algo que talvez nem existisse. Em busca de um equilíbrio que pudesse finalmente acabar com os fantasmas de Skalla que a assombravam a cada passo. Ela procurava um lugar – um povo – onde os mundos construído e natural estivessem em harmonia.

Mas ela estava aprendendo rapidamente que Nova Capenna provavelmente não seria aquele lugar.

Além desta cidade havia um plano desprovido de natureza e vida, caído em ruínas. Dentro de suas muralhas havia uma metrópole sintética de aço. Um templo para a indústria. Os padrões encontrados na arquitetura eram bastante naturais. Vivien podia distinguir as formas de palmeiras nas janelas abertas; o metal tinha sido martelado e polido para fazer lembrar cachoeiras. Mas quando havia vegetação de verdade, ela estava encapsulada em concreto e ferro, cuidadosamente cultivada e colhida para se assemelhar aos padrões em ziguezague encontrados em muitas das roupas dos cidadãos.

A natureza talvez existisse aqui, mas não era real. Este Plano estava desalinhado, dissonante e pesado em cada pólo sintético e natural, e ela não deu muita atenção a Nova Capenna antes de conhecer todas as partes. Sempre era assim quando a balança pendia muito em uma direção.

Ela entrou na cidade em um local central por meio de um dos muitos trens e seguiu de lá, longe das torres altas e relevos esculpidos de anjos que olhavam para a cidade com seus olhos vagos. Em vez delas, Vivien mergulhou na neblina avermelhada dos níveis inferiores, procurando alguma conexão perdida há muito tempo com a terra abaixo, escondida nas profundezas da fumaça e da sujeira. Raízes esquecidas, mas, ainda assim, duradouras.

As calçadas bem pavimentadas deram lugar a suspensas ruas de aço. Vivien atravessou vigas a pé tão confiantemente quanto os cidadãos. Os habitantes locais pareciam não ter nenhum problema em pular de viga em viga — saltando por seções ao ar livre com apenas um passo cuidadoso separando-os da morte certa. A cidade acima desse submundo era sustentada por colunas cortadas em pontos impossíveis, equilibrando-se nas pontas das pirâmides abaixo.

Ela tinha visto muitos lugares impressionantes em suas viagens. Mas isso era certamente uma maravilha por si só… contanto que ela estivesse disposta a ignorar os graves erros de rejeitar a natureza tão completamente.

Arte de Jake Murray

Um tumulto estridente irrompeu das portas abertas de um prédio próximo. Abandonando sua curiosidade inicial – uma bigorna cercada por chamas em uma plataforma próxima – Vivien saltou da viga que estava atravessando para uma mais baixa que se conectava às portas. A luz do aposento formava linhas claras através da fumaça e do nevoeiro. Vivien deslizou para dentro, seus movimentos suaves passando quase despercebidos. Aqueles que a viram não prestaram atenção. Eles estavam muito absortos no discurso.

“…não devem receber ordens das pessoas sentadas nas propriedades que construímos, bebendo o Halo que vem de nossas lojas,” uma voz trovejava sobre a multidão reunida, composta principalmente de pessoas com roupas de trabalhadores. A fonte das declarações era uma poderosa dragoa, empoleirada bem acima de todos eles. A julgar pela forma como a multidão atentava a cada palavra dela, a dragoa era claramente uma oradora habilidosa. “Os Cabaretti exigem muito para este Crescendo sem ampliar seus beneficiários. Os Mediadores se impõem em nossas ruas. E não tenho dúvidas de que os Obscura estão aqui mesmo entre nós à espreita, ansiosos para relatar a quem pagar mais, como os cachorrinhos que são.”

As massas aplaudiram em acordo. Algumas queixas resmungaram ao lado da dragoa. Uma nuvem de fumaça escapou de suas narinas antes que ela continuasse, “Eles fariam bem em se lembrar de não pisar nas mãos que constroem seus cabarés e salões. Alguns parafusos fracos e vigas velhas podem causar acidentes bem prematuros.”

“Você não é daqui.” Um homem embrulhado em casacos pesados, luvas, botas e um chapéu de abas largas se aproximou, interrompendo a atenção de Vivien.

“Nem você,” ela avaliou. Ele não era nada parecido com os outros trabalhadores do salão e seus trajes práticos.

Ele riu. “Eu, pelo menos, não estou vestindo roupas de outro Plano.”

Vivien se afastou da parede em que estava apoiada. Os olhos do estranho eram brilhantes e reluziam sob a sombra de seu chapéu. Algo no ar ao redor dele, na forma como ele se portava, fez sua pele se arrepiar. Ele era diferente. E apesar de não poderem ser menos parecidos, eles compartilhavam uma distinta irmandade.

Ele também era um planinauta.

“Ah, então você percebeu agora também. Venha, vamos trocar umas palavras antes que a multidão seja libertada da escravidão de Ziatora.”

O homem saiu pelas mesmas portas que ela tinha acabado de entrar, sem olhar para trás, confiando que ela o seguiria. Vivien olhou para ele e para a dragoa, ainda fazendo seu discurso. Entre os dois, ele aguçava mais o interesse de Vivien.

“Eu não estava procurando por outro planinauta esta noite… mas você é um achado muito melhor do que eu procurava.” Ele estava na beira de uma viga, olhando para a fumaça e o aço. “Há quanto tempo você está aqui?”

“Tempo suficiente.” O barulho do corredor desapareceu quando ela se aproximou. Ele começou a andar mais uma vez, ficando um passo à frente. Vivien o deixou conduzir, uma mão pronta para alcançar seu arco em um instante. Ela não veio aqui procurando briga, mas ela acabaria com qualquer um que fosse atrevido o suficiente para começar uma com ela.

“Suficiente para saber que há outros aqui como nós?”

“Outros?” Mais planinautas? Por quê? Ela tinha vindo aqui por motivos pessoais, mas agora parecia que ela havia pisado em algo mais profundo do que o esperado.

“O quanto você sabe sobre o Halo?”

“Pouco.” Ela tinha ouvido falar disso entre os cidadãos e supôs que tinha algo a ver com a substância iridescente que enchia as flautas dos foliões que passavam por ela. Mas Vivien não teve tempo suficiente para aprender mais do que isso.

“Este Plano vive disso e ele detém um poder incomensurável. O homem para quem estou trabalhando atualmente está no processo de adquiri-lo. Mas seus verdadeiros objetivos estão em outro lugar.”

“Que seria?”

“Ficou curiosa?” Ele olhou por cima do ombro com um sorriso. O som de metal batendo suavemente seguiu cada movimento seu.

“Talvez.” Vivien ainda não tinha certeza se confiava nele ou não, mas não precisava de confiança para obter mais informações dele.

“Bom, venha então. Urabrask estará ansioso para conhecê-la.”

Ela não se moveu desta vez quando ele começou a andar. “E qual é seu nome?”

Ele fez uma pausa, então falou sem olhar para trás. “Tezzeret, e tem pessoas esperando por mim, então se você puder se apressar.”

Vivien não se apressou. Ela não se mexeu. Embora nunca tivesse o encontrado antes, ela certamente tinha ouvido o nome Tezzeret. Eles lutaram em lados opostos durante a Guerra da Centelha, e ela sempre teve uma suspeita de que ele tinha acesso à Ponte Planar. Tezzeret não era alguém para ser subestimado. Se ele estava aqui, então havia correntes mais profundas, de fato.

“Vamos?” Ele parou quando percebeu que ela não estava seguindo.

“Vamos esclarecer uma coisa…” Vivien escondeu suas preocupações e suspeitas atrás de uma máscara de determinação e cruzou a distância entre ela e Tezzeret em alguns passos largos. Agora, ela caminhava ao seu lado. Ficou apertado na viga. Mas ela não cedeu nenhum espaço para ele. “Você não me dá ordens.”

Tezzeret suspirou em diversão. “Entendi.”

“Então, quem é Urabrask?” ela perguntou. Um amigo de Tezzeret a colocaria ainda mais em guarda.

“É complicado.” Os olhos de Tezzeret estavam distantes. Ele se concentrou em um ponto em algum lugar além do que Vivien podia ver. Ela conhecia aquele olhar muito bem; era o olhar de um homem que havia pisado entre o véu dos planos e testemunhado todos os horrores que muitas vezes eram encontrados entre eles. “Fará mais sentido quando você o conhecer. Mas, por enquanto, tudo que você precisa saber é que ele está do nosso lado.”

“E que lado é esse?”

“O lado da liberdade.”

ESTAÇÃO MEZZIO

Elspeth se assustou com o transporte que zuniu acima, chacoalhando em trilhos suspensos que estavam um pouco baixos demais para algo tão barulhento. Ela piscou várias vezes, os olhos ainda se ajustando às luzes brilhantes de Nova Capenna em comparação ao trem escuro. A cidade estava repleta de pessoas de todas as formas e tamanhos, vestindo todos os tipos de roupas estranhas.

Arte de Thomas Stoop

Edifícios se erguiam acima dela, conectados por um labirinto de trilhos e passarelas, decorados com sacadas e emblemas ornamentados que não diziam nada além de luxo. Cada teto parecia ser o andar de outro enquanto a cidade continuava a se estender cada vez mais para cima, atingindo alturas vertiginosas antes de mergulhar na cobertura de nuvens baixas.

Ela ajustou a mochila em seu ombro. Continha os poucos bens que ela poderia pensar em trazer quando transplanou para este plano. O pouco que ela ainda tinha depois de tudo o que ela passou.

Elspeth engoliu a sensação inicial de decepção de que a cidade não era o que ela esperava. Quais expectativas razoáveis ela poderia ter? Nenhuma. Era injusto ter noções preconcebidas enquanto procurava um lugar que ela havia deixado de acreditar que existia há muito tempo.

“Lar,” murmurou Elspeth, vendo se a palavra se encaixava em Nova Capenna quando dita em voz alta. Não ajudou muito. “Ajani disse que era aqui.”

Seu amigo nunca mentiu para ela e sempre deu conselhos sólidos, mesmo quando ela não queria ouvir. Ela tinha todos os motivos para confiar nele. Se ele disse que este era o lar dela, então certamente deveria ser. Ela esteve procurando, sonhando e ansiando por este momento por tantos anos…

Então, por que ela nunca se sentiu tão deslocada?

Arte de Sam Chivers

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Testimonial #1 Designation

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Testimonial #2 Designation

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Testimonial #3 Designation

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