Mtg Lore

Compêndio da Lore de Magic the Gathering

EPISÓDIO 09: OS ANTIGOS PECADOS DE NOVA PHYREXIA

K. Arsenault Rivera

Escreveu os arcos de Voto Carmesim e Innistrad: Caçada à Meia Noite.

Séculos atrás, os anjos afastaram o óleo da morte-vida de Nova Capenna. Por séculos, as pessoas em Nova Capenna estiveram a salvo da invasão do inimigo. Eles emprestaram esse conhecimento sobre o inimigo para suas irmãs em outros planos – assim, o Multiverso permaneceu vigilante sobre a ameaça que se aproximava. Foi bom.

Já não é o suficiente. Suas proteções falharam.

Agora, o Multiverso clama por ajuda.

Outro anjo – corrompido e sombrio – chegou a Nova Capenna para ceifar os frutos semeados pelo pecado de seu povo. Ela abre caminho pelas defesas da cidade como uma lavradora debulhando trigo. Prédios que permaneceram por gerações desabaram em instantes; vidro e sangue encheram as calhas; máquinas de guerra roncam pelas ruas que antes eram cheias de carros.

Pedra ganha vida. Anjos que esperaram séculos para servir novamente ouvem o chamado do clarim para a batalha. O que eles esperaram, senão isso? Armas radiantes cortam as carapaças de monstruosidades imponentes. Asas protegem aqueles que fogem do ataque de porcelana do inimigo. Por horas eles empregam sua força. Aqueles que são despedaçados pelo armamento phyrexiano se desmaterializam no final – como Halo, aquela essência angelical brilhante, eles ainda conseguem servir.

Mas os exércitos de Phyrexia são dez mil, e há muito menos anjos em Nova Capenna do que antes.

Sorte que eles não são formados apenas por protetores.

Onde os anjos repelem o inimigo e protegem as forças capenenses, aparecem demônios e diabos para tomar a ofensiva. Aqui um serafim infunde uma torre com Halo; ali, um demônio decepa as cabeças de quem a escala. Poucas coisas são mais repugnantes do que demônios, e haverá um preço para tudo isso mais tarde, mas é um preço que os anjos de Nova Capenna estão dispostos a pagar se isso mantiver seus pupilos seguros.

A mais jovem entre esses anjos, Giada, quer ajudar. Mas ela é muito pequena para se juntar ao corpo a corpo, muito recém-formada para a frente de batalha. Tudo o que ela pode fazer é observar das torres e gritar para os outros onde eles são mais necessários. Apesar disso, ela não pode deixar de sentir que está perdendo algo.

Ela tem certeza de que saberá quando enxergar. Anjos têm tudo a ver com segurança, disseram seus irmãos mais velhos.

Atraxa vai mais fundo na cidade, seu exército em seu rastro. Os intrincados mecanismos de Parque Alto não impedem o girar de sua foice.

Rebiteiros cobertos de suor se escondem em qualquer viga que possam encontrar. Suas mãos rápidas desmontam o trabalho de seus antepassados. Ferramentas usadas para levantar conexões agora são usadas para cortá-las violentamente em jatos de fogo.

O anjo corrompido não os vê neste trabalho – eles são muito pequenos, muitos, muito desiguais. Eles são indignos de sua atenção.

No final, essa é a sua perdição.

Uma explosão abre as estruturas da cidade. Ela está no fundo da estrutura do Mezzio, e não percebe que ele começou a cair até que já fosse tarde demais. Afinal, não é o escudo dos anjos que a mata, nem as maquinações dos demônios: é a própria cidade. A brilhante torre de vidro e aço de Nova Capenna desmorona sobre ela, livre de seus poderosos pilares e sistemas de suspensão. De seu poleiro, os anjos assistem séculos de trabalho mortal cair no solo.

A essência de Giada ferve de excitação, mas ainda não é certo que ela intervenha. Há alguém que ela está esperando ouvir.

Os outros não perdem tempo. As defesas de Nova Capenna não devem se limitar apenas à cidade. Para que o Multiverso sobreviva, os anjos devem vigiá-lo e lutar contra Phyrexia com tudo o que têm.

A morte de Atraxa mudou Nova Phyrexia – e a Árvore de Invasão está mudando com isso. Os anjos sentem isso como os mortais podem sentir a terra tremendo sob seus pés. As farpas estão se retraindo de volta para sua casa, deixando o caminho aberto para o ataque.

O campo de visão de Nova Phyrexia pelos portais muda para a imagem de outro lugar – um lugar com um mar cor de vinho, um lugar onde o céu brilha com as crenças de seu povo. E embora não haja anjos em Theros, eles não podem negar que ele precisa desesperadamente de ajuda. Fazer o que é justo sem se preocupar com sua própria segurança, enxergar além das necessidades de poucos: isso é o que significa proteger o Multiverso.

Giada sorri. Este é o começo das coisas – o começo do que ela estava esperando. Ela grita apressadamente para os outros: é ali onde somos necessários, é para lá que temos que ir! Ajudem se puder!

Anjos atravessam o ar, voando a uma velocidade inimaginável em direção ao portal. Do outro lado, eles irrompem bem acima do mar. Os anjos deslocados dessa maneira não sentem medo, nem hesitação, nem remorso — eles simplesmente fazem o que sempre fizeram.

Eles protegem.

Como grãos de poeira, eles viajam pelos ventos em direção ao seu destino. Alguns envolvem a garganta de um monstro marinho, prendendo-o por tempo suficiente para uma tripulação de marinheiros cortar suas cabeças. Outros dirigem-se aos templos. Os deuses que os chamam de lar não importam; os suplicantes que precisam de proteção logo a encontram. O óleo preto espalhado no braço de uma mulher correndo escorre milagrosamente para longe de seus ferimentos; um lançador de azagaias se vira um segundo antes de ser espetado.

Arte de Dominik Mayer

Há um deus que percebe a chegada dos anjos. Brilhante como o sol da manhã, o conspurcado Heliode brilha, os anjos etéreos quase se queimam ao vê-lo. No entanto, eles se aventuram cada vez mais perto, pois subindo atrás dele está uma mulher que precisa de ajuda tanto quanto odeia pedir por ela. O deus está tão distraído que não percebe a forma envolta em violeta de Kaya sobre sua carapaça corrompida. Quando finalmente ela enfia uma adaga em sua garganta – bem, os anjos garantem que o esguicho de óleo preto nunca a toque. Enquanto o deus desaparece, a mulher pousa mais uma vez no templo. Ajani está lá para encontrá-la – mas o que um matador de deuses tem a temer de uma mera mortal?

O coração amorfo de Giada bate mais rápido. Cada passo é um passo mais perto de sua velha amiga.

Mais uma vez, os portais de Nova Capenna mudam, desta vez para uma miríade de Planos, alguns novos para os anjos, alguns familiares – todos no meio de uma luta desesperada que não podem vencer sozinhos. Ainda bem que eles não estão mais sozinhos.

Ataquem!” Giada convoca.

Trompas de guerra ecoam por toda a Nova Capenna, e os anjos se espalham onde são mais necessários. Em Planos onde são adorados, em Planos onde são odiados, em Planos onde são completamente desconhecidos – eles fazem o que sempre fizeram.

Quando finalmente os portais se voltam para Nova Phyrexia, Giada sabe exatamente o que fazer. O momento finalmente chegou. Lá, à vista de todos, está Elspeth Tirel.

Estou tão feliz em te ver, ela diz.

Elspeth Tirel está muito ocupada para fazer mais do que olhar para o portal: há milhares de phyrexianos atacando a plataforma diante dela. Lutar toma a maior parte de sua atenção. Mesmo assim, quando seu olhar desliza em direção à superfície, há um pequeno sorriso em seus lábios. Giada. Estou feliz em ver você também.

Ela aprendeu até a falar do jeito certo, é isso mesmo? Aquece o espírito de Giada ver Elspeth brilhando tanto. Você se saiu tão bem.

Obrigada, Elspeth responde. Ela dirige sua espada através de uma serpente-lâmina alada, dividindo-a no centro. Mas ainda há trabalho a ser feito.

É exatamente isso o que eu quero te dizer. Alguns de nós estão vindo para ajudar.

A serpente cai no chão, mas Elspeth continua seu voo. Uma videira de cobre envolve o braço em que está sua espada. Ela a corta com um golpe pesado. Aceitarei com prazer qualquer ajuda que você puder enviar.

Giada se lembra como é sorrir. Embora ela não consiga nesta forma, ela sente em seu espírito.

Ela prepara outra convocação.

Aqueles que vão para Nova Phyrexia não retornarão. É um pequeno preço a pagar. Alguém deve cuidar deles – alguém deve estancar o sangramento.

“Ataquem!”

Em Dominária costumava-se dizer que os zhalfirianos não conheciam o medo, mas os zhalfirianos diziam o contrário. No que lhes dizia respeito, eles conheciam o medo melhor do que ninguém. Você pode encontrar o medo sentado perto do fogo, ao anoitecer. Todo pai que mandava um filho para a guerra conversava com o medo pela manhã e à noite. O medo estava com você quando você observou os campos e se perguntou se haveria o suficiente para a próxima temporada. A verdade é esta: quando você conhece o medo e convida o medo para dentro de sua casa, quando você trata o medo como trataria qualquer outra pessoa, o medo não pode mais amedrontá-lo. Sua comunidade cuidará de seus medos e você cuidará dos deles.

O Multiverso tem medo de Nova Phyrexia.

Muito bem. Deixe Zhalfir cuidar disso.

Arte de Chris Rallis

Armados até os dentes, sorridentes e ansiosos para enfrentar o inimigo – os clãs de guerra estão muito felizes em conhecer os phyrexianos. Enquanto a barricada de Koth desmorona, os zhalfirianos avançam. Teferi observa Koth olhando para eles confuso. “Espere, de onde você veio? O que está acontecendo?”

Teferi sorri para ele. Orgulho incha em seu peito. “Zhalfir. Wrenn nos encontrou. Estamos aqui para ajudar.” Ao redor deles, o teto começa a desmoronar, o chão treme. Teferi não se incomoda. “Os dois Planos estão trocando de lugar – Nova Phyrexia está sendo lançada no abismo, e Zhalfir está… finalmente voltando para casa. Ela receberá você e os seus, se você permitir.”

Koth olha para as forças agrupadas. A expressão dele é difícil de ler – determinação, alívio e tristeza, todas esculpindo suas marcas em ferro. “Então vamos garantir que Phyrexia nunca se esqueça de nós. Mirranianos, deixem sua marca!”

Não restam muitos mirranianos, mas aqueles que podem lutar ficam muito felizes em se juntar ao ataque.

Um véu de luz multicolorida paira sobre as vestes vibrantes do exército como a bênção de um deus distante. Uma energia formiga na extensão de suas peles. Eles sabem o perigo que o óleo negro representa para eles. Eles sabem como combatê-lo. Lanças perfuram serpentes phyrexianas e as pregam na superfície da plataforma; pedras arremessadas os esmagam sob os pés. Chuvas de fogo derretem o inimigo; sopros de gelo os tornam quebradiços; o golpe de um grande martelo os estilhaça em centenas de pedaços.

Por anos, Zhalfir esperou a chance de provar sua coragem contra essas escórias de prata. Agora que eles estão no meio da luta, há uma alegria orgulhosa no ar. Sidars começam seus cânticos, chamadas-e-respostas ecoando das bocas de Askari, Akinji e Altali:

“Você não pode quebrar—”

“—o que é criado junto!”

A bravura é potente quanto qualquer armadura. Apenas alguns minutos no campo, os zhalfirianos abriram caminho contra as forças do exército phyrexiano, enquanto seus curandeiros cuidavam dos mirranianos feridos na plataforma. Teferi cavalga na vanguarda, seu cajado brilhando, magia girando ao seu redor. As lanças que voam, os enxames de insetos com lâminas, os fragmentos dos mortos explodidos em pedaços – tudo fica lento ao se aproximar dele. Seus companheiros pegam armas no ar e as jogam de volta a seus donos. E embora Teferi raramente conheça esse tipo de exaustão, ele a enfrenta com um coração alegre e séculos de habilidade.

Correndo para alcançá-lo estão os outros mirranianos – aqueles que ainda podem lutar. Chandra o aponta para Koth. “Viu? É ele! Esse é Teferi! Eu disse que ele era…”

Ela é interrompida quando o Pretor Vorinclex salta em direção à vanguarda de Teferi. Um momento de hesitação para a respiração de Chandra, mas Vorinclex não vai muito longe antes de atingir a parede da magia de Teferi. Todos – não importa o quão assustadores – parecem tolos se movendo em câmera lenta.

Até mesmo Koth abre um sorriso ao ver a situação. “Tudo bem. Talvez você tenha descoberto alguma coisa.” Mas ele também está ocupado. Koth acerta os dois punhos no chão. Duas rachaduras se espalharam em direção aos zhalfirianos, uma de cada lado. “Me dê uma mão aqui.”

Chandra não sabe exatamente o que ele quer, mas ela presume que ele precisa de fogo. Ela envia alguns jatos em cada uma das rachaduras. Chamas se erguem para afastar os golpes do exército phyrexiano — e transformam o armamento flamejante do Askari em lâminas infernais. Apenas alguns segundos depois, Koth levanta os braços. Fragmentos de metal incandescente caem como a condenação do Multiverso nas costas do exército phyrexiano.

No entanto, nem todos encontram seu destino tão facilmente. Até mesmo a concentração de Teferi pode oscilar. A luta de Vorinclex contra ele finalmente encontra recompensa; ele arranca as mandíbulas da montaria de Teferi e o joga no chão. Em nenhum momento o pretor está em cima de sua presa.

O rugido de Vorinclex anunciou a morte de muitos guerreiros, mas o medo é um velho amigo de Teferi, e ele não sente sua atração agora.

“Olhe atrás de você.”

O pretor se vira, rosnando.

Uma espada flamejante separa a cabeça de Vorinclex de seu corpo. Uma dos Askari – uma mulher chamada Shella, que frequentemente bebia até cair com seus camaradas – oferece a Teferi uma mão para cima. Ele pega, agradece e ela some. Em um campo de batalha, sempre há mais trabalho a ser feito.

É então que ele vê o anjo, pairando apenas um pouco acima. A serenidade de sua expressão esconde a preocupação em seus olhos.

“Você precisa ter mais cuidado.”

“Elspeth…?” ele pergunta. Mas a confusão em seu rosto muda para aceitação, e ele oferece a ela um sorriso no meio do campo de batalha. “Estou feliz que você esteja aqui.”

Há algo estranho na maneira como ela olha para ele, como se ela não soubesse totalmente como deveria responder. No fim das contas, ela realmente não sabe.

Teferi compreende. Às vezes as pessoas mudam. Ela ainda é sua amiga e uma soldada habilidosa. “Algum conselho tático?”

Uma raiz de cobre voa em direção a Elspeth; ela a corta com um único corte. Ela nem olha para Teferi. “Deixe Nissa comigo. Suas forças precisarão conter Jin-Gitaxias e Norn. Minhas irmãs nos deram um presente. A infecção não pode durar muito tempo enquanto elas estiverem conosco. Não desperdice.”

Elspeth fala com uma voz impressionantemente normal, como se estivesse discutindo o que vestir em um passeio, em vez de planos vitais para a sobrevivência da vida em todos os Planos.

“Entendido,” ele diz, mas a essa altura ela já foi embora.

Acima deles, o teto do santuário racha. Wrenn, aposta Teferi: enquanto Zhalfir se move para ocupar o lugar de Nova Phyrexia no Multiverso, Nova Phyrexia está cedendo sob a pressão. Estruturas se rasgam e quebram. Placas de metal despencam. Os magos zhalfirianos conjuram os ventos para redirecionar as pedras para o inimigo. Nenhuma armadura phyrexiana pode proteger contra as forças da massa e da gravidade – manchas de óleo negro são tudo o que resta dos que foram esmagados. Torres distantes tombam, monumentos se quebram, tonéis racham e manchas de óleo espalham-se pela passarela. O chão treme sob os pés de Teferi.

Estes são os espasmos da morte de Phyrexia.

E então o profundo lamento da morte: arremessando soldados para o lado com facilidade, relegando-os ao abismo, está Elesh Norn. Sua armadura de porcelana está esburacada em alguns lugares e aberta em outros, revelando seus tendões fracos e rasgados por baixo. Elevando-se sobre o exército – até mesmo as máquinas de guerra – ela ataca Teferi como um leão com uma ferida aberta.

“O que fizemos… o que eu construí durará para sempre!” ela grita. “Phyrexia nunca morrerá. Você está apenas atrasando o inevitável. Por que você não consegue entender isso? Por que você não aceita seu destino?!”

Teferi envia uma mensagem através das fileiras para concentraram o ataque na pretora gigante. Uma saraivada de magia – relâmpago, gelo, fogo, raios de energia verdejante, escuridão enfraquecedora – a atingiu em resposta. Norn cambaleia, balançando em seus pés. A boca manchada de óleo de Norn fica aberta em estado de choque; ela coloca uma garra sobre o conjunto de feridas em seu peito. Quando examina o exército mais uma vez, ela grita novamente.

“Por que nenhum de vocês está me protegendo!? Eu sou Phyrexia!”

O exército a ouve e para – mas apenas o tempo suficiente para que seu próprio general fale. Jin-Gitaxias monta uma enorme máquina de guerra. Longo e estreito, ele está adornado com todo tipo de armamento: lâminas, estacas, um grande aríete em sua cabeça. Tudo isso para proteger sua preciosa carga: um tonel cheio de sua própria progênie. Criaturas parecidas com salamandras se contorcendo, quase prontas para nascer, pressionam seus rostos inexpressivos contra o vidro. Quando ele fala, a cuba pisca com luz. “Seu ego é um tumor em qualquer talento que você possa ter. Nova Phyrexia evoluiu além de você. Mas seus restos podem ter alguma utilidade.”

Vê-los se virarem um contra o outro surpreende e alivia Teferi.

Assim como o estrondo familiar da chegada de um planinauta – até que ele vê Ajani, gravemente ferido, entrando na briga. “Você?” Jin-Gitaxias zomba. “Saia do caminho. Aquela coisa atrás de você é o verdadeiro inimigo de Phyrexia.”

“Não,” Ajani. “Phyrexia permanece unida, ou não.”

Teferi não teve tempo de decidir o que fazer antes que as legiões de Jin-Gitaxias atacassem Norn e Ajani.

Centuriões cortam a armadura dela, arrancando os tecidos em pedaços, enquanto ela esmaga o máximo que consegue. É como se ela estivesse sendo atacada por um enorme enxame de besouros – todos com dentes afiados e armas ainda mais afiadas. Ajani os rasga e corta, primeiro com seu machado e depois, quando é arrancado de suas mãos, com suas garras e dentes.

Ele não consegue parar todos eles. Não pode deixá-los enfraquecer Norn.

Ajani pula na frente dela para absorver uma explosão desorientadora de magia que o deixa de costas. Cordas e redes são lançadas sobre ele, e os guerreiros zhalfirianos avançam com lanças. Em um instinto que ele não consegue nomear, Teferi grita “Espere! Capturem ele vivo!”

Ajani se debate contra suas amarras, vazando sangue e óleo nas cordas, até que outro feitiço o congela. Obedientemente, os guerreiros arrastam o leonino subjugado para fora da luta.

Nesse ínterim, Jin-Gitaxias deu tanta atenção a Norn que se deixou com a guarda baixa. Zhalfirianos compreendiam os perigos das lutas internas como poucos. Isso os deixou em uma posição única para capitalizar as falhas de seus inimigos – e salvar o que pudessem de seus amigos.

Enquanto Jin-Gitaxias supervisionava o ataque de seu exército a Elesh Norn, Teferi e a vanguarda foram direto para ele. Garras rasgaram aço e ferro; espadas e machados racharam o crânio e o esterno. Os cantos de guerra e tambores zhalfirianos lhes davam vigor o tempo todo. Enquanto Phyrexia morria ao redor deles, os zhalfirianos estavam mais vivos do que nunca.

Quando o pretor se volta para contemplar o esplendor da coragem deles, ele ri, pois não conhece o medo. “Isso é o melhor que você pode reunir? Orgânicos?” Ele gesticula com a garra. Espinhos disparam dos flancos de sua máquina de guerra, empalando as feras que se esforçavam para quebrá-la. Sangue jorra no vidro enquanto os animais uivam.

“Olhe em volta,” Teferi diz. “Ao que parece, Nova Phyrexia está ficando para trás.”

Arte de Chris Rallis

Jin-Gitaxias gesticula mais uma vez. Lâminas emergem das juntas da máquina de guerra. Outro gesto e elas começam a girar. O coração de Teferi fica pesado. Muitas de suas montarias não vão sobreviver a isso. Mas valerá a pena se o resto puder sobreviver – haverá tempo para lamentar seus velhos amigos mais tarde.

Teferi desvia do golpe de um centurião que se aproxima. Lâminas, tentáculos e farpas ficam lentos enquanto ele abre caminho através do corpo a corpo em direção à máquina de guerra. Embora a destreza de Zhalfir seja lendária, isso é algo que só ele pode fazer. Respirando fundo, ele coloca a mão na parte plana das lâminas giratórias.

Por um precioso segundo elas param.

É o suficiente.

“Você não vai ferir Teferi!” uma mulher grita. Teferi olha para cima para vê-la: uma dos membros do próprio clã de guerra, um enorme martelo de guerra erguido bem alto sobre sua cabeça enquanto ela voa na direção de Jin-Gitaxias. Quando ela o abaixa, o vidro da máquina de guerra se quebra. Líquido fedorento jorra, banhando Teferi com sua imundície. Novas roupas serão um pequeno preço a pagar para ver Jin-Gitaxias cair por sua própria criação. Ainda menor quando suas próprias criações começam a comê-lo.

Teferi limpa o rosto.

Ele olha para trás em direção à Árvore de Invasão. Koth está supervisionando o portal. A maioria deles já cruzou para Zhalfir – mas alguns persistem. Koth, Chandra e Karn permanecem. E a julgar pelas bordas irregulares do portal, não restará muito tempo para retornar.

É hora de chamar a retirada; os clãs de guerra já fizeram o suficiente aqui. Teferi sinaliza para os bateristas. O ritmo vital sob os pés deles muda para algo muito mais austero.

Zhalfir sabe o que isso significa. Para que o todo prospere, os indivíduos devem ser mantidos seguros. Nova Phyrexia está desaparecendo, mas isso não significa que os mirranianos devam desaparecer junto com ela. Enquanto viverem, podem forjar um novo lar.

“Abram caminho para os mirranianos!” vem o grito do líder guerreiro.

Phyrexia não os deixa sair facilmente. Os zhalfirianos na frente rebatem todos os golpes que podem enquanto a retaguarda do exército recua pelo portal. A cada passo que dão, eles deixam dezenas de phyrexianos mortos para trás. Há zhalfirianos entre os mortos, mas eles são tratados com reverência. Há aqueles entre o exército cujo único trabalho é fazer com que esses corpos voltem para casa – os ligeiros Altali que ziguezagueiam entre os emaranhados na confusão, vestidos de branco brilhante. Os zhalfirianos se separam ao ver seus uniformes para permitir que eles passem.

No momento em que Teferi volta para a plataforma, quase todos já se adiantaram. Ele pode ver sua casa esperando para recebê-lo do outro lado – e ele também consegue ver Wrenn, projetando-se da superfície da árvore. Sua velha amiga tornou-se uma delicada estátua de cinzas. Muito pouco de sua casca permanece intacta. Teferi engole em seco ao vê-lo. Quando ele olha para os exércitos mais uma vez, o pensamento está alto em sua mente: nada disso teria acontecido sem a intervenção dela. Deve haver algo que ele possa fazer para ajudar.

E ali, enquanto a estuda, ele pode ver: uma semente escondida nas cinzas.

Vai crescer forte como ela fez em Zhalfir.

Enquanto ele a pega das cinzas cuidadosamente, Koth grita atrás dele. “Eu começaria a sair, se fosse você.”

Teferi embolsa a semente e se vira. Ele balança a cabeça. “Eu corri uma vez antes que meu Plano estivesse seguro. Nunca mais.” Seus olhos caem sobre seu velho amigo, Karn – ainda vivo, embora dilacerado pela experimentação phyrexiana. Teferi coloca a mão no ombro de Karn enquanto olha para Koth. “Vá em frente.”

Mas o jovem é tão teimoso quanto o metal que pontilha sua pele. Ele não vai a lugar nenhum. E talvez seja melhor assim: quando uma lança de cobre dispara em direção a Chandra, é Koth quem levanta um escudo para protegê-los. Estranho. Não é típico de Chandra deixar algo assim acontecer. Ela usava qualquer desculpa que podia para derreter as coisas. Quando o escudo afunda de volta ao chão, a imagem fica mais clara.

Nissa está do outro lado. “Você arruinou tudo.”

“Você está fora de si…” Chandra começa.

“Não há tempo,” Koth diz. “Atravesse o portal.”

“Não. Eu não vou embora sem ela. Ela ainda está lá, eu sei que ela está.” Nissa arremessa outra pedra contra eles, forçando Chandra a explodi-la. Ela dá um passo à frente de Koth e abre os braços para Nissa. “Se você quiser me matar, estou aqui. Mas eu sei que você não vai.”

Teferi morde o lábio. O otimismo de Chandra não conhece limites – mas pode matá-la aqui.

“Ela vai ficar bem.” É Karn quem fala do lado de Teferi. “Elspeth está cuidando deles. Posso pedir um favor, Teferi?”

Como que para pontuar o ponto, um flash de luz anuncia a chegada de Elspeth. Um segundo depois, ela enfia o pomo de sua espada dourada na nuca de Nissa. A elfa cai como uma pedra de sua armadura e do céu.

E Chandra, claro, está lá para pegá-la.

“Claro, velho amigo,” Teferi diz. “O que posso fazer?”

“Me dê mais um momento,” Karn diz. Há um tom vacilante em sua voz, um que Teferi nunca ouviu antes. “Eu quero sair deste lugar com minhas próprias forças.”

Teferi dificilmente negaria isso a ele. Enquanto assiste, Karn forma para si um novo corpo, construindo-o camada por camada.

No horizonte, Norn está dilacerada pela maior parte de seu próprio exército. Ela não está mais alta e orgulhosa acima dos outros novos phyrexianos, pois eles arrancaram suas pernas. Uma abominação sem pele está rastejando na direção deles. Até mesmo seu capacete foi quebrado, mas ela ainda se força para frente. Arranhando pelos campos de mortos, ela tenta alcançar o portal.

“Não temos muito tempo,” diz Teferi.

“Não, não temos,” concorda Karn. Ele flexiona sua nova mão – uma coisa grosseiramente esculpida sem nenhum de seus talentos artísticos habituais. “Você deveria ir embora.”

“E você?”

Karn olha para Norn. “Há algo que precisa ser feito. Vá. Diga aos outros que não vamos demorar.”

Karn se sente pesado.

Não é um sentimento novo. No sentido mais objetivo, como um golem, ele sempre foi mais pesado do que qualquer coisa ao seu redor. Nos subjetivos, muitas vezes as coisas não têm sido muito melhores. Desde a morte de Urza, Karn sentiu-se pesado todos os dias de uma forma ou de outra. Alguns dias, o peso do Multiverso empalidecia em comparação com o que ele sentia. E alguns dias o que ele sente é o peso do Multiverso.

Este é um destes dias. Observando Elesh Norn rastejar em direção à plataforma, ele está mais consciente do que nunca dos fardos que escolheu carregar. Mirrodin foi sua criação. Tudo o que aconteceu é culpa dele. O que começou como simples ignorância de sua própria composição – trazendo óleo brilhante para Mirrodin – evoluiu para uma ignorância deliberada de seus fracassos. Por muito tempo, ele condenou este lugar ao esquecimento. Depois que Venser deu sua vida para salvar a de Karn, a melhor coisa a fazer parecia ser vivê-la em expiação. Naquela época, ele pensou que deveria haver alguma maneira de consertar Mirrodin – alguma maneira de desfazer todos os seus erros.

Ele entende de forma diferente agora.

Karn olha para Teferi. O mago está radiante com a magia, esforçando-se para manter o portal aberto. Depois de séculos de luta, Teferi finalmente corrigiu os erros de sua juventude.

O mesmo para Elspeth. Todo aquele tempo fugindo de Phyrexia, todo aquele tempo tentando encontrar um novo lar em outro lugar, e aqui estava ela há apenas alguns momentos resplandecente na retidão de seu novo caminho.

Você não pode fugir de seus erros. Você tem que corrigi-los. Isso começa com o confronto com seus erros.

Karn dá um passo à frente. Na dilatação da bolha do tempo de Teferi, o guincho de Norn é o zurro estrondoso de um chifre de guerra invisível. O que resta dela é lamentável e pequeno. Se ele for embora agora, ela pode muito bem morrer devido aos ferimentos.

Mas ele não poderia ter certeza disso. E se Norn viver, sua ambição também viverá.

Muitos anos atrás, Karn jurou nunca prejudicar os vivos. Ele tinha visto os horrores da guerra e não queria fazer parte deles. A primeira invasão phyrexiana mudou isso, mas essas decisões nunca se encaixaram bem em seu núcleo. Que direito ele tinha de acabar com a vida de outra pessoa? Ele, cuja vida era tão artificial? Ele detestava isso. Ele sempre detestou. Sempre que possível ele tentou encontrar outras soluções.

Não há outras soluções para um mal tão pernicioso como este.

Para salvar a vida de muitos, deve ser completamente exterminado.

Quão pesada é essa consciência.

Karn põe a mão no que resta da cabeça de Norn.

Formar algo é uma satisfação – um quebra-cabeça que o agrada como poucas coisas. A interação de engrenagens e eixos conectados é tão requintada para ele quanto qualquer música. A música, ele descobriu, é como construir uma máquina: cada peça de uma orquestra deve funcionar em relação e em conjunto com seus companheiros. Um maestro supervisiona os processos tanto quanto um engenheiro supervisiona sua criação. Na música e na criação há unidade.

Na destruição só pode haver solidão.

Ele detesta isso. Enquanto sua magia atua no corpo de Norn, arrancando a porcelana do arame, ele sente uma aversão bestial. Ele quer desviar o olhar. Ele quer parar.

A violência, mesmo a serviço do bem maior, nunca deve ser praticada facilmente.

Arte de Scott Murphy

Ele se obriga a olhar. A assistir o metal se desintegrar. Ele grava a visão do cadáver de Norn em sua memória.

Ele poderia ter pedido a Teferi. Ele poderia ter pedido a Koth. Certamente, ele poderia ter pedido a Elspeth. Mas ele está cansado de ver os outros resolvendo seus problemas para ele, e pedir a eles que o fizessem seria o mesmo que ela se matasse no final. Esta é a menor maneira que ele pode assumir a responsabilidade.

Quando acaba – quando Elesh Norn é uma mancha vermelha contra a plataforma branca – Karn caminha até o portão.

Teferi recua e o tempo recomeça. Preocupação obscurece sua expressão quando ele vê a carnificina.

“Vamos,” Karn diz.

É outro peso para suportar, outro peso sobre ele.

Mas é o primeiro passo para um futuro mais leve.

Zhalfir dá-lhe as boas vindas.

 

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