Mtg Lore

Compêndio da Lore de Magic the Gathering

MARCHA DAS MÁQUINAS | EPISÓDIO 08: WRENN E OITO

K. Arsenault Rivera

Escreveu os arcos de Voto Carmesim e Innistrad: Caçada à Meia Noite

Wrenn costumava pensar que não importava onde ela fosse, ela sempre estaria em casa. Era difícil argumentar o contrário com dríades. Muitas vezes, o lar significava uma árvore da qual elas nunca sairiam. Para ela, as coisas são um pouco mais complicadas: as árvores com as quais ela está ligada não podem sobreviver ao processo por muito tempo, e ela mesma tem assuntos a tratar em todo o Multiverso. Mas ela permaneceu convencida de que – não importava em que lugar do Multiverso ela acabasse – ela nunca estaria longe de outro lugar para morar.

Até que ela chegou em Nova Phyrexia. Em todos os seus dias, ela nunca poderia ter imaginado um lugar como este, despojado de toda a vida natural; ao mesmo tempo mortalmente quieto e cheio do ruído artificial das máquinas. Se você pedisse a qualquer dríade para imaginar seu pior pesadelo, eles falariam de um lugar como este. Wrenn odeia isso aqui.

E, acima de tudo, ela odeia que seja aqui que ela vai morrer.

Não é morrer que a assusta. Diferente de Chandra, que carrega a cabeça e o torso frágeis de Wrenn em direção à Árvore da Invasão, Wrenn não tem medo das lanças e farpas que os phyrexianos lançam na direção delas. As gotas de fogo e minério derretido que queimam sobre seu ombro – algumas de Chandra, algumas de Koth – também não a assustam. Na verdade, ela deseja poder se juntar a eles, mas praticamente não tem forças para manter o fogo dentro de si sob controle. Usá-lo contra outros colocaria em risco tudo o que eles vieram fazer aqui.

Isso é o que realmente assusta Wrenn: a possibilidade de que ela não seja capaz de fazer o que todos esperam que ela faça. A Árvore da Invasão não canta para ela mais. Não disse uma palavra durante todo o tempo em que ela esteve aqui, nem mesmo antes, quando ela quase conseguiu se enxertar nela. Se ela a rejeitar, eles não têm como controlá-la, não há como alcançar Teferi, não há como impedir esse ataque violento.

E eles precisarão de Teferi se quiserem impedir isso. Disso, Wrenn tem certeza.

Daqui, empurrando-se a cada passo, ela pode ver o ataque que se aproxima: milhares de phyrexianos, com outros milhares sendo reunidos no local. Metal brilha em cada um – não na forma da armadura galante de um cavaleiro, mas como forjas agitadas e agulhas brilhantes. E embora haja mais olhos olhando para ela do que folhas em uma floresta, ela não vê vida em nenhum deles.

“Este lugar não deveria existir,” ela diz.

“Nem me fale,” Chandra incinera uma lança antes que ela possa atingi-los. “Só temos que aguentar mais um pouco.” Sua respiração é irregular, seus passos desnivelados; ela está lutando para segurar Wrenn. Wrenn não tinha certeza se Chandra voltaria a andar depois da queda que sofreram. Corpos humanos são coisas delicadas. As vinhas de Nissa as pegaram antes que elas se espalhassem contra o chão – mas às vezes a própria queda era ruim, não importa como você caísse. No entanto, Chandra suporta e luta, não importa quanta dor ela esteja sentindo.

“Você está precisando de algum curativo?” Wrenn pergunta.

“Estou bem,” é a resposta afiada da piromante.

Uma chuva de agulhas vem em sua direção – Koth levita o metal sob seus pés para formar um escudo sobre suas cabeças. Agulhas faíscam ao ricochetear em sua superfície, algumas se alojam nas costas dos mirranianos que Koth não conseguiu cobrir. Ele xinga, o som era como arrefecer uma lâmina. “Não posso continuar assim para sempre!”

“Não é para sempre,” Chandra diz. “Assim que Wrenn estiver na árvore, tudo ficará bem.”

Só que levará tempo para ela se enxertar na árvore, falar com ela, procurar sua velha amiga. E isso supondo que ela seria capaz de fazer tudo isso. Será que esse corpo vai aguentar o tempo suficiente? Resta tão pouco dela. Chandra está agarrada a ela como um animal de estimação rebelde. Diante da forma poderosa da Árvore de Invasão, ela é menos que uma noz. Se houvesse outros, se ela tivesse suas irmãs, talvez…

Um grito a arranca de seus pensamentos. Wrenn volta à realidade e vê uma gavinha afiada disparar no ar por cima do ombro de Chandra. O grito está vindo de cima — a outra ponta da gavinha atravessou o estômago de Melira.

“Você deveria ter aceitado nossa oferta,” diz uma voz familiar. Nissa. Uma vinha farpada corta direto na direção deles.

Chandra fica apreensiva. A bola de fogo que ela envia na direção de Nissa pisca e desaparece no meio do caminho. Ela xinga e, em um ato de desespero, rola para evitar o impacto. As farpas perfuram o chão como lanças – tão altas quanto qualquer um dos guerreiros. Se uma deles tivesse perfurado eles…

“Te dou cobertura!” Koth grita. Ele arremessa uma pedra escarpada em Nissa. Uma de suas vinhas cortantes a divide em duas, então joga as duas metades de volta nos rebeldes.

Chandra queima uma no ar, gemendo com o esforço. Sua respiração instável está se tornando um ruído. Wrenn gostaria que houvesse mais que ela pudesse fazer para ajudar – mas ficar acordada e se manter viva terá que bastar.

Algumas dezenas de mirranianos são tudo o que resta da força de combate, e os únicos no caminho do ataque imparável de Nissa. Enquanto Chandra foge para a árvore, Koth, Melira e os outros cobrem sua fuga. Era bastante difícil quando os inimigos eram apenas soldados phyrexianos – quase impossível diante de uma máquina de matar como Nissa. Vinhas e lâminas cortavam a carne tão facilmente quanto papel.

“Koth!” grita Melira. Sangue derrama como seiva na mão que ela está usando para cobrir seu ferimento. “Koth, precisamos de uma barricada!”

Ele olha para ela. Até Wrenn consegue ler a preocupação no rosto dele. “Está chegando. Chandra, você vai ter que fugir.”

“Entendi!”

Koth dá um soco na plataforma. Chamas alaranjadas se acendem em todas partes do seu corpo. Metal range e cresce, formando uma barreira para impedir a aproximação de Nissa.

Mas ainda não acabou de crescer, e Nissa não vai tratar aquilo tão calmamente.

Ela caminha na direção deles, erguida bem acima da superfície da ponte em um emaranhado de raízes semelhantes a cabos. Galhos de cobre perfuram os corpos daqueles que estão diante dela – phyrexianos e mirranianos. Um de seus passos é três de qualquer outra pessoa. Embora Chandra esteja correndo o mais rápido que pode, não há como ela escapar de todos os ataques de Nissa.

Se Chandra quisesse, ela poderia derreter aquelas raízes. Deixá-las enrugadas no chão. Mas Chandra nem olhou por cima do ombro desde que Nissa apareceu.

“Você não quer machucá-la, não é?” Wrenn pergunta.

Chandra não diz nada.

“Eu entendo. É difícil, quando é com amigos. Mas você não está machucando ela de verdade. Tenho certeza que ela nunca ia querer te machucar – então não está impedindo ela de fazer exatamente o que ela gostaria que você fizesse?”

Chandra aperta a mandíbula. “Wrenn.”

“Sim?”

“Não é assim-”

Antes que Chandra possa terminar, ela é jogada para trás. Wrenn cai de suas mãos, aterrissando na ponte de metal frio a tempo de ver Chandra balançando lá no alto, Nissa levantando-a pelo tornozelo com uma longa raiz de metal. Um dos mirranianos pega Wrenn e continua correndo.

“Leve-a para a árvore. Mantenha-a em movimento!” Koth grita. Ele também voltou sua atenção para lutar contra Nissa.

Este mirraniano dá apenas alguns passos adiante antes que uma das lanças de Nissa as prenda. Eles jogam Wrenn para o ar. Dois dos seus companheiros olham horrorizados – mas um terceiro tem a presença de espírito para pegar Wrenn e mantê-la em movimento.

Ela passa de mão em mão, jogada no ar para mantê-la fora das garras phyrexianas. Os phyrexianos acham que os humanos entendem pouco sobre união – mas Wrenn conhece o contrário.

Arte de Jason Rainville

No momento em que ela chega aos braços de Melira, Wrenn está quase na Árvore da Invasão.

E Chandra ainda está no ar.

“Está com a gente ainda?” Melira resmunga.

“Estou, mas…” Wrenn responde. “Não posso… não consigo fazer isso sozinha, preciso da ajuda de Chandra…”

“Sinto muito, mas acho que você não vai conseguir isso,” diz Melira. Como ela está conseguindo correr, ferida daquele jeito? Uma pontada de culpa percorre a dríade. Há muita coisa dependendo disso para ela parar, mas…

Nós te avisamos,” diz Nissa. Sua voz estrondosa percorre toda a plataforma. “Nós avisamos que isso nunca funcionaria!”

Vinhas envolvem a garganta de Chandra. Wrenn também as sente, enquanto Melira a ajuda a subir na plataforma de observação.

Chandra sobe cada vez mais alto, lutando e se contorcendo, seu corpo balançando. Quanto tempo os humanos conseguem ficar sem respirar?

“Como eu te ajeito na árvore?” Melira pergunta.

Abaixo delas, Koth e dezenas de mirranianos seguram o resto do exército phyrexiano nas barricadas. Nissa conseguiria passar por cima dela, mas os outros teriam que seguir o caminho mais difícil. Soldados sobem até o topo da barricada e arremessam lanças de volta ao fervilhante exército phyrexiano. Alguns eram arrancados de suas posições, levados aos gritos para a massa de metal e óleo do outro lado da barricada.

Ainda assim, eles lutavam.

A língua de Wrenn gruda no céu da boca. “Apenas me deixe aqui, mas preciso de ajuda com o fogo…”

“Sinto muito, isso é mais do que eu posso fazer,” diz Melira. Ela pega Wrenn e coloca as raízes retorcidas de sua cintura contra a árvore. “Mas eu posso te ajudar com isso, pelo menos um pouco.”

Antes que Wrenn possa perguntar o que ela quer dizer, magia se esvai da mão de Melira, brilhando em um branco fraco. Uma força se infiltra na casca de Wrenn conforme o brilho desaparece – mas não apenas força. Algo naquilo é tão fresco quanto a chuva, tão vital quanto o sol.

Melira fica tonta. O que ela fez parece ter exigido muito dela. Ela cai de joelhos, depois se senta, com as costas apoiadas na estrutura branca da Destruidora de Reinos. “Deve… deve ajudar, um pouco…”

Wrenn quer perguntar a Koth se ele salvará Chandra. Ela quer se unir a qualquer árvore, menos esta, quer se manter sendo si mesma um pouco mais. Ela quer ajudar Melira, embora nem saiba como começar.

Mas em momentos como este, é difícil conseguir o que você quer.

Ela fecha os olhos enquanto suas raízes se fundem à Árvore da Invasão. Não, ela tem outro nome, um que ela prefere, e seria rude da parte dela não usá-la. Destruidora de Reinos. Um mal-estar inunda seus sentidos. Óleo passa por cima das suas raízes, agitando-se com o mal. Nenhuma canção a preenche, nenhum chamado da floresta, apenas uma voz insistente de que Wrenn não pertence a ela.

E não pertence mesmo. Mas não importa o que a Destruidora de Reinos diga, ela vai ficar.

No fundo do recesso silvestre de seu coração, Wrenn começa a cantar. Sobre os carvalhos célebres de Innistrad, os pinheiros flutuantes de Zendikar, do bordo, do teixo e da faia ela canta. O canto escalonado da Destruidora de Reinos fica cada vez mais alto: você não pertence. Algo dentro se retorce e começa a puxar.

Wrenn grita. Ela passa os dedos pelas placas, sem vontade de ceder, não agora. Uma pressão está crescendo dentro do vazio de seu peito – o fogo está muito ansioso para lutar contra as más intenções da árvore. Está queimando o interior de sua garganta. Se ela ceder, o fogo pode muito bem lhe dar tempo suficiente para se fundir totalmente com a árvore – se não a consumir primeiro.

Mas isso não vai funcionar. Há muita fome. O fogo, a Destruidora de Reinos – há fome em ambos os lados, e ela balança entre os dois predadores.

Tudo isso está começando a doer.

Chandra saberia o que fazer. Ela podia falar a língua do fogo. Acalmá-lo, direcioná-lo, dizer aonde ele precisa ir, evitar que ele queime Wrenn como queimou a Destruidora de Reinos.

Mas Chandra está pendurada acima da ponte, e ela também está prestes a morrer aqui, e não haverá mais ninguém para ajudar.

Wrenn aperta a mandíbula com força. Você pode queimar, mas só as coisas que não são minhas, ela pensa. Chandra disse que pensar nisso pode ajudar.

Uma chama dentro de sua barriga, o cheiro de carvalho queimado. As mil vozes dentro da Destruidora de Reinos gritam ao mesmo tempo – mas Wrenn também. Como o fogo vai diferenciar os dois? Elas são a mesma, agora. Os pensamentos mais sujos de Destruidora de Reinos já ecoam em sua própria mente: eles devem se espalhar, devem tomar o que já foi reivindicado, devem despertar o Plano para as glórias de Nova Phyrexia. Como um fungo enlouquecido, elas continuam gritando mesmo quando o fogo as consome.

Mesmo enquanto a consome.

Chamas lambem seus olhos.

Wrenn os abre.

Há algo atrás de Nissa. Algo branco.

Uma luz dourada pisca em sua visão, tão brilhante que ela inicialmente a confunde com fogo – mas logo desaparece. Nissa está no centro. A luz está explodindo de sua boca e olhos, as raízes de metal que a protegem ficaram incandescentes. O golpe a cambaleia – ela derruba Chandra.

O que era…? Ah, agora ela vê – o anjo pega Chandra e a coloca na plataforma.

“Wrenn!” grita Chandra, engasgando e respirando pesadamente. “Você ainda está aí?”

“E-eu estou,” Wrenn diz. Destruidora de Reinos está tentando convencê-la que Wrenn não existe – mas ela sabe que é mentira. Enquanto o Multiverso ainda estiver em perigo, ainda haverá uma Wrenn.

Chandra engasga e tosse – mas ela coloca a mão no ombro de Wrenn do mesmo jeito. Wrenn pode ouvir sua respiração, mesmo que sua visão esteja começando a desaparecer. “Você está fazendo um ótimo trabalho, Wrenn.”

Está? Partes dela estão começando a virar cinzas.

“Você se lembra do que conversamos em Dominária?”

A voz de Chandra ecoa na cabeça de Wrenn. Tudo fica nebuloso ao redor delas, girando como uma folha ao vento. As pessoas estão gritando. Alguém está ferido. Há uma guerra acontecendo a apenas alguns metros de distância, e… o que foi que Chandra disse naquela época?

“Como… respirar…?”

Atrás de seus olhos cerrados, as cores começam a girar: dourado, vermelho, verde.

“Isso não é útil agora,” Chandra diz. Ela coloca a mão no ombro de Wrenn. O calor floresce na mente de Wrenn. Em vez de permanecer dentro dela, as chamas agora fluem da Destruidora de Reinos para Chandra, parando apenas brevemente no meio. “O fogo vai queimar, não importa o que você faça, mas você pode moldá-lo se tentar.”

É mais fácil pensar sem o fogo atrapalhando. Wrenn pode se concentrar em algo além da dor. Ela deve moldar o fogo. É uma coisa viva, assim como suas raízes. Como qualquer muda em crescimento, ela precisa de orientação.

A paisagem em sua mente muda. As cores assumem uma forma: uma árvore retorcida brota do vermelho e dourado, seus galhos são de cobre polido. Um vento invisível agita suas folhas. Lentamente, elas estão caindo, desaparecendo enquanto espiralam. Um lago infinito de óleo preto cerca a árvore brilhante. Bolhas sobem e explodem em sua superfície, cada uma tem uma voz, cada uma implora para que Wrenn se junte a elas.

Mas ela não vai. Ainda não.

Dentro dos galhos de sua árvore imaginária está uma garota. Quando ela começa a cantar, o fogo flui de seus lábios, derramando-se no vazio negro em busca de alguém que a ouça. Pelo que parece uma eternidade, a música flutua no escuro até que – finalmente, impossivelmente – ela ouve alguma coisa.

Wrenn ouve alguma coisa.

Fraco, desaparecendo, o mais leve sussurro esverdeado contra a escuridão – mas está lá.

“Você consegue fazer isso…” A voz de Chandra ecoa.

A batalha também ecoa. O triturar do metal contra osso; as ordens gritadas de Koth; o impacto estrondoso de algumas bombas invisíveis.

Ela deve se concentrar – para sintonizar tudo.

Wrenn envia suas chamas. Normalmente, ela deixaria uma muda tão tímida demorar um pouco mais. Árvores precisavam do seu próprio tempo. O trabalho de uma dríade era se atentar a esse processo, torná-lo o melhor possível. Encontrar essa pobre alma agora – enxertar-se nela – vai contra tudo o que ela sabe.

Wrenn espera que ela entenda.

Arte de Viko Menezes

As chamas avançam, sempre em busca daquele traço verde furtivo. O preto invade as raízes da árvore – mas a menina ainda canta, ainda procura, ainda espera que a distante canção retorne.

Ali está: uma muda do tamanho de sua mão, lutando contra a escuridão.

Quão solitária esta delicada criação! Há quanto tempo ela está aqui no escuro? Pontos amaldiçoados marcam suas bordas; o que resta de verde é pálido como a espuma do mar. Este não é um lugar destinado aos vivos.

À medida que sua mente a alcança – enquanto sua música enche seus ouvidos – ela molda o fogo mais uma vez. Uma floresta incandescente surge do óleo, o caminho incandescente levando direto para a muda. Ao redor delas, o óleo começa a borbulhar, a se agitar.

Junte-se a nós. Casca que nunca se quebra, folhas que nunca caem, um fogo que nunca se extingue – junte-se a nós e você será eterna.

Mas Wrenn não quer. E a muda também não, a música dela ficando estridente pelo medo.

Chandra disse que o truque era moldar o fogo. Muito bem, Wrenn seguirá a sugestão dos mirranianos lá fora. Assim como eles a protegem, ela protegerá esta muda até que possa cantar para ela totalmente crescida.

Árvores flamejantes crescem até o tamanho de montanhas, seus galhos se entrelaçando como os escudos dos construtos de Koth. Ondas de óleo preto batem contra elas – mas as árvores brilham e o óleo escorre de sua superfície crepitante. O tempo todo as chamas de Wrenn dançam sobre a muda, o tempo todo ela canta com sua voz vacilante.

Cresça, ela deseja. Por todos nós.

E embora a mudinha fosse tímida, agora ela sabe – cercada por suas companheiras maiores – que está segura. A canção de Wrenn é um tronco seco na fogueira: ele cresce alta, alta, impossivelmente alta; sua canção torna-se um canto estrondoso, um canto de guerreiro; seus galhos grossos como pedras.

Como ela ficou bonita. A felicidade brota dentro dela. Ela se sente sorrindo, embora não tenha certeza de como; seu corpo está distante e frio. Apenas os fogos aqui dão a ela algum calor. Mas o que elas farão quando esses fogos se extinguirem? Wrenn não sabe. Mas ela sabe que tem uma ótima nova parceira.

Olá, Oito, ela diz. Vou te apresentar a Teferi.

Oito sabe que não tem muito tempo. O mesmo fogo que a protege logo engolfará as duas. Com seus outros hospedeiros, ela aprendera todo tipo de coisa sobre eles — quais águas preferiam, como era a sensação do sol em suas folhas —, mas com Oito só há espaço para uma coisa.

Deixar ele crescer.

Empoleirada em seus galhos, Wrenn aponta no escuro como uma estrela em um céu sem lua. Uma centena de anos de crescimento, duas, três, acontecem em segundos. Se ela tivesse estômago, estaria perdido em algum lugar nas marés crescentes de óleo negro abaixo deles. Quanto mais alto eles sobem, pior a dor que ela sente – mas ela segura firme, mesmo assim.

Os outros falaram que Oito era o tipo de árvore que conectava todos os Planos. A princípio, Wrenn não tinha certeza de como ela a guiaria sozinha. Agora ela vê que não havia necessidade de se preocupar. Ela quer crescer. Tudo o que ela precisa é do poder que ela lhe empresta.

Com chamas queimando em seu ventre, Oito busca novos Planos. Seus galhos crescem, dividindo-se aqui e ali, cada um em seu próprio caminho. Algo no escuro cede, e logo ele abre buracos ao redor deles. Wrenn não consegue contar todos eles – é como se ela tivesse entrado no olho de um inseto. Onde antes havia escuridão, agora há um caleidoscópio de luz.

Onde quer que seu olhar pouse, há algo para atormentá-lo: um castelo cercado de todos os lados por carvalhos dourados; uma cidade de cromo imponente e reluzente à beira do colapso; um Plano onde árvores, rochas e rios explodem com a bela e brutal energia da vida. Ela vê um templo em chamas, um sol que consome tudo o que toca, um rio que corre vermelho-sangue com o óleo de seus marinheiros. Ainda assim, em todos esses Planos díspares, existe alguma unidade: céus carmesins, símbolos phyrexianos, a natureza se contorcendo contra si mesma. As pessoas que ela consegue ver estão sempre no meio de alguma luta. Crânios se desfazem sob pernas mecânicas. Soldados têm suas cabeças mergulhadas em tonéis de óleo negro. Sangue escorre da boca daqueles que preferem pegar em armas a entregar suas casas.

Chandra disse que isso afetou todos os Planos – mas ver assim, tudo exposto diante dos olhos de Wrenn, é uma história diferente.

Eles precisam da nossa ajuda, Oito diz.

Temos que encontrar o que eles não encontraram, Wrenn responde.

Eu só conheço os lugares que eles viram. Os lugares que eles me fizeram ir.

Eu conheço um lugar escondido. Mas para encontrá-lo, temos que nos perder um pouco.

Oito fica nervosa embaixo dela. Wrenn passa a mão sobre a casca dela, as brasas se arrastando na ponta dos dedos. Não se preocupe. Estaremos juntas.

Aqueles olhos não são olhos; esse corpo não é um corpo. Ela pode se desprender deles se desejar, se eles a atrasarem – e é o que ela faz. Visão não ajudará quando se trata de se perder; só vai atrapalhar. Os emaranhados da magia de Teferi não são visíveis a olho nu. Você deve senti-los – sentir seu crescimento engasgando ou disparando mais rápido, suas folhas parando, suas chamas finalmente mantidas no mesmo lugar. A luz de milhares de Planos paira sobre Wrenn, mas ela não lhes dá atenção, guiando Oito sempre para cima, sempre procurando. Como um tecelão diante de um tear, ela guia seus muitos ramos: uma subida aqui, ali uma queda; aqui uma volta, ali um fechamento. Pensar em qualquer uma dessas coisas vai deixar tudo errado. Há um lugar escondido aqui. Há um lugar que o tempo não pode tocar. Há um lugar que ninguém jamais pensaria em procurar, um lugar encontrado apenas se ela pudesse rastrear a trilha desajeitada de um amigo…

Ali.

A visão retorna enquanto as chamas rugem dentro dela. Eles encontraram o lugar certo: o céu é azul como o sonho de uma muda; o povo, embora usasse armadura, não mostra sinais de medo; os rios correm verdes; as árvores dão os frutos do tratamento gentil. Sob uma dessas árvores, ela vê uma multidão reunida de pessoas. Eles se sentam em pedras delicadamente moldadas, as roupas cobrindo suas formas brilhantes como joias, sua pele aquecida pelo sol. Entre eles estão magos, guerreiros, estudiosos e diplomatas, uma rainha e meia dúzia de fazendeiros. Com suas vozes fortes, eles agradecem a tudo o que se apresentava diante deles – aos mares, ao céu e à grande árvore que resistiu tanto.

Entre eles – ao lado da rainha – estava Teferi. Há uma tranquilidade nele que ela nunca viu antes, uma calma que o dominava. Wrenn odeia arruinar a felicidade de seu amigo, mas isso não pode esperar. Ele vai entender.

Com um pensamento, ela chama Oito, e Oito é rápido em responder. Um galho questionador abre um rasgo neste arbusto emaranhado. Rápido como seu criador, o rasgo se transforma em algo maior: um portal grande o suficiente para alguém passar.

Arte de Liiga Smilshkalne

Wrenn não consegue andar. Ela não tem pernas nesta forma de chama efêmera ou na forma física, enxertada na Destruidora de Reinos em Nova Phyrexia. Oito não pode andar. Afinal, ele é a alma da árvore; se ele for embora, tudo desmorona. Sua única esperança é gritar e torcer para que os outros percebam o que aconteceu.

“Teferi!”

O barulho de armas levantadas, o zumbido de feitiços, o sussurro de sandálias contra a terra. Eles perceberam. A fascinação domina os observadores – com pitadas de cautela e bravura. Todos os rostos se voltam para a rainha e o homem ao seu lado. Ela, por sua vez, erra por excesso de cautela. “Quem é você, efrite?”

Mas Teferi coloca uma mão reconfortante no ombro da rainha. “É uma amiga minha.” Ele desce os degraus, parando no final para olhar para a rainha. “Podemos não ter muito tempo para terminar os preparativos.”

“É ousado da sua parte presumir que existe uma ameaça que não podemos enfrentar,” responde a rainha. Sua expressão fica calorosa. Wrenn sente uma pontada de culpa. A rainha não tem como saber o que eles estão enfrentando, mas Wrenn deve esperar que sua ajuda seja suficiente.

“Wrenn, você me encontrou,” Teferi diz ao se aproximar do portal. A gentileza e o charme que ele usava com seus companheiros desaparecem um pouco. Wrenn não é boa com rostos, mas até ela reconhece a preocupação quando a vê. “Acho que não temos tempo para recordações, não é?”

Algo em seu peito fica apertado. É tão óbvio? Ela balança a cabeça. “Não. Sinto muito, não sabemos. Foi… Encontrar você foi…”

“Você não precisa explicar,” Teferi diz. “Apenas me diga o que posso fazer para ajudar.”

Por um segundo, ela não está mais lá – ela está em algum lugar frio, escuro e vazio. Quando ela volta, seu peito parece ainda mais apertado. “Precisamos de você em Nova Phyrexia. Todo mundo está lutando, mas há tantos deles e tão poucos de nós. A qualquer segundo eles vão nos ultrapassar. Precisamos de um grande herói.”

Ela pode se ver refletida nos olhos de Teferi – completamente em chamas, nenhum corpo real. Assusta-a pensar que agora ela não tem corpo, nem solidez, mas muitas coisas a assustam, e isso ainda não acabou.

“Um grande herói? Acontece que estou olhando para uma,” ele diz. “Levei décadas para encontrar este lugar, e você fez isso em pouco tempo.”

“Por favor,” Wrenn range. Essas palavras não parecem adequadas para ela. “Teferi, não há tempo.”

Ele acena em compreensão. Ele estende a mão para o ombro dela, e logo puxa para trás quando se lembra que há apenas chamas para encontrá-lo. Ele se vira para os outros-

Mais uma vez, ela desaparece da existência, novamente está frio e escuro e…

Mil bainhas amarradas a mil cinturas, mil lanças chocalhando com o movimento, botas na terra exuberante, cânticos de guerra no ar… O aperto sobe até sua garganta. Um exército inteiro havia se reunido durante aquele tempo. Milhares deles. Ela tinha acabado de falar com Teferi, e… quando todas essas pessoas chegaram?

Quanto tempo ela ainda tem?

Não o suficiente. Não é tempo suficiente.

Wrenn aperta os olhos fechados. Pense. Se não há muito dela para se juntar fisicamente à luta, ela deve fazer o que puder para ajudar. E se os phyrexianos trouxeram exércitos – bem, havia exércitos aqui. Não tantos quanto o inimigo, mas sua bravura brilhava tanto quanto sua armadura. O pessoal de Teferi poderia ajudar. Se ela pudesse levá-los para a luta, claro.

Mas isso seria uma bagunça. Este lugar está escondido dentro dos galhos da própria árvore. Deixar Teferi escapar é bastante fácil – ele era apenas uma única folha. O resto do exército seria uma confusão de trepadeiras brotando, emaranhando-se entre todos os planos díspares que ela tinha visto.

Então, quando Teferi se vira para ela, ela sabe exatamente o que deve ser feito.

Você desfaz um emaranhado passando através dele. Ela e Oito poderiam fazer o mesmo aqui – se tentassem, poderiam empurrar os Planos um contra o outro até que Nova Phyrexia cedesse, e então deixar este em seu lugar. Wrenn não sabe para onde ele vai. Oito também não parece saber – tudo o que ele oferece é que é algum lugar escuro, algum lugar que não é um lugar.

E os dois não terão muito tempo depois.

Eu estou bem com isso, Wrenn diz. Pelo menos teremos um ao outro.

Um carinho de Oito. Ela está bem com isso também.

Teferi dá um passo em direção a elas – em direção ao portal.

“Espere,” ela diz. “Não venha sozinho. Traga seus amigos.”

“Wrenn, o esforço que seria necessário para fazer isso…” ele começa, mas ela não conseguirá fazer isso se alguém disser para ela parar.

“Eu sei. Mas eu quero fazer. Por favor, traga o máximo que puder. Vou encontrar outra maneira de viver.”

Teferi não responde, mas seus amigos sim. Os guerreiros cerram fileiras atrás dele como pétalas, seus escudos se sobrepondo. Magos preenchem os espaços atrás e-

Frio, escuro, um lugar que não é um lugar-

Mais demorado esta vez. Bastante demorado. Esta vai ser a última vez, não é?

Teferi fez o chamado. Milhares responderam, prontos para correr para Nova Phyrexia enquanto os dois compartilham espaço. Tudo porque ela estendeu a mão para ele novamente. Não importa o que mais sua vida tenha sido – ela se orgulha disso.

“Foi tão bom te conhecer, Teferi. Espero que o que restar de mim se lembre,” ela diz.

O sorriso de Teferi só piora a dor. “O que quer que reste de mim sempre se lembrará da minha amiga, Wrenn,” ele diz. “Uma heroína cujo nome a precede.”

Frio nas bordas de sua visão, escuridão se aproximando de seus galhos. Pelo menos não será Nova Phyrexia. Ela está mais feliz morrendo aqui, com um galho em Zhalfir.

Wrenn fecha os olhos e faz o que faz de melhor: ela cresce.

Arte de Cristi Balanescu

O portal que se abre diante dos guerreiros agrupados de Zhalfir envergonharia uma montanha. Envolto em chamas, mas suave como a superfície de um lago, é algo belo – mas as imagens refletidas em seu interior são tudo menos isso. Do outro lado há somente metal, apenas sangue, apenas o óleo preto e escorregadio de Nova Phyrexia. Restam apenas um punhado de pessoas atrás de uma barricada improvisada: um homem nos portões, lutando contra um exército incontável com tudo o que pode encontrar, uma mulher caída perto de uma árvore e uma piromante ao seu lado, lutadores atirando pedras por falta de armas melhores. Um anjo dourado revidando contra a Grande Pretora – mas até sua lâmina celestial se exauriu.

Uma máquina de guerra rola para as paredes. Um único ataque a derrubará.

Na verdade, eles nem precisam dar o golpe. A monstruosidade arremessa o anjo através do portão – e a força disso por si só é suficiente para quebrá-las.

Os exércitos reunidos de Nova Phyrexia atravessam o portão e congelam, em confusão e horror. À frente deles está um portal para um lugar exuberante e verdejante, cultivado por mãos cuidadosas e corações atentos. É uma coisa que os horroriza. O mesmo acontece com os guerreiros que cruzam o portal e o mago que fica na vanguarda.

Já se passaram muitos anos desde que foram chamados para a guerra – mas Zhalfir está pronta.

 

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