Mtg Lore

Compêndio da Lore de Magic the Gathering

MARCHA DAS MÁQUINAS | EPISÓDIO 05: REUNIÃO CATÁRTICA

K. Arsenault Rivera

Escreveu os arcos de Voto Carmesim e Innistrad: Caçada à Meia Noite

Kaya, Kaito e Tyvar a alertaram sobre as intermináveis e ondulantes câmaras de tortura de Phyrexia. De acordo com eles, Nova Phyrexia era mais como estar preso dentro dos órgãos de uma criatura gigantesca do que um lugar em si. Tubos correndo em todas as direções formavam suas veias e artérias; os degraus cromados que levavam à Árvore da Invasão eram suas costelas; a árvore em si era uma coluna nojenta. A imagem que ela tinha em sua mente era tão clara quanto horrível.

Mas quando ela chega, ela vê algo diferente. Não há dúvidas de que eles estão na barriga da besta – só que não era a mesma besta que os três viram. Este lugar está cheio de luz ofuscante iluminando as estruturas ossárias ao seu redor. A Árvore da Invasão ainda é a coluna da criatura, mas é complementada por estruturas brancas acentuadas. Plataformas, Chandra pensa, cada uma cheia de phyrexianos cuidando de seus cruéis afazeres. Como formigas ao longo das folhas, especialmente quando visto de uma distância tão abaixo.

Chandra não consegue compreender a altura da Árvore da Invasão. A original em Kaldheim deveria ser enorme, mas isso é maior do que os Eternos-deuses, maior do que qualquer coisa que ela já tinha visto. Mesmo inclinando a cabeça a ponto de doer, ela não consegue ver a copa. Ela esperava que Wrenn dissesse algo, mas talvez o silêncio de sua companheira sobre o assunto fosse pior.

“Vamos, não é para criar raízes,” é a única coisa que Wrenn diz antes de começar a se mover. As chamas internas crepitam contra sua contenção. O fogo está sempre ansioso para mostrar como se sente.

Arte de Grzegorz Rutkowski

Ela está indo em direção a uma estrutura quebrada em forma de agulha não muito longe da plataforma onde pousaram. Wrenn notou a mesma coisa que Chandra: há pessoas na base daquela agulha, pessoas descendo. A armadura dourada os destacavam contra todo o vermelho e branco ao seu redor – e ainda mais e a pele por baixo daquela armadura. Chifres e pontas de metal dizem que não são exatamente humanos, mas também não são phyrexianos. Cada um se move em seu próprio tempo, e sangue mancha as roupas de alguns deles.

Os pés de Chandra a levam em direção aos outros, cada passo pesado com ansiedade. Vir até aqui foi a coisa certa a fazer, ela tinha certeza disso, e aqui está a evidência: sobreviventes precisando de ajuda. Teferi sempre disse que tempos difíceis criam rápidos aliados.

“Valeu a pena desmontar aquele embaralhador. Não esperava ajuda tão cedo,” diz um dos sobreviventes perto da base da agulha. Para sua surpresa, ele não parece muito feliz em vê-la. Aço sobressai de sua pele como as escamas na testa de uma serpente, um forte contraste com a estética phyrexiana. Ele deve ter algum tipo de parentesco com o material; alguns dos outros sobreviventes flutuam até a ponte, agarrados às rochas que ele parece controlar. Wrenn é rápida para ajudar com o alcance elevado de Sete.

“Viemos assim que conseguimos,” ela diz. “Meu nome é Chandra. Esta é Wrenn.”

“Planejavam ficar por aqui?”

“O quê? Claro que sim. Não teríamos vindo senão fosse para isso,” Chandra diz.

“Isso pode significar que você morrerá aqui.” Ele cruza os braços, a estuda. Uma das mulheres do grupo suspira. Ao contrário de qualquer um dos outros agrupados, não há vestígios de metal nela em qualquer lugar. Contra as linhas duras da paisagem de Nova Phyrexia, suas feições são suaves.

“Vou arriscar. Há muito em jogo para sentar e não fazer nada,” diz Chandra.

Eles se encaram por um tempo – ele estreitando os olhos, ela olhando para ele. Depois do que pareceu muito tempo, dadas as circunstâncias, ele acena com a cabeça. “Koth,” diz o homem, apresentando-se. “Essa é Melira. São só vocês dois?”

“Por enquanto,” Chandra diz. “Digo, talvez. Eu não acho…”

Koth apalpa a nuca. Ele parece ponderar. “Duas pessoas.” Enquanto seu olhar cai no chão, Chandra o acompanha. Há outros corpos entre os centuriões phyrexianos – humanos. Seu coração afunda.

Ela não pode deixá-lo ficar nas profundezas. Quando se trata de guerra, moral é tão importante quanto a tática e suprimentos. “Duas planinautas. E nós somos tudo que você precisa. Wrenn tem um plano.”

“Ah é?” Koth pergunta. “Um plano. Incrível.”

“Não seja tão severo,” Melira interrompe. “Não podemos abandonar a esperança agora. Pode ser algo que nós não tentamos.”

“Ela está certa, sabe,” Wrenn diz. “Você não pode ter tentado isso. Não há nenhuma outra dríade ligada simbioticamente a uma árvore.”

Chandra não tem certeza se é uma piada – às vezes, com Wrenn, é difícil dizer. Ela se surpreende rindo assim mesmo. A mulher também sorri um pouco, e isso parece um próprio tipo de vitória.

Koth permanece cético. “Vamos ouvir essa ideia,” ele diz.

“É simples. Vamos para a árvore. Assim que estivermos lá, vou me agarrar a elA e tentar guiá-la,” Wrenn responde.

“Ela é boa nisso. Muito boa!” Chandra acrescenta quando Koth estreita os olhos. “Talvez tenhamos um amigo que também pode ajudar. Talvez você já tenha ouvido falar de Teferi?”

“Não.”

“Bem,” Chandra passa a mão pelo cabelo, “ele é o mago do tempo mais forte que já existiu, e é isso, e ele é um bom amigo meu, então ele vai ajudar se pedirmos.”

“E onde está esse Teferi?” pergunta Koth.

Chandra olha para Wrenn, que dá a ela um aceno inexplicável e misterioso. “Ele está chegando. De qualquer forma, assim que estivermos na árvore, o resto virá junto. Nós vamos usá-la contra eles.”

Koth cruza os braços. “E você tem certeza de que pode fazer isso, Wrenn?”

“Tanto quanto alguém poderia ter.”

Ele faz um som baixo e pensativo. “Certo. Não temos muitas outras opções. Quando perdemos Karn, eles o levaram dessa forma também. Norn queria dar a ele especial tratamento. Podemos também tentar obter o controle da árvore e resgatá-lo ao mesmo tempo.”

“Teremos que agir rápido,” diz Melira. “Norn provavelmente não acha que um punhado de rebeldes são uma ameaça. Podemos usar essa arrogância a nosso favor e atacar antes que ela perceba como ameaçadores podemos ser.”

“A base da árvore é fortemente protegida. Mais centuriões do que o necessário. Nós tentamos desse jeito, todo mundo estava morto antes de começarmos,” Koth chama a atenção deles novamente. “Você duas estão preparadas para uma viagem difícil?”

“Custe o que custar, estou dentro,” Chandra diz. Wrenn acena com a cabeça também.

“Ótimo. Porque você não é a única com um amigo poderoso,” ele começa.

“Quando você disse amigo…”

“Ele é um amigo. Por enquanto. Talvez mais como se ele não fosse um inimigo. É complicado.”

“Você tem certeza?”

“Tenho.”

Chandra não. Olhando para seu próprio reflexo na carapaça polida de Urabrask, ela não tem certeza do que pensar. Ele ainda não atacou, mas talvez estivesse esperando o momento certo. Ele não a insultou ou falou sobre união, mas talvez isso seja tudo um disfarce.

Ela cruza os braços.

Urabrask solta uma respiração. “Que línguas afiadas,” ele diz. “A luta interna será a morte de sua espécie.”

Chandra franze a testa. Ele está certo, e ela meio que odeia isso. Wrenn oferece uma mão consoladora em seu ombro enquanto Urabrask se vira em direção à borda de sua plataforma.

“Os principais caminhos para a Árvore da Invasão são protegidos por mais phyrexianos do que a sua mente consegue imaginar em um mesmo lugar,” ele explica. Ele não precisava apontá-los com suas garras, mas ele faz. “Se um deles nos vir, Norn saberá instantaneamente. Koth aprendeu isso anteriormente. Como demonstração de boa vontade, contei a ele sobre a passagem que você tomou para chegar a esta plataforma.”

O caminho que eles seguiram estava bem escondido. Naquele momento, Chandra pensou que Koth o sentira abaixo do solo com seus poderes. Eles não tinham visto uma única patrulha em seu caminho através da passagem tortuosa. Também foi uma coisa boa, considerando o quão estreito alguns dos túneis ficaram.

“Daqui, olhos orgânicos conseguem contemplar a Destruidora de Reinos sem obstrução. Mais importante, a trajetória é clara e está dentro dos limites de sua cognição. Sua chance de sucesso ainda é quase inexistente.”

“Eu vim aqui para ajudar,” retruca Chandra. “Eu não me importo com o que algum esquisitão phyrexiano pensa de mim, eu vou fazer o que eu puder aqui. Por que você está nos ajudando, afinal?”

Fogo ruge nas órbitas da carapaça de Urabrask. “Porque Norn abafa as chamas da criação com sua pontificação. Phyrexia não pode prosperar se houver apenas uma Phyrexia.” Magma pinga de suas mandíbulas, nuvens de fumaça subindo dos buracos que ardem. “Até uma salamandra sabe. Urabrask não serve a ninguém.” Melira põe-se entre os dois. “Vamos manter nossos olhos no objetivo. O plano é fazer com que Koth lance vocês dois sobre o abismo.

“Por que só nós?” Chandra pergunta. Verdade seja dita, ela estava grata pela pausa.

“O restante dos mirranianos fornecerá uma distração tentadora para a chamada Mãe das Máquinas. Eles encontrarão uma patrulha em algum lugar e começarão uma briga. Ela vai se concentrar em eliminá-los, deixando nosso caminho no ar livre.”

Esse… é talvez o plano mais simples que Chandra já ouviu para lidar com a situação mais precária que ela já encontrou. Arremessá-los através do abismo? Ela dá um passo na beirada da plataforma. O abismo que se abre diante dela provavelmente caberia em todos os prédios mais altos de Ghirapur empilhados juntos. A plataforma de frente para a árvore está tão distante que ela pode cobri-la com o polegar.

“Oh. Não gosto de viagens aéreas,” Wrenn diz.

“Não vai durar muito,” Koth diz. “Posso nos lançar daqui. Urabrask diz que a plataforma é usada principalmente para manutenção. Norn está ocupada com a elfa fazendo outra coisa agora, então o caminho deve estar livre.”

A elfa. Apesar de todo o fogo em seu coração, o sangue de Chandra gela com o pensamento. Eles estão sendo tão casuais sobre isso. Ela quer brigar com eles novamente, dizer que Nissa é importante de maneiras que eles não conseguem entender, mas se ela ceder, eles podem pensar mal dela. Afinal, ela veio aqui para ajudar o Multiverso. Resgatar Nissa é um detalhe, em comparação.

Mas se essa é a plataforma dela, e se ela estiver lá…

“Vamos,” Chandra disse.

“Que bom que você está de acordo,” Koth disse.

“No momento em que sua dríade fizer contato com a árvore, Norn saberá. Precisamos agir rapidamente. O mais rápido que sua carne pode ir sem se desfazer.” Urabrask já se virou na direção da plataforma. Curiosamente, ele se inclina e começa a esculpir símbolos no metal abaixo deles.

Este pequeno grupo de pessoas é tudo o que existe entre Phyrexia e o Multiverso. O peso em seus ombros ameaça esmagá-la. Chandra anda de um lado para o outro, como se para compensá-lo em movimento. Wrenn e Sete permanecem parados onde Koth disse para eles ficarem, olhando para frente, para as forças reunidas. O ar aqui não é bom para Sete – as pontas de seus galhos ficaram pretas. O que estará fazendo com o restante deles? Quanto tempo eles podem ficar aqui antes que eles comecem a mudar, também? Aquela última porção de Halo não duraria para sempre.

“Está pronta?” Koth pergunta.

Chandra para, uma perna de cada lado de uma runa inscrita. Cada vez mais, ela abre e fecha as mãos. “Sim.”

“Certamente,” diz Wrenn.

Koth assente. “Mirranianos, estamos prontos?”

Chandra não pode chamar os gritos de resposta de calorosos, ou mesmo de confiantes. Não, ela ouvira aquele tipo de tom antes, e está mais perto do desespero do que da esperança. Seu peito dói. Ela conta o número de mirranianos, imaginando quantos terão desaparecido na próxima vez que ela os vir.

Koth enfia o punho na terra.

As runas sob seus pés ganham vida. Um instante depois elas são atiradas direto para o ar, tendo apenas a pedra abaixo deles como âncora. O ar chicoteia em seus rostos; Chandra protege os olhos para evitar que lacrimejem.

Arte de Cristi Balanescu

Atrás dela, ela pode ouvir o grito de Koth: “Mantenha-se no ar se for preciso!”

Seria melhor se ela estivesse lá embaixo, com ele?

Não adianta ficar imaginando.

Especialmente quando eles têm companhia no ar.

Chandra não tem certeza de como chamar as feras que as atacam – elas são um pouco como pássaros, um pouco como morcegos, e grande parte de seus corpos são feitos de lâminas de metal. O que importa é que eles estão no caminho, e se eles estão no caminho, eles vão ser explodidos. O fogo os derrete do mesmo jeito que as outras coisas, embora ela já esteja começando a sentir oscilações entre os golpes. Na outra plataforma, Wrenn e Sete agarraram um deles e o usou para forçar os outros a fugirem.

Elas não ficam no ar por muito tempo, mas os morcegos de lâminas as cercam o tempo todo. Chandra está tão ocupada lutando contra eles que ela não consegue acompanhar onde estão em relação à árvore. O impacto a lança em um dos galhos mais baixos da Árvore da Invasão. Seus ossos estralam enquanto ela é jogada na superfície branca irregular. Ela tem certeza que uma de suas costelas quebrou, porque dói respirar, mas ela precisa respirar se quiser chegar a algum lugar.

Um dos morcegos-lâminas desce sobre ela, suas asas formando uma broca. Os dentes dela chacoalham com o som. Chandra se atrapalha, rola para longe da criatura, se empurra para cima em um afloramento. Os morcegos-lâmina trocaram de armas: agora, quando ele mergulha nela, ele tenta imobilizá-la na parede. Uma rápida rajada de fogo o funde em uma bola de metal a seus pés.

Chandra respira dolorosamente. “Quase chegando.”

“Sim, espero que sim,” responde Wrenn. “Que estranho… Está tão quieto.”

Chandra não sabe se já ouviu Wrenn falar com medo antes.

Mas ela entende o porquê. Esta árvore é enorme – maior do que qualquer coisa que Wrenn já tentou se vincular, e ainda mais detestável.

Há uma chance muito real de que esta seja a última árvore na qual ela se juntará. E embora parte dela queira convencer Wrenn a desistir, ela não consegue. A coisa toda cheira a pragmatismo e sacrifício, mas, em última análise, não é sua escolha. É de Wrenn. E até onde eles sabem, é a melhor chance deles.

As placas ao longo da árvore mudam e se reformam. Chandra tenta explodi-las, mas ela não é rápida suficiente; eles se transformam em centuriões antes que ela possa se livrar de todas as suas partes. Deve ter uma dúzia deles – a maioria armados com espadas, mas alguns com seus braços transformados em lanças. Um deles assumiu a forma de um estranho cão metálico.

Ela fica de costas contra Sete.

“Teremos que agir rápido,” Chandra diz. “Pode começar? Eu te cubro.”

“S-sim, eu posso.”

Alguma coisa muda atrás dela. Chandra prepara outra rajada de fogo. Chamas envolvem o ramo, consumindo dois dos centuriões agrupados, mas eles não se movem. O tempo todo eles estão queimando, nenhum deles se move.

“Wrenn, estou com um mau pressentimento…” Ela começa.

Mas as bocas dos centuriões geram sua resposta, pele escorregadia com óleo preto e corrupção. “Não queremos machucá-la. Só queremos recebê-la bem no nosso lar.”

Ouvir a voz de uma mulher solitária emergindo de tantas gargantas, duplicada e duplicada novamente, deixa os dentes de Chandra no limite. “Eu não me importo. Vamos, Wrenn-”

Duas lanças voam para ela assim que ela olha para trás. Chandra mal tem tempo de gritar antes de estar presa à árvore de placas brancas. De alguma forma, suas roupas são as únicas coisas danificadas – as lanças caíram logo abaixo de suas axilas. Ela é um alvo parado aqui em cima, mas se Wrenn puder libertá-la, eles ainda podem ter uma chance.

Mas quando ela começa a gritar, ela vê o que está mantendo Wrenn ocupada.

Uma figura enfrenta Wrenn. Magia verde crepita em torno de seu corpo metálico, seus quatro braços agindo como conduítes. Um – uma lâmina – corta o tronco mais grosso de Sete como se quebrasse uma vareta. A magia envolve os membros restantes de Wrenn e Sete, prendendo-os, então levantando-os no ar.

“Podemos aperfeiçoar você do jeito que aperfeiçoamos ela,” dizem as vozes. “Todos os seus defeitos, suas fraquezas, não existem mais. Você nunca mais ficará sozinha depois de se tornar um conosco.”

As palavras não a atingem. Agora não.

Porque ela reconhece aquele rosto. Ela o reconheceria em qualquer lugar – o jeito que suas bochechas arredondam quando ri, as orelhas propensas a contrair-se, o nariz pequeno, a boca tantas vezes curvada em um sorriso secreto. Se todas as memórias da cabeça de Chandra saíssem dela como metal em um jarro de ferreiro, esta permaneceria teimosamente alojada dentro dela.

Nissa.

Não pode ser, mas tinha que ser. Mesmo com dois novos braços enxertados em seu corpo, mesmo com lágrimas negras riscando suas bochechas, mesmo quando muito dela agora era raiz de cobre e espinheiro – Chandra a reconhece. Até a maneira como ela inclina a cabeça na direção de Chandra é a mesma. Palavras não ditas pesam na língua de Chandra; a agonia do reconhecimento dilacera seu coração. Reconhecê-la… reconhecer Nissa assim dói mais do que morrer, ela tem quase certeza – o que poderia doer mais do que isso?

Mas então Nissa fala e Chandra tem sua resposta. A voz de Nissa é a única coisa que eles não mudaram. “Você está com medo, não é? Minha nova forma deve ser difícil para você entender.”

“Nissa,” Chandra range. É tudo o que ela consegue dizer. Há muitas outras palavras em sua cabeça agora, lutando para sair: Você não é isto. Você não tem que trabalhar para ela. Podemos encontrar uma maneira de consertar isso. Por favor, pare. Sinto muito por termos parado de nos falar.

Mas tudo o que sai – uma e outra vez – é o nome de Nissa.

Nissa não reage. Não há nenhum pequeno sorriso, nenhum brilho em seus olhos, nenhuma expressão enquanto ela se vira para Wrenn e Sete.

Mais duas lanças prendem Chandra. Um acerta sua panturrilha. Ela grita, pressão forçando seus olhos. Fogo lambe seus dedos. As respirações que ela tenta fazer não funcionam para acalmá-la.

“Você não tem nada a temer,” Nissa diz. Seu tom é horrível e monótono. Enquanto Chandra assiste, ela rasga Sete membro a membro – os membros afiados e a lâmina de seu novo corpo trabalhando em conjunto com sua magia. Wrenn também está gritando também, fogo queimando atrás de seus olhos, mas Nissa ainda não reage. Apenas quando a pequena forma dríade de Wrenn resta, Nissa deixa ela cair no chão. “Não sinto mais dor.”

“Isso… isso não é sobre…!” Chandra gagueja. Está ficando difícil pensar, há muita energia se acumulando dentro dela, e nada disso tem para onde ir.

Nissa se vira para ela. “É sobre o seu plano? Ele já falhou. A Mãe das Máquinas me enviou para detê-la.”

“Por quê?” sai um grito, uma acusação.

“Porque o que você está fazendo é imediatista. Você sempre foi imediatista.” Um movimento de sua mão e os centuriões para. Outro, e eles removem as lanças – até aquela que perfurou a panturrilha de Chandra. A liberdade não ajuda muito. Com a dor atravessando sua perna, Chandra não vai correr para lugar nenhum tão cedo.

Se ela quisesse, ela poderia revidar. Cauterizar ferimentos não é difícil para um mago de fogo. Ela poderia pegar toda essa energia acumulada dentro de si e liberá-la. Não tem como ninguém conseguir fugir de um golpe como aquele. Nesse ponto, pode haver energia acumulada suficiente para causar sérios danos à árvore também. Não importa as “melhorias” feitas por Norn, nenhum metal pode suportar o coração de um sol, certo?

“Você queria ser a heroína, não é? Você queria salvar a mim e ao Multiverso em um ataque. Infelizmente, você entendeu as coisas ao contrário. Estou aqui para te salvar. Como sempre.”

Seria a coisa mais fácil do mundo liberar aquilo tudo.

Mas se ela o fizer…

A língua de Chandra gruda no céu da boca.

Nissa dá um passo na direção dela. O sorriso que se abre em seu rosto é largo e cheio de dentes e nada parecido com ela. “De todos os seus companheiros, apenas você e a dríade escolheram nos enfrentar. Sua espécie carece de unidade e compreensão.”

“Estão chegando outros,” Chandra diz. Ela fecha os olhos com força. Se ela não olhar, é mais fácil para manter tudo dentro. Mais fácil, também, banhar todo esse galho em chamas. Se ela quisesse. Se ela não olhar nos olhos corrompidos de Nissa, ela não terá que lembrar de como seu rosto estava enquanto ela —não. Não, ela não pode. Não é apenas sobre ela, ou sobre Nissa, ou qualquer pessoa. Há mirranianos morrendo sob seus pés para lhes dar a chance de estar aqui. Centenas de Planos contam com eles para derrubar esta árvore. Por mais quente que seja sua chama, Chandra sabe que não pode derrubar a árvore de uma só vez.

Ela abre os olhos. Lá está Nissa, gesticulando com seu braço-lâmina, movimentos nítidos e precisos e nada dela. “Olhe ao seu redor. Não tenha medo, eu esperarei.”

Chandra não consegue evitar – ela olha. Ela preferia não ter feito aquilo.

Há um exército do outro lado da ponte. Um exército numeroso e abundante, a luz refletindo em suas formas elegantes e prateadas. Uma monstruosidade dracônica na vanguarda carrega uma bandeira azul. Ao lado dele está um ser imponente, que Chandra assume ser o general deles. Cada batida de seus pés é um trovão, cada arma uma flecha nas costas de suas esperanças.

Ela nem consegue nem ver os mirranianos daqui. Como eles vão derrubar uma força como aquela?

“Pedi a bênção da Mãe das Máquinas para falar com você no momento em que soube o que estava planejando. A resistência nunca teve uma chance. Mas eu sabia que havia uma oportunidade para você. Eu sei o que você poderia ser, se você se juntasse a nós.”

Norn sabia. O tempo todo que eles estiveram aqui, ela sabia o que estava acontecendo. A esparsa resistência que encontraram não foi porque Norn estava ocupada com a invasão, mas era uma armadilha.

E agora todos vão morrer, ou pior.

A tristeza é um caco de porcelana em sua garganta. Ela tenta engolir. Tudo o que faz é doer mais.

Chandra dá um passo para trás. Seu calcanhar alcança o terreno arredondado da plataforma. Mais um passo e ela cairá – uma estrela ardente, as esperanças frustradas do Multiverso.

Nissa dá mais um passo à frente. Ousada, agora, ela traça uma garra metálica ao longo da maça do rosto de Chandra – mas ainda não é Nissa quem está falando. Chandra se sente mal. “Estamos te oferecendo a mais sagrada das graças: liberdade deste medo. Ao ingressar em nossa congregação, você nunca mais conhecerá a solidão. Nós nunca deixaríamos você morrer sozinha.”

“Eu não estou sozinha,” Chandra estala. Ela não está. Wrenn está deitada no chão, com dor, mas viva. Enquanto Nissa estava falando, Wrenn se aproximava cada vez mais da árvore.

Por um segundo, há esperança nos olhos de Chandra.

Nissa logo segue o olhar de Chandra para a dríade caída. Uma risada amarga sai de seus lábios. Galhos de cobre brotam da superfície da árvore para agarrar Wrenn com força.

Wrenn grita.

“Estamos vendo. Você ainda está viva. Impressionante. Você será uma ótima guardiã para a Destruidora de Reinos,” Nissa diz. Após um momento de consideração, a cabeça de Nissa se vira para Chandra novamente. “Quanto a você, diremos apenas isto: há muitas maneiras de servir Phyrexia. Quando você se juntar ao rebanho, descobrirá o que realmente deveria ser.”

A respiração de Chandra está ficando irregular. Sua cabeça está latejando. Jaya poderia falar com ela sobre isso, mas Jaya está morta; Gideon poderia absorver qualquer coisa que ela jogasse nele, mas ele também está morto.

E agora há Nissa.

Mas há Wrenn também. E enquanto Nissa avança mais uma vez, Wrenn chama a atenção de Chandra. Chamas tremeluzem dentro de seu corpo pálido. O metal ao redor dela começa a brilhar. Com os centuriões desviando os olhos e Nissa focada em Chandra, Norn não tem como saber o que está prestes a acontecer.

Respire, ela diz a si mesma. Aguente mais um pouco.

O outro calcanhar de Chandra atinge a beirada. O fogo gira em torno de seu antebraço. “Eu não estou desistindo.”

As orelhas de Nissa se abaixam, seus lábios se abrem. Uma suavidade se insinua em torno de suas bochechas oleosas. Quantas vezes ela já viu esse olhar? Nas horas frias da noite, antes do nascer do sol, quando conversavam sobre o que lhes vinha à cabeça; sempre que Chandra aparecia com uma ideia que não fazia muito sentido e Nissa não tinha certeza de como contar a ela. Quantas vezes ela viu isso?

Por que dói tanto agora?

“Chandra.”

Essa é a voz dela. A voz de Nissa. Sem nenhuma interferência, sem a influência de Norn – apenas Nissa.

As chamas de Chandra se apagam.

Nissa estende a mão. “Por favor, venha conosco. Sinto sua falta.”

Arte de Cristi Balanescu

Uma vida sem medo. Uma vida sem os outros questionando todas as decisões que ela já tomou. Uma vida livre de solidão e dor. Mesmo se elas pararem os phyrexianos aqui, algo mais não tomaria o seu lugar? Bolas, os Eldrazi, Elesh Norn – sempre houve um tirano. Mas se ela pegasse essa mão agora, essa história poderia acabar.

Seria como fugir juntas.

Fugir de seus problemas, de suas responsabilidades e de todos que sacrificaram tudo para levá-las até aqui.

“Também sinto sua falta,” Chandra diz. Lágrimas queimam seus olhos. “Sinto tanto a sua falta. Mas não posso. Me desculpe.”

Toda aquela familiaridade, toda aquela suavidade, desaparece em um instante. O rosto de Nissa se torna uma máscara de raiva no momento antes da chama.

Chandra se abaixa sob o braço afiado de Nissa e enfia seu punho de fogo no próprio galho. Um segundo de laranja ofuscante é todo o aviso que elas tem antes da plataforma abaixo explodir. O impacto joga ela e Nissa para longe, os centuriões caem como granizo. Apenas Wrenn está perto o suficiente da árvore para se agarrar a ela.

Ela vai ter que lidar com isso daqui pra frente.

Comentários

Magic the Gathering é uma marca registrada pela Wizards of the Coast, Inc, uma subsidiária da Hasbro, Inc. Todos os direitos são reservados. Todas as artes e textos são de seus respectivos criadores e/ou da Wizards of the Coast. Esse site não é produzido, afiliado ou aprovado pela Wizards of the Coast, Inc.