Mtg Lore

Compêndio da Lore de Magic the Gathering

EPISÓDIO 02: O DOLOROSO PESO DAS GENTILEZAS

“Você já a viu?”

“Não, e você?”

“Terrível, simplesmente terrível, nos fazer esperar tanto tempo só para ela aparecer. Ela pode pensar que é a Senhora de Innistrad, mas-”

“Não diga isso tão alto, Relio-”

“Mas ela está tão longe! Não vou acreditar até ver com meus próprios olhos.”

Propriedade dos Voldaren | Arte de Richard Wright

Relio bebe de sua taça. Um pouco de sangue escorre por seu queixo, manchando sua camisa branca, o que Cordelia avisou que aconteceria. Ele nunca a escuta. Não se alimente de vagabundos, ela lhe disse, mas lá foi ele; não brigue com os Nusfar apenas porque eles se parecem com crianças, ela disse, e depois o encontrou balançando balinhas ensopadas de sangue sobre a cabeça de uma garota com, pelo menos, cinco vezes sua idade. De todos os vampiros que Cordelia conhece, Relio parece o mais ansioso para se separar de sua imortalidade.

Honestamente, ela está cansada de lidar com isso. Há muito mais para ver. As reuniões dos cultistas de Stromkirk tinham seu próprio charme, sim, mas não tinham nem um grama dessa ostentação. Cordelia gosta de um bom discurso profético tanto quanto qualquer outra mulher, mas às vezes é bom ver como vive o outro lado.

Praticamente todos estão reunidos na Propriedade dos Voldaren para o casamento. Olivia realmente se superou com a decoração. Cordelia não sabia que aquilo era possível. Ainda assim, é difícil discutir com as visões. A Propriedade Voldaren está completamente vermelha: o tapete vermelho sob seus pés, marcado com fios dourados; vermelho nos vestidos e ternos dos participantes de acordo com o código de vestimenta; vermelho, bonito e escuro, nas fontes de sangue escalonadas a cada poucos passos. Mas o mais impressionante eram as pétalas vermelhas rodopiantes dançando no ar. Antigamente, séculos atrás, Cordelia cuidava de jardins. Assistir as pétalas flutuando no ar a lembrou de dias passados há muito tempo.

E é muito melhor do que ouvir Relio continuar.

Ele ainda está falando, mas ela não está mais prestando atenção. Algo sobre Olivia deixar Domnathi vir. E ela queria saber o que havia de tão ruim nisso? Ah, sim, ela se associava com demônios, mas não há nenhum demônio aqui, ou, pelo menos, nenhum que Cordelia possa ver, e, pelo menos, Domnathi ouviu o código de vestimenta. Relio veio de branco e azul. Sério. Suas mangas já estão roxas com todas as pétalas, o sangue recuperando sua forma líquida ao encontrar o tecido.

Um humano passa, felizmente proporcionando outra distração da tagarelice incessante de seu companheiro. O bom gosto de Olivia está realmente em exibição esta noite – os escravos são robustos, ágeis, bonitos e atraentes, mas nunca enfadonhos. A bandeja em suas mãos contém taças de cristal de sangue fresco; Cordelia refletiu por um longo momento se ela seria punida por beber direto da fonte. Não há marcas na forma ondulante deste homem. Provavelmente não vale a pena arriscar se ele for o animal de estimação especial de alguém. Além disso, já estão acontecendo cinco duelos no salão, um dos quais está prestes a ser eviscerado. É impróprio estripar alguém em um casamento.

Mas isso não pára os Nusfar. Poucas coisas o fazem. Enquanto Cordelia pega outra taça, um menino que parece ter dez anos enfia a mão no peito de um homem. Ela desaprova. A vítima é Kristoff Laurent, um Markov conhecido por duelar sem hesitação – mas toda a habilidade marcial do mundo não vai salvá-lo contra o puro instinto predador dos Nusfar. Ela gostava de Kristoff, porém, ele era tão apaixonado por todos os lugares quanto pelo campo de batalha.

Ao vê-lo sangrar agora, ela sente apenas um mínimo traço de tristeza. Ah bem. O amor é tão fugaz como uma flor, até para os imortais.

“E olha só quem foi convidado. Monstros. Eu estou falando, ser um vampiro hoje não significa o que era antes,” Relio balbucia. “Ora, o fato de estarmos todos nos curvando a essa louca deveria lhe dizer algo.”

“Relio, você é um Voldaren,” ela diz categoricamente.

“Isso significa apenas que a conheço mais do que a maioria! Duzentos anos atrás, nunca estaríamos brincando com Domnathi

A próxima bobagem de Relio morre no mesmo momento em que ele, afogado no sangue que jorra de sua boca. Como uma cachoeira, ela desce pelo peito. Ele estende a mão para Cordelia, mas ela evita seu aperto da morte. Três segundos depois, seu cadáver cai com um tum no chão de mármore polido.

Henrika Domnathi, notável simpatizante dos demônios, está logo atrás dele. Tentáculos carmesins se enredam em seus dedos. Sangue escuro e arterial enche seu cálice. Quando ela encara Cordelia com seu olhar de aço, tudo o que ela pode fazer é evitar a fuga.

“Homem terrivelmente chato,” ela diz. “Amigo seu?”

“Não. De jeito nenhum, Lady Domnathi, de jeito nenhum,” Cordelia diz.

A suposta amante de Griselbrand sorri. “Bom. E você é?”

“Cordelia-”

“Ahh, sim, uma Stromkirk, não é?” ela diz. A maneira como ela estuda a roupa de Cordelia é desconfortável como um gato examinando um camundongo. “Eu fiz algumas perguntas para os seus ultimamente, mas parece que ninguém vai respondê-las. Isso não é uma vergonha?”

Há rumores sobre o que Henrika Domnathi faz às pessoas que não respondem às suas perguntas. Fracos, porque todo mundo tem medo de falar em voz alta. A linhagem Domnathi é famosa por se associar com demônios, embora o objetivo não esteja claro. E, pior do que isso, dizem que fazem… favores para aqueles demônios, em troca de poderes com os quais outros vampiros podem apenas sonhar. E quando se tratava da própria Henrika, bem…

Um escravo humano silenciosamente se inclina para arrastar o corpo de Relio para longe. É o suficiente para desviar a atenção de Cordelia por apenas um segundo. Um medo primitivo apoderou-se dela: ela pode ser uma vampira, mas Relio também era. Ela não quer acabar como ele. Se Henrika quiser, ela pode simplesmente matá-la –

Tim, tim, tim.

Silêncio ecoa sobre o grande salão como uma maré carmesim enquanto todos os olhos pousam no estrado.

Olivia Voldaren finalmente chegou.

Olivia, Noiva Carmesim | Arte de Anna Steinbauer

E que entrada! Flutuando escada abaixo em suas finas vestes de casamento, sua comitiva circulante, assombrada, erguida por morcegos! Cada luz arcana cintilante brilhou de novo, cada uma iluminando algum novo detalhe: o brilho de suas joias de ouro, o brilho de seus dentes, o glamour de um vestido feito com os espíritos de suas vítimas mais antigas. Em todo o tempo em que Cordelia viveu – algumas centenas de anos agora – ela nunca viu tamanho padrão de alfaiataria. Aquele colar devia ser tão grande quanto algumas crianças.

Até Henrika está impressionada, um suave hmm escapando de seus lábios. Ela passa o braço em volta de Cordelia. “Que pena, a festa começou.”

“Oq-que pena,” Cordelia repete.

Mas Olivia as poupa de qualquer conversa futura.

“Saudações, meus queridos amigos, meus mais ardentes inimigos!” Nada de bom pode resultar dela parecer tão feliz. “Vejo que já tivemos alguns assassinatos. Que alegria! Não sei dizer o quão feliz me deixa ter sacrifícios de sangue no meu casamento! Mas o que seria um casamento sem um noivo?”

Ela segura o copo no alto em sinal de algumas forças invisíveis. Logo ela não está mais sozinha no estrado: um grupo de servos imaculadamente vestidos – a maioria em trajes avacynianos, pela piada – emergem carregando um elaborado caixão de pedra: mármore incrustado com ouro, coroado pelos raios markovianos.

Os escravos colocam o caixão de pé.

Naquele momento, o salão de baile está mais silencioso do que nunca.

Chandra Nalaar caminha de frente para o perigo.

Essa é sua rotina habitual. Geralmente funciona. Hoje à noite, quando ela tenta passar pelos guardas do lado de fora da Propriedade Voldaren, isso não acontece. Em vez disso, Teferi a agarra pelos ombros no momento em que um pássaro voa contra a parede. Qualquer que fosse a magia que eles tinham, incinera a ave bem ali mesmo. Fragmentos de cinzas em forma de pássaro caem onde fizeram contato.

“Bem… acho que não vai funcionar,” Chandra diz.

Adeline sufoca uma risada, o que quase faz tudo valer a pena. Chandra não a ouve rir há algum tempo. Com alguma amargura, ela olha para os guardas erguidos de cada lado do portão. Não é diretamente culpa deles, mas eles são parte do problema.

Só para convidados | Arte de Micah Epstein

Ir direto para os portões da frente foi ideia de Arlinn. Se houvesse um casamento em andamento – e se aparecessem em um grupo pequeno, com Sorin – então talvez eles pudessem entrar. Chandra achou que era estúpido desde o início. Quem é que ouviu falar sobre alguém que deixou o inimigo entrar direto no seu evento só porque está com roupas elegantes? Mas Sorin também achou que valia a pena tentar, então aqui estavam eles.

Mas, para ela, a resposta certa era colocar fogo em tudo. Os guardas vão se espalhar, ou então o grupo será capturado e contra isso eles podem lutar.

Era a hora de fazer ou morrer em Innistrad. No caminho para cá, o grupo reuniu quem eles conseguiram para se juntar. Acontece que é muito mais fácil fazer isso quando há um plano, e quando esse plano envolve invadir uma festa de vampiros. Há muita raiva lá fora nas charnecas, nos brejos e nos penhascos, muito fogo procurando algo para consumir.

Chandra sabe tudo sobre isso.

As fileiras de cátaros montados à espreita atacarão de imediato. Os sacerdotes sigardanos começarão seus cantos, orações brilhantes envolvendo os habitantes da cidade como asas de anjos, e aí acabou. Não haverá esperança para nenhum dos vampiros. Pegamos a Chave de Prata Lunar e vamos embora.

Mas quando as coisas parecem mais simples para ela, geralmente são mais complicadas para os outros. Olhando nos rostos de seus companheiros – apenas os cinco, o resto escondido não muito longe – ela tem a sensação de que esse deve ser o caso aqui. Principalmente Sorin. Parece que alguém colocou vinagre em sua porção de sangue, o que é impressionante, visto que ela não achava que ele poderia parecer mais azedo. Ha uma primeira vez para tudo, ela supõe.

“Ninguém entra sem convite,” os guardas dizem. Olivia Voldaren deve ter selecionado dois vampiros cujas vozes poderiam se harmonizar perfeitamente apenas para este trabalho, porque é o que acontece, e é a dispensa mais sonora de toda Innistrad.

“E se todos nós entrarmos com ele?” Arlinn pergunta. Ela está bonita em seu traje de casamento, mas também fica bonita na maioria das situações. Mesmo assim, ela tem um gosto excelente: um colete de sangue de boi bem feito, ramos de bétula bordados na gola, as mangas com barra vermelha terminando em punhos brancos recém-passados. Um manto de pele jogado sobre um ombro adiciona um toque amadeirado; conhecendo-a, provavelmente ela mesma derrubou o urso. É bom vê-la toda limpa – é como ver sua tia favorita em uma festa. “Ele tem um convite.”

“Uma pessoa por convite,” entoam os guardas juntos.

“Mas isso não faz sentido,” diz Chandra. “Nem mesmo um convidado?”

“Você pode, sem dúvida, permitir que mais pessoas entrem,” diz Kaya, apontando para a armadura dourada. “Não é uma questão de escassez.”

“E se você quiser ter certeza de que toda Innistrad se curvará à sua nova dama, então você precisa que todos estejam investidos,” diz Arlinn. “Você não pode simplesmente convidar vampiros.”

“É péssimo,” concorda Teferi.

“Uma pessoa por convite.”

Chandra quer gritar. A resposta é tão simples. É só entrar, certo? Só entrar.

Mas há proteções por todo o lugar – proteções que as bruxas não foram capazes de quebrar e os sacerdotes não conseguiram dissipar. O exército de vampiros também está lá ao longo das torres de vigia, esperando por qualquer sinal de inquietação. Quem sabe quantos deles têm sua própria magia? Quem sabe o quanto eles estão com fome? Tudo bem, Arlinn e Adeline conseguiram reunir um pequeno exército de pessoas – mas estava todo mundo pronto para entrar em conflito aqui?

Aqui e agora?

Por mais que Chandra quisesse lutar, ela não podia ignorar o custo disso num local aberto assim. Sem a chave, ou a expectativa imediata da chave, acabaria como o Massacre do Festival da Colheita.

Aquele dia ficou gravado em sua mente, e a cicatriz permanecerá por anos, ela tem certeza: os corpos estendidos na agradável laranja do pôr do sol; o sangue, vermelho como vinho de oxicoco, infiltrando-se nas fantasias festivas que eles passaram tanto tempo montando. Vestir-se como lobisomens e vampiros era para ser um ato de resistência. Entretanto, ao ver seus corpos quebrados… Os campos de batalha já eram repugnantes por si só.

Mas aquelas pessoas eram inocentes. Alguns mal haviam chegado na fase adulta.

E quando ela pensa neles – não, não. Eles não podem simplesmente entrar.

Talvez Adeline saiba o que Chandra está pensando. A mão da cátara é um peso reconfortante no ombro de Chandra, assim como o leve cheiro de couro que sempre anuncia sua presença. A armadura de desfile que ela está usando é de cair o queixo, gravada com símbolos avacynianos, mas ela também sempre tem um cheiro tão bom. “A paciência recompensa os virtuosos,” ela diz, “mas … admito que às vezes é difícil ser virtuoso.”

“Fale mais sobre isso,” diz Chandra. Melhor não deixar isso se prolongar. “Uma verdadeira vergonha, no entanto. Aqui estamos nós, as duas extremamente elegantes, sem nenhum lugar para ir. Foi-me prometido uma festa.”

“Uma festa? Isso é tudo?”

A voz profunda atinge como um soco nas costelas. Chandra não vacila. Em certo sentido, ela está feliz por ele finalmente prestar atenção ao mundo ao seu redor, em vez de ficar taciturno. “Assim, não é apenas uma festa,” ela diz. “Estou tentando melhorar o clima, Sorin.”

“Tenho certeza de que tudo isso é uma brincadeira divertida para você, Nalaar, mas vou lembrá-la, há adultos presentes,” disse Sorin.

“Uma risada faria bem para alguns adultos,” Teferi diz. “Chandra provou seu valor algumas vezes. Ela conquistou o direito de fazer piadas. Este também não é o Plano de origem dela – ela poderia ter ignorado o pedido, ou ido embora depois do Festival da Colheita. Mas ela está aqui.”

Sorin olhou para o convite em suas mãos. Ele franziu a testa. Chandra achou que ele parecia um velho retrato melancólico, o que a fez rir, porque ele odiaria ouvir isso. Pelo menos ela foi rápida o suficiente para morder o lábio e sufocar a risada. Não importa o quão ridículo Sorin seja como pessoa – ou o quanto ela possa não gostar dele – é difícil imaginar o que ela estaria sentindo nesta situação.

“Você vai ficar bem aí sozinho?” Arlinn pergunta a ele.

“Posso tentar te seguir,” Kaya oferece.

É um pensamento engraçado, um pequeno fantasma de Kaya pairando ao redor do rabugento Sorin. Chandra sabe que não funciona assim; Kaya não é realmente um fantasma, então, no máximo, ela seguiria atrás dele em tamanho real. Ainda assim, de alguma forma a imagem parece certa. Mas o que parece certo também é a maneira como ele suspira e balança a cabeça.

“Estou sozinho há séculos,” ele diz. “Não será diferente aqui.”

Ela quer perguntar o que ele quer dizer, porque ele não estará sozinho. Ele é parente de um monte de pessoas naquele lugar. Deve haver alguém lá que ele goste, certo?

Mas enquanto caminha entre os guardas, Sorin não tem o porte de um homem que gosta de alguém.

Sorin caminha sozinho.

Os guardas de cada lado dele devem pensar o contrário. Com a barreira segura, eles optaram por escoltá-lo até o castelo, enviando morcegos mensageiros para que reforços os substituam nos portões externos.

Cada um de seus passos é ecoado pelos deles – a batida afiada de seus sapatos no chão de mármore, o barulho suave de suas armaduras. Se quisessem, poderiam se mover tão silenciosamente quanto o luar na escuridão. Mas, em vez disso, há um ritmo constante de seus passos acompanhando.

E logo, as reclamações.

“Você não seguiu o código de vestimenta,” diz um deles. Sorin não sabe seu nome, nem se importa. “As cores foram especificadas no convite.”

Torres flutuavam sobre pedaços de rocha de cada lado. Dentro de cada uma dessas torres, uma hoste de Voldarens e seus convidados derramavam sangue uns sobre os outros. O cheiro de devassidão chega até aqui. Ele se pergunta se todos eles estão seguindo o código de vestimenta. À distância, o mar agitado continua sempre em seu curso, ignorando o que ocorre aqui.

Ele não diz nada.

Pétalas de sangue pousam em sua capa, colorindo a geada.

Seguindo pelos portões do castelo, filigranado com o símbolo Voldaren e a silhueta de Olivia dentro dele. A pura audácia da mulher. Se os egos por si só pudessem conquistar, Olivia Voldaren já teria esculpido seu trono dos ossos de Innistrad.

Hoje à noite ela irá.

A mulher na porta olha para ele de cima a baixo com nítido desgosto, como se sua elegância fosse menos apropriada por ser preta e cinza. Sorin pode não ter paciência para politicagem de vampiros, mas ele sabe muito bem como se vestir. Ao contrário de muitos desses filhotes.

“Seu convite?”

Ele o entrega, por mais furioso que esteja. Eles sabiam quem ele era. Todo mundo sabia quem ele era. Olivia deve ter dito a essa garota para agir dessa maneira – uma simples novata na porta para dar as boas-vindas a todos os lordes e damas. Olivia a escolheu pelo jeito que ela fez beicinho? Pelo total desinteresse em sua voz?

“Pode seguir.”

Um Sorin mais jovem teria se irritado com isso.

Mas ele está mais velho agora e cansado. Quanto mais cedo isso acabar, melhor.

Seguindo pelas portas, onde a música o engole inteiro. Músicos encantados tocam perto de fontes de sangue douradas. A peça tem, pelo menos, trezentos anos por sua conta; todo mundo aqui a conhece. E, na verdade, há quem dance conforme a melodia, mesmo aqui onde a festa ainda não começou. A luz verde filtrada pelas janelas dá a tudo um tom estranho, como se ele estivesse assistindo a uma pintura no lugar de pessoas.

Mas então vem, inevitável como a maré lá fora – um dos foliões fica com fome, vagueia e rasga a garganta de um músico.

Na verdade, alguns desses convidados não podem ser contados como pessoas. Ser entregue aos seus desejos tão completamente que você não pode evitar arruinar o entretenimento é ser menos que humano.

E eles são todos assim. Sim, por milhares de anos, todos eles foram assim.

“Sorin? Aquele é Sorin Markov?”

Ele continua caminhando.

Os corredores da Propriedade Voldaren foram feitos para confundir. É um dos truques mais antigos de Olivia: embebedar os foliões de um jeito ou de outro, dizer-lhes que não devem se perder, fazer algumas pessoas desaparecerem. Existem mais geists nos Corredores Murmurantes do que páginas em toda a biblioteca de Olivia. Cada um era uma vítima dela. Cada um vagando por esses corredores estranhos, onde as portas às vezes levam a quedas repentinas e escadas são dadas a se reordenar.

Mas o truque é que a Propriedade Voldaren segue os caprichos de Olivia.

E ela é tão previsível quanto repulsiva.

Em algum nível, ele sabia que isso aconteceria. Algo assim. Durante sua ignóbil sentença de prisão, ela já estava fazendo tentativas ridículas de poder. Era natural que alguém tão abertamente ambiciosa tivesse a ideia de um casamento político. E assim que ela teve a ideia, havia poucos em Innistrad que poderiam oferecer a ela um aumento de poder. Henrika amava a vingança mais do que o poder; os Falkenrath não tinha ninguém a oferecer; Runo Stromkirk preferiria se entregar aos seres desconhecidos do mar. Isso deixou Sorin – inatingível para ela – ou seu avô.

Ele deveria imaginar.

Quanto mais perto eles chegam do salão de baile, mais pessoas eles encontram. Escravos que não se atrevem a olhar para ele. Novatos que o encaram com desinteresse, como se o ato de colocar os olhos em Sorin Markov fosse algo profundamente profano a ponto de mudar o curso de sua existência eterna.

“É ele, o homem da rocha,” eles dizem. “Que engraçado!”

“Ele não deveria ter a boca de um Gorger?” Ele está familiarizado com o termo, mas apenas de passagem. Os Falkenrath ganharam um novo nome.

“Ele é bonito, para um idiota.”

Eles riem enquanto passam por ele, bocas vermelhas de suas últimas refeições. Copos tilintam. Atrás dele, as armaduras dos guardas continua fazendo barulho; acima dele, pétalas de sangue flutuam em nuvens de música.

Silenciosamente, ele pensa em tudo o que fez para possibilitar a vida que eles levam.

Ele odeia aqui.

Seguindo, para o próprio salão de baile, um espaço tão vasto que é difícil imaginar como se enquadra na arquitetura do castelo. A lua sozinha não poderia fornecer iluminação ampla; magia espectral verde-amarela preenche as lacunas. Dançarinos, duelistas, falsários e vagabundos – há centenas deles reunidos, e todos se refletem no piso de mármore polido. Fontes de sangue oferecem socorro e embriaguez; escravos acorrentados oferecem algo um pouco mais fresco para os apreciadores no meio da multidão.

Um homem ágil perto da porta toca uma corneta.

“Anunciando o extremamente bem-vindo, muito honrado, Sorin Markov!”

Ele pensa, não pela primeira vez, em assassinato.

Mas ele sabe o que aconteceria, cercado por aqueles que querem vê-lo abatido. Tudo que Olivia deve fazer é dizer a palavra. Então, todos descerão sobre ele, corvos sobre a carniça, e toda a sangromancia do mundo só vai lhe dar mais alguns momentos. Enquanto isso, a desorganizada coalizão de Arlinn vai esperar do lado de fora, sem saber.

Então, ele não mata o anunciador, nem nenhuma das pessoas que se viram para olhar para ele. Quantos olhos estão sobre ele? Ele não sabe, mas pode sentir cada um como a ponta de uma adaga em sua carne.

Mas a estaca em seu coração surge quando ele olha para o palco.

Não há dúvida: aquele é o caixão do seu avô.

E aquela mulher, envolta nas almas turbulentas de suas vítimas, é Olivia Voldaren.

O silêncio reina na casa do abandono.

Mesmo daqui – mesmo do outro lado do salão – ele pode dizer quando ela começa a sorrir.

“Meu querido Sorin,” ela chama. “Que satisfação! Você chegou bem na hora.”

Ele franze a testa. Uma onda de risos contidos rola pela multidão. Ele tira a capa, jogando-a para trás, caminhando pelo corredor até o caixão roubado de seu avô.

“Olivia, é sempre um prazer,” ele diz. “Vejo que você não poupou despesas.”

“E por que eu deveria? Esta alegre ocasião merece o melhor, você não concorda? Eu não gostaria que seu avô acordasse para nada menos do que o melhor.”

Ele não consegue evitar cerrar os dentes.

Mas ele continua. Um passo, outro. Pétalas caindo. Taças tilintando.

Olivia estala os dedos. Um dos escravos lhe entrega uma faca ornamentada.

“Pergunte a ele você mesmo, se quiser,” ela diz. “Vai demorar só um momento.”

“O que você está fazendo é uma loucura.”

“Loucura? Ah, meu querido menino, esta é a coisa mais sábia que eu já fiz,” ela responde.

As adagas trocam de mão, a atenção da multidão agora em Olivia. Com um pequeno floreio, ela passa a faca no braço. Sangue antigo, sangue potente, sangue escuro como a noite ao redor deles, goteja no caixão de Edgar Markov.

Arte de Volkan Baga

O lustre vermelho acima, os tapetes vermelhos abaixo, unidos pela mulher em seu vestido vermelho de noiva, o sangue vermelho no caixão de pedra branca.

Cada gota o deixa mais irritado. Cada instante que o sangue imundo daquela mulher corre ao longo dos entalhes das histórias de sua família é um insulto. Seu avô – seu avô, que criou tudo o que essas pessoas valorizam! Seu avô, que os criou, usado como uma simples ferramenta política.

Ele sabe o que vai acontecer. As ranhuras percorrem todo o caminho até o mecanismo interno do caixão. A qualquer momento, o sangue daquela mulher pingará nos lábios de seu avô. O fluxo sanguíneo o deixará sobrecarregado e, pior, as memórias e emoções dela se misturarão com as dele.

Sorin era muito cuidadoso sempre que acordava seu avô. Ele esperaria até que sua própria tempestade de emoções se acalmasse, ele manteria sua mente treinada em memórias agradáveis, ele faria o que fosse necessário para garantir que seu avô acordasse confortavelmente. Acordar do sono é uma coisa assustadora, por mais que ninguém queira admitir.

E agora seu avô vai acordar sentindo o gosto do sangue daquela mulher, espesso de ambição, cercado por esses insetos

É, no final das contas, um pensamento infantil. Talvez o mais infantil que ele já teve – e certamente o pensamento mais infantil que ele teve em sua memória recente.

Mas está lá, no âmago de tudo isso, um pensamento único que ecoa e ecoa.

Ele não quer perder seu avô.

Ele não quer ver seu avô se machucar.

Em todos os Planos, ninguém o conhecia melhor. Ninguém conhecia tão bem a história de sua vida, de sua infância até sua ascensão, seus fracassos até seus triunfos.

Ninguém mais se lembrava. Todos os outros estavam mortos.

Essa constatação é a chama, sua raiva a pólvora. No instante em que ele tem o pensamento, tudo muda. A explosão incinera todo o cuidado.

Sorin investe adiante.

Os guardas estão lá para recebê-lo, quatro de pé com lanças interligadas. Ratos diante de gatos têm mais chance de sobrevivência. Quando Sorin salta sobre um deles, ele rasga as gargantas antes que os dois atinjam o chão. Outros dois ele congela, o sangue parando em seus corpos. Ele se prepara para saltar novamente, em direção a Olivia-

Mas em sua pressa, ele esqueceu o último homem.

Uma corrente grossa e pesada ao redor de seu pescoço bloqueia seu avanço, puxando-o para trás como um cão com coleira. Se ele pudesse dar apenas mais um passo, ele poderia parar Olivia onde ela estava, interromper todo esse ritual.

Mas o guarda o arrasta um passo para trás, seus pés tropeçando nos corpos.

Sorin rosna. Seus olhos se fixam na visão à sua frente: o caixão, o sangue, o rosto sorridente de Olivia.

Mais… um… passo…

Outro guarda se junta ao primeiro, outra corrente de Prata Abençoada ao redor do seu peito.

Ele se estica para frente.

Um terceiro guarda. Um quarto. Mais e mais se acumulam, mais rápido do que sua magia pode atuar neles, mais rápido do que ele pode pará-los.

Tudo o que ele pode fazer é tentar alcançá-los – e assistir.

Assistir quando o caixão se abre e seu avô sai de dentro. Edgar Markov não examina a multidão reunida, nem seu neto contido – ele só tem olhos para Olivia Voldaren.

Ele sorri para ela.

Sorin se esforça para se lembrar de seu avô sorrindo assim antes. É beatífico, puro e ainda mais aterrorizante por isso. Ele está sorrindo como uma criança.

“Senhoras, senhores e Sorin,” Olivia anuncia, “apresento-lhes meu lindo e perfeito noivo: Lorde Edgar Markov.”

Ele pega a mão dela. Por longos e horríveis momentos, ele bebe o sangue de seu pulso. Só depois disso ele se levanta do caixão.

Despertar de Edgar | Arte de Joshua Aevarado

Terminada a refeição, ele enxuga o rosto com um lenço. Agora ele se vira para encarar a multidão, agora ele vê a cena.

“Vô!” Sorin grita. “Vô, ela está te controlando-”

É só então que Edgar o considera, e apenas como um homem faria com seu animal de estimação rebelde. O sorriso de apenas alguns momentos atrás se transforma em simpatia. “Sorin, por favor. Você está estragando as festividades.”

“As festividades?” Sorin repete. Ele não consegue pensar em mais nada para dizer. Havia uma pequena esperança escondida dentro dele – uma esperança que ele nem havia reconhecido – que os encantos de Olivia pudessem falhar em enfeitiçar seu avô. Era realmente tão fácil assim?

Seu avô não mostra sinais de mudança de curso. Olivia estala os dedos; uma série de escravos entram em ação. Como aranhas tecendo uma teia, eles giram em torno dele, ajudando-o peça por peça em suas roupas de casamento.

O estômago de Sorin afunda. Ele percebe, vagamente, que os guardas pararam de segurá-lo. Ele poderia se mover agora se quisesse.

Mas ele não consegue reunir forças.

Não quando Olivia pega o braço de seu avô, não enquanto os convidados sorriem para ele.

“Por que essa cara amarrada? Não é como se você estivesse sozinho do lado do noivo,” Olivia diz.

Ele está muito cansado para dignificar uma resposta àquilo.

Mas ela cumpre sua palavra – ele não estará.

Existem outros caixões. Ele tem tantos parentes; seria impossível armazená-los todos na mansão Markov. Muitos dormiram em suas próprias propriedades.

E eles não escaparam da atenção de Olivia.

Olivia voa de um caixão para o outro como uma abelha ensandecida. Algumas gotas são suficientes para iniciar o processo de despertar os anciãos. De alguma forma, apesar de Edgar ser seu marido prometido, ela parece nunca tirar os olhos de Sorin.

Ele se pergunta o quanto ela sabe. Se ela os escolheu à mão, os anciãos que ele mais detestava. Ele suspeita que sim. Não seria uma coisa difícil de fazer – ele raramente concordava com o resto de sua família.

Ele não tem certeza de quando acontece, mas acontece, talvez no momento em que sua terceira tia acorda de seu sono para zombar dele.

Sorin Markov desvia o olhar.

Um por um, sua família passa por ele. Um por um, eles beijam suas bochechas e exigem que ele faça o mesmo. Enquanto isso, eles nada dizem, pois não há nada a ser dito.

Afinal de contas, há um casamento, e conversar com Sorin sempre estragava o clima na mansão Markov.

Comentários

Review Text

Testimonial #1 Designation

Review Text

Testimonial #2 Designation

Review Text

Testimonial #3 Designation

Magic the Gathering é uma marca registrada pela Wizards of the Coast, Inc, uma subsidiária da Hasbro, Inc. Todos os direitos são reservados. Todas as artes e textos são de seus respectivos criadores e/ou da Wizards of the Coast. Esse site não é produzido, afiliado ou aprovado pela Wizards of the Coast, Inc.