Mtg Lore

Compêndio da Lore de Magic the Gathering

EPISÓDIO 01: ECOS NO ESCURO

Arte de Chris Rahn

Mesmo estando a três cavernas de distância, o grito de metal quebrando ecoou pelas paredes de pedra. Mais uma escavadeira quebrada. Se Karn fosse um ser orgânico, ele teria suspirado. Em vez disso, ele apenas fez uma pausa e escutou os chacoalhares persistentes da escavadeira. Ele tinha pena de suas máquinas: nenhum cenário poderia acomodar a geologia excêntrica das Cavernas de Koilos, onde a rocha olivina tinha a mesma probabilidade de se transformar em arenito quanto em cinábrio, mas ele não tinha outra alternativa. Aqui, ele encontraria o segredo para operar o sílex.

E ele o encontraria antes de qualquer agente phyrexiano.

A condensação cobria seu corpo, as gotículas se juntavam para deslizar pelo revestimento de metal. Parecia que ninguém acreditava nele, mas ele sabia a verdade. Os phyrexianos estavam aqui, em Dominária. Ele podia senti-los da mesma forma que sentia as rochas e a tecnologia interplanar perfurando as camadas.

Ele se virou de lado para se espremer por uma passagem estreita. O basalto rangeu contra seu peito, mas cedeu sem arranhá-lo. Ele se abaixou sob estalagmites translúcidas até uma gruta baixa. Selenita cristalizada revestiu os ossos dos prisioneiros Thran e fragmentou suas tecnologias, seus padrões dourados distorcidos.

Karn localizou a escavadeira estragada no fundo da caverna.

A pobre escavadeira fumegava, como se estivesse irritada com sua impraticável carga de trabalho, e sua carcaça de metal superaquecida tilintava com um suave tink-tink-tink enquanto esfriava. Karn esgueirou-se entre as estalactites e as poças de água, tomando cuidado para não quebrar nenhum dos delicados depósitos minerais violetas ou perturbar as anêmonas de água doce e os peixinhos cegos, branqueados por uma vida, até agora, passada na escuridão.

Karn colocou a mão na escavadeira. “Então, devo te consertar? Sim?”

Um vapor suspirou da máquina superaquecida. Ao seu gesto, os parafusos se soltaram de suas roscas. Ele os colocou de lado e removeu a caixa. Um motor aberto o recepcionou. Ele o removeu e começou a gerar um substituto. Seus dedos formigavam com a magia, sua energia se juntando para gerar algo do nada. Metal se materializou, camada por camada, até criar uma peça duplicada.

Ele gostava de trabalhar no silêncio das cavernas. Na ausência do sol, apenas o gotejamento do metrônomo da água media seus dias. Ele estava sozinho aqui; outros planinautas não gostavam da distorção interplanar que afetava seus sentidos nas Cavernas de Koilos. Karn também não, mas apreciava o isolamento que isso lhe dava. Ele não precisava responder perguntas. Ou se preocupar se os phyrexianos haviam chegado a alguém. Completado alguém. Ele poderia procurar a chave para operar o sílex em solitude. Ele venceria a luta sozinho.

Que luta?” Jhoira colocou as mãos nos quadris em exasperação. “Karn, os phyrexianos foram derrotados séculos atrás, e esses novos que você me falou estão presos no plano deles.”

Eles estão aqui,” Karn disse a ela. “Derrotar os phyrexianos em combate não significa nada. Eles não são um exército. Eles são o ódio incorporado. Eles juraram a destruição de Dominária.”

Sua voz se suavizou. “Isso só porque Venser…”

Karn não queria pensar em Venser. Ele deslizou o motor para os eixos e apertou. Ele recolocou a carcaça, encaixando-a no devido lugar e, em seguida, girou cada parafuso. Pequenos prazeres. Ele deu um tapinha na escavadeira e sorriu. “Assim está melhor, não é?”

Ele sabia que ela não estava viva, que não estava respondendo a ele, mas quase pareceu que estava quando ele virou uma alavanca e viu a escavadeira avançar e começar a cavar a parede da gruta. A pedra estremeceu. Uma fina poeira branca voou dos membros de pá aplainados da escavadeira. Caso seres orgânicos estivessem presentes, Karn teria que se preocupar em usar água para umedecer a poeira. Os pulmões deles eram tão frágeis.

Melhor que ele estivesse sozinho, não é? Ninguém o impediria, comendo e dormindo por horas. Ninguém atrasaria seu progresso com bate-papo.

A rocha pulverizada ficou violeta, então o ronco da escavadeira mudou para um gemido quando atingiu o ar livre. A escavadeira deu um passo para trás e Karn olhou para dentro do buraco que ela havia aberto.

A rocha era fina como uma casca de ovo, mas extremamente dura. Do outro lado, o interior da caverna era revestido de opala. O brilho de seus olhos observou as manchas iridescentes, inundando a caverna com um brilho âmbar. A oficina coberta de poeira parecia ter vindo da vida mortal de Urza, ou mesmo antes, quando as teorias e práticas da magia eram menos conhecidas, e a tecnologia impulsionava o progresso de Dominária. Tubos de vidro intrincados, béqueres de tamanhos variados, queimadores extintos, restos em pós de produtos químicos antigos, cortadores de arame e cilindros para argila, baldes cobertos por esmalte desidratado, engrenagens e equipamentos – até uma pequena forja solta, pinças colocadas casualmente de lado como se seu ferreiro, interrompido, tivesse se afastado de uma tarefa incompleta. Em um canto, algemas: um lembrete de que as Cavernas de Koilos já abrigaram a feiúra dos Thran antes de se transformarem em Phyrexia.

Esta oficina havia sido o santuário de algum artífice — e o pesadelo de algum prisioneiro. Karn reconhecia uma estrutura destinada a explorar seres sencientes para experimentação quando via uma. Ele havia visto muitas dessas cenas quando recém-formado.

Como tudo isso sobreviveu tão intacto?” Se ele pudesse compartilhar essa visão com alguém—

Ele realmente tinha que parar de falar sozinho.

Karn entrou na caverna tão levemente quanto seu corpo pesado permitia. E se uma vibração dispersa fizesse com que esses objetos delicados se quebrassem, destruindo os dados?

Os livros, dispostos em uma única longa prateleira com lombadas cobertas de joias, o tentavam com seu conhecimento, mas ele não ousou pegar nenhum. O papel provavelmente viraria pó se ele o tocasse. Ele espiou dentro dos béqueres, tingidos com fluidos secos, e então examinou as cinzas da forja. Nada. Ele examinou a bancada de cerâmica e viu: um diagrama do sílex pintado em pergaminho, uma tigela de cobre com alças e pequenas figuras pretas marchando em torno de sua base. Uma placa de argila cinza estava ao lado do diagrama, gravada com símbolos que duplicavam aqueles representados na pintura desbotada do diagrama. Alguns estavam em Thran; alguns nas curvas arqueadas de uma escrita irreconhecível que lembrava alguns símbolos do sílex. A argila estava danificada, parcialmente ilegível, e fios cortados jaziam ao lado dela. O que aconteceu aqui?

Devo comparar isso com o sílex.”

Com a vibração fraca de suas palavras, os livros desmoronaram em pó. Karn estremeceu.

Ele pegou a tabuleta de argila crua em suas mãos – com cuidado, muito cuidado – e saiu da antiga oficina.

Karn havia posicionado seu acampamento a alguma distância das escavadeiras, onde as cavernas tinham maior estabilidade. Cada tenda suavemente iluminada protegia seu equipamento do gotejamento constante de água. Karn deixou o brilho guiar seu caminho, a caverna oca ribombando com seus passos.

Com as tendas iluminadas por dentro, voltar ao acampamento era quase como voltar para casa. Karn entrou na maior tenda, contornando o grande e dourado artefato Thran que havia deixado na entrada. Lá dentro, ele passou por um pedaço de metal quebrado que havia coletado dias atrás, com a intenção de reformá-lo para ter utilidade. Ele passou por cima de uma pilha de fragmentos de pedras de energia e sentou-se em sua mesa de trabalho; ela, como o resto de sua barraca, estava muito bagunçada — ele não tinha espaço para seu mais novo achado. Em cima dos papéis e pequenos artefatos, ele viu as cartas de Jhoira, espalhadas, abertas, mas sem resposta. Karn, faz meses, uma carta começava. Você não acha que deveria examinar por que está fazendo isso? Outra carta terminava. Mirrodin não foi sua culpa, ela escreveu em outra. Por favor volte. Venser teria…

Arte de Jarel Threat

Karn colocou o artefato em uma palma e usou a outra mão para empurrar as cartas de Jhoira para o lado. Ele deslizou o artefato sobre a bancada, em seguida, abaixou-se sob a mesa. Ele havia escondido o sílex em um pequeno baú de titânio, sua fechadura acessível apenas a alguém como ele, alguém que sabia a ordem em que os pinos e ferrolhos precisavam ser levantados e podia manipular materiais inorgânicos. Sua fechadura não tinha chave.

Ele colocou a mão no peito, concentrou-se e sentiu os ferrolhos se moverem. A tampa se abriu. Ele removeu o sílex. Mesmo seus sentidos especializados não conseguiam identificar qual era o material parecido-com-cobre. Normalmente ele conseguiria revelar o mistério de qualquer objeto inorgânico com um toque; exceto o sílex. Isso fez as palmas de suas mãos coçarem com estranheza. Um artefato Thran, a maioria dizia – mas ele tinha suas dúvidas. Karn acreditava que este dispositivo havia vindo de campos mais distantes do que simplesmente o passado.

Ele ergueu o largo corpo de cálice sobre sua mesa. Os personagens pintados pareciam se mover sob a luz de sua bancada, transformando-se de Thran em Fallaji e em Sumifan. A boca larga e em forma de tigela parecia estar cheia – com, de acordo com os Sumifan, as memórias da terra. Ele estava relutante em testá-lo sem a confirmação de como usá-lo.

O sílex lançou um choque sobre ele. Karn hesitou e retirou a mão, deixando-a contra seu corpo.

Uma vez, quando jovem, ele estendeu a mão e tocou o fogo que ardia na lareira de Urza. Ele deixou cair o carvão vermelho cereja, chocado com a sensação, então examinou sua mão em busca de danos. Ele não encontrou nada. Ele olhou para cima para ver Urza o observando com olhos brilhantes. Urza não tentou impedi-lo, mas ele sabia que aquilo machucaria Karn. Por que você me deu inteligência se você não valoriza minha personalidade? Karn se sentiu envergonhado no momento em que fez a pergunta, e sim, Urza riu. Você é mais valioso para mim se puder reagir de forma inteligente. Karn olhou para sua mão dolorida e intacta. Então por que me dar dor? Urza sorriu e acariciou sua barba branca. Karn mais tarde aprendeu a reconhecer aquela expressão como uma que Urza fazia quando achava que estava sendo particularmente esperto. Pessoas são mais relutantes em danificar algo se isso causar dor a essa coisa.

Mas isso só era verdade para algumas pessoas, não era?

Karn olhou para as cartas não respondidas de Jhoira. Ele não ousaria envolver Jhoira ou os outros planinautas, para não perdê-los para os phyrexianos como havia perdido Venser. Mesmo depois que Memnarca o renomeou, Karn ainda pensava naquele Plano por seu primeiro nome: Argentum. Era Argentum quando ele o criou com suas pequenas maravilhas. Como era bonito, um Plano reluzindo com precisão matemática.

Os phyrexianos o tomaram dele. Seu Plano, seus filhos. Memnarca, sua criação.

E era tudo culpa dele.

Ele pegou um pedaço de pano de uma pilha próxima para limpar a condensação de seu corpo – ele não queria pingar em seu novo achado intacto – e jogou o pano de volta para a pilha. Ele se inclinou para estudar o sílex, comparando seus símbolos com os da tabuazinha de barro. O padrão mudava exatamente onde a borda da placa de argila parecia mais áspera. Quebrada. Será que ele tinha deixado uma parte para trás?

Ele precisava voltar para pegar. Agora. Já que ele havia exposto a caverna para a umidade das grutas, os artefatos nela se degradariam.

Nesse momento, o estertor de outra escavadeira ecoou pelas cavernas. Karn desejou poder suspirar. Mas, como se tivesse, ele trancou o sílex e seu achado mais recente. Ele consertaria a escavadeira — estava localizada perto da antiga oficina mesmo — e então procuraria a peça que faltava.

Fumaça oleosa escorria da carcaça da escavadeira. Parecia ter atingido um depósito mineral duro, estressando os mecanismos das ferramentas de corte. Karn deu um tapinha nela. “Exigiram mais do que você conseguia?”

A máquina soltou uma nuvem de fumaça.

Eu sei bem como é,” Karn respondeu.

Antes de começar, ele olhou ao redor da beirada do túnel. A oficina próxima, apesar dos ruídos da escavadeira, parecia intacta. Ótimo. A escavadeira poderia continuar seu trabalho sem correr o risco de danificar aqueles artefatos. Depois de consertá-la, ele procuraria na oficina a peça que faltava da tábua de barro.

Ele puxou a máquina e alcançou a parede onde ela estava cavando.

Ele pegou alguma coisa… líquida. Gosma negra e oleosa escorria por seus dedos, respingando no chão. Será que era…?

Karn se concentrou no material com seus sentidos especiais. Para ele — ele havia tentado explicar isso a Jhoira uma vez — essa habilidade era semelhante à degustação, caso a degustação fornecesse informações além do sabor. Ele não sentiu nada. Como se essa substância fosse orgânica.

Como os cabos foram embutidos dentro da pedra? Era como se eles tivessem se entrelaçado nela, como vermes atravessando uma maçã que, não fosse por isso, estava intocada.

Ele estava certo: o óleo era phyrexiano. Ele verificou novamente – essas fibras poderiam ser remanescentes antigos? “Não, não,” ele murmurou. “Elas parecem recentes. Novas.”

Karn enfiou a mão na perfuração e pegou uma das fibras. Ela se contorceu sob seus dedos, resistente, e liberou pequenas pinças semelhantes a aranhas de seu corpo para agarrar a pedra. O cabo estava vivo. Ele franziu a testa. Açoitava as pontas dos dedos como se tentasse se livrar de seu aperto. Ele puxou com força e arrancou-o de sua cavidade no túnel.

Óleo preto se espalhou sobre seu torso. Os outros cabos se contraíram dentro da parede – e o teto da antiga oficina caiu no chão. O túnel atrás de Karn desmoronou, a passagem para seu acampamento desapareceu.

Ele havia perdido suas descobertas.

Ele nunca localizaria o fragmento da tábua. Ele nunca a completaria e veria o que revelava. Ele nunca investigaria completamente a câmara e determinaria se ela abrigava outros segredos sobre a criação do sílex. Esse recente acontecimento havia garantido isso. Agora ele tinha um problema mais urgente, um que ele precisava priorizar sobre a catástrofe arqueológica: os phyrexianos estavam em Dominária. Aqui, agora.

Ele poderia tentar escavar a oficina. Ele poderia cavar uma passagem e retornar ao seu acampamento. Ele poderia alcançar os outros, mas buscar ajuda levava tempo e, Karn sabia, colocava os outros em risco. Se ele aprendeu alguma coisa durante sua longa vida, foi isto: um único momento de desatenção, de negligência, poderia deixar um plano inteiro vulnerável aos phyrexianos. Os phyrexianos estavam contidos nas cavernas por enquanto, e ele com eles. Bom. Ele não deixaria Dominária cair como Mirrodin. Ele deteria os phyrexianos. Se não pudesse fazer isso, obteria provas suficientes para recrutar reforços. Provas suficientes para que Jhoira e seus companheiros planinautas acreditassem nele.

Karn, diria Jhoira, você esteve certo o tempo todo.

Karn só tinha uma direção para seguir: para frente. Ele entrou no túnel phyrexiano aberto. As paredes pareciam orgânicas, serpenteando pela pedra como veias em um corpo.

Ele seguiu até que o túnel se abriu em um entroncamento. Aqui, as paredes haviam sido esculpidas com um friso. Diferentes dos materiais que ele tinha visto na oficina e incorporados em pedra translúcida, esses cortes pareciam novos e nítidos. Tinham uma característica abobadada que Karn associou a práticas religiosas, como os vitrais dos templos de Serra.

No friso, um demônio phyrexiano agarrava uma jovem humana. O crânio alongado do demônio, os dentes à mostra e os olhos pequenos foram retratados com cuidadosos detalhes. Cada junta de maquinário e cada fibra muscular exposta foi polida até reluzir. Pequenos diamantes foram inseridos como destaques para que o demônio parecesse se mover e brilhar sob o olhar de Karn. Em contraste, a imagem da humana, talhada na pedra, era áspera, suas feições desenhadas em tormento, repulsa e medo. Ela estava de mãos dadas com outra figura cujo rosto havia sido esculpido e depois desfigurado intencionalmente.

Arte de Volkan Baga

Um som de pano limpando pedra chamou a atenção de Karn. Ele se virou, a mão ainda pressionada no mural.

Os humanos sempre pareceram tão pequenos para Karn. O mais alto apenas se aproximava de sua altura; todos os outros eram pequenos comparados a ele. Esses dois — um homem e uma mulher — eram ambos pequenos. A mulher, com a pele pálida faminta pela luz do sol e o cabelo castanho desgrenhado, havia substituído a mandíbula por um mecanismo articulado, pequenas lâminas instaladas ao lado de seus dentes naturais. Um fluido nojento e amarelado escorria das crostas que se formavam quando a carne se juntava ao metal. Seu companheiro mais velho, um homem branco com cabelos louros grisalhos e quebradiços, parecia ter incorporado a tecnologia com mais astúcia: sua camisa branca estava aberta para expor o coração artificial batendo entre suas costelas, o portal em seu corpo protegido com um material vítreo. Ele também adicionou dedos extras às mãos.

Ambos seguravam talhadeiras e grandes marretas. Os escultores. Acólitos da Sociedade de Mishra se suas vestes lhe dissessem a verdade. A mulher olhou para Karn, depois para sua mão apoiada no friso, e gritou de indignação. Ela se lançou para frente. Seu companheiro a seguiu um segundo depois.

Ela deu um golpe em seu torso com o martelo. Karn agarrou seu braço com uma mão, e ela dirigiu a talhadeira em direção às placas intrincadas e móveis ao longo de seu abdômen. Ele agarrou o outro braço dela. Ela grunhiu, lutando contra ele. Seu companheiro correu para Karn, erguendo o martelo por cima do ombro. Karn jogou a mulher em seu companheiro, acertando os dois na parede. Eles caíram em um emaranhado de membros – nada quebrado, apenas atordoados – no chão.

Karn se inclinou sobre eles e travou seus membros. Ele estendeu as mãos e gerou algemas para que não pudessem atacá-lo novamente. Partículas de ferro zumbiram na ponta de seus dedos, extraídas do éter. Ele invocou o metal em camadas, construindo as algemas em faixas sobre seus braços e pernas. Ele não gerou buracos de fechadura ou uma chave, pois não precisava. As faixas de metal eram sólidas.

O homem gemeu. A mulher teve fúria suficiente para cuspir em Karn. O escarro pousou perto de seu pé. Eles eram tão pequeninos. Sua força, seus reflexos, as características do seu corpo pareciam uma vantagem injusta. Karn havia dilacerado tantas criaturas a pedido de Urza, andado por fileiras e mais fileiras de soldados como um peso de chumbo sobre papel molhado. Ele quase podia senti-la agora: a resistência, então a entrega, daqueles corpos; o calor do sangue deles escorrendo em suas articulações. As longas horas que ele passou enquanto Urza dormia limpando seu corpo com pequenas escovas de arame, raspando o sangue seco, desenterrando os coágulos atrás de seus joelhos. Ele nunca se sentiu suficientemente limpo.

Você não é phyrexiano,” Karn disse, “mas você está aqui, e se não me engano, a serviço deles. O que você espera conseguir?”

Você – sua casca vazia e sem carne. Você profana nosso trabalho sagrado com seu toque.” A fúria da acólita se transformou em uma brilhante auto-satisfação. “Os outros responderão à barreira ter sido quebrada. As bênçãos de Gix cairão sobre eles – eles virão. Eles virão.”

Ah, sim, a rede de fios nas paredes. Quando ele os atravessou, ele provavelmente disparou um alarme. Talvez esses primeiros acólitos tivessem que respondem como se algum animal ou evento natural tivesse cortado os cabos, mas quando esses dois não se reportaram, os outros não cometeriam tal erro. Karn estendeu a mão para o rosto da mulher e, com uma torção de seus dedos, gerou uma mordaça de metal. A única razão pela qual ela não gritou por socorro – sons seriam carregados nessas cavernas – foi que ainda não havia ocorrido a ela.

Ela olhou para ele, fazendo ruídos abafados que soavam como xingamentos.

Ele se inclinou sobre o acólito. “O que vocês estão fazendo aqui?”

O homem piscou para Karn. Suas pupilas estavam dilatadas em tamanhos diferentes. Ele havia sofrido uma concussão. Sua fala, devido a isso, era arrastada. “Karn. Eu conheço você. Que bom que você veio.”

Karn franziu a testa.

A Sussurradora tem um plano para você.” O acólito sorriu. “Ela fica mais forte a cada dia que passa, e você a servirá. Sheoldred lhe dá as boas-vindas! É o seu destino, Karn, criar para nós. Para nos ajudar. Para se tornar um de nós.”

Karn gerou outra mordaça para que este, quando recuperasse os sentidos, não pudesse pedir socorro. O acólito aceitou a mordaça — quase como se a apreciasse — com um sorriso beatífico.

Karn se afastou.

Como Sheoldred sobreviveu a viagem entre planos? Uma pergunta que ele ponderaria mais tarde: por enquanto, ele tinha que encontrá-la, para acabar com a invasão phyrexiana antes que ela começasse. E ele poderia fazer isso sozinho. Até melhor que fosse assim, pois não podia ser subvertido. A centelha de Venser o salvara disso.

Karn deixou os acólitos amarrados e amordaçados e mergulhou mais fundo na rede de cavernas. A umidade nessas passagens não parecia como o ar ao redor do seu acampamento, ao contrário, era quente como a respiração. O ar quente e úmido se condensou em seu corpo frio, escorrendo em linhas como suor. Gritos fracos reverberaram pelo ar.

O túnel se abriu em uma enorme caverna, que ecoava com a cacofonia da miséria humana. Do outro lado da fenda estava o palco phyrexiano, localizado em uma enorme área plana do chão da caverna. Trabalhadores semelhantes a formigas se arrastavam pelas pontes de corda penduradas na fenda, transportando partes musculosas, cabos ensanguentados e pedaços de carne para humanos que estavam sendo completados nas mesas cirúrgicas. Na parede oposta da caverna, uma nave portal phyrexiana cortava a escuridão como uma imensa foice. Bobinas pendiam desta estrutura. O brilho púrpura membranoso das espirais trêmulas lembrou Karn de intestinos.

Sheoldred estava suspensa neste atoleiro. Ela estava parada. Tubos alimentavam substâncias avermelhadas e leitosas em seu corpo preto e segmentado. As mandíbulas que se estendiam para baixo de seu tórax estavam abertas, relaxadas. Seu torso humanoide, soldado ao topo do tórax, estava aninhado em uma espessa rede de fios contorcidos. Uma máscara com chifres obscurecia seu rosto. Abaixo dela, os adoradores se agarravam e levantavam suas vozes em um hino em êxtase.

Arte de Igor Kieryluk

A extinta nave portal phyrexiana e a forma adormecida de Sheoldred dominavam a caverna. Acólitos nas vestes cinzentas da Sociedade de Mishra auxiliavam máquinas cirúrgicas que convertiam pessoas com dificuldades em abominações phyrexianas. Monstruosidades completadas pontilhavam o chão da caverna como obras de arte grotescas, deslizando sob muitos membros. Mais acólitos empilharam armas ao lado de uma embarcação phyrexiana. Equipes de implantadores escalaram um dragão mecânico para consertá-lo, tão pequenos que seus fios de solda pareciam estrelas brancas contra o esqueleto de metal da máquina.

Ele havia encontrado a base da invasão phyrexiana.

Uma única figura auxiliava Sheoldred: uma jovem de pele castanho-platinada e cachos castanho-escuros que usava o manto da academia tolariana. Quando ela se virou, Karn viu o ponto vermelho de um olho mecânico. Logo abaixo, um acólito se apressou e ofereceu pedaços de carne. A jovem separou-os, torcendo alguns no atoleiro que sustentava Sheoldred. Karn traçou a linha de acólitos que carregava materiais da imensa monstruosidade até Sheoldred e sua ajudante. Ela estava minerando o monstro para reparar os componentes biológicos danificados de Sheoldred.

Se os outros planinautas pudessem ver isso agora, saberiam que os temores de Karn eram verdadeiros. Jhoira diria—

Não. Não importava o que Jhoira diria. Karn enfrentaria essa ameaça sozinho. Ele precisava alertar os outros, sim, mas também não podia deixar intacta aquela base. Ele tinha que destruir os phyrexianos antes que eles pudessem se defender.

Com seu plano de ação decidido, Karn estendeu a mão, palma para cima. Ele levantou a outra mão acima dela. Ele visualizou o dispositivo incendiário que planejava gerar de dentro para fora. Ele podia ver todos os seus componentes, seus produtos químicos, dispostos como uma planta dimensional. Suas pontas dos dedos zumbiram com a magia de sua criação. As camadas de material acumuladas no ar. Não era nenhum sílex, mas acabaria com Sheoldred.

Uma buzina encheu a caverna com seu grito agudo.

Karn localizou a origem do som enquanto os acólitos, adoradores e agentes phyrexianos pararam seu trabalho: a acólita que o atacou estava soprando um chifre. Ou ela foi encontrada e solta, ou ela se libertou: a desvantagem de deixar seus atacantes vivos.

O som estridente provocou ação. Acólitos carregaram armas nas aeronaus. Cirurgiões phyrexianos levaram suas mesas de operação ensanguentadas para as embarcações. Outros embarcaram nas aeronaus, evacuando. Monstruosidades phyrexianas completadas ganharam vida, fibras de metal serpenteando de seus corpos. Outros caíram no chão. Membros semelhantes a garras explodiram de seus abdômens e suas bocas escancaradas se abriram cegamente, como répteis farejando presas.

Um raio vermelho pontilhou o peito de Karn.

Karn caiu no chão assim que um raio de eletricidade voou sobre sua cabeça. Ele pressionou as palmas das mãos no chão, levantando-se alto o suficiente para rastejar para frente. Na beira do penhasco, ele olhou para o chão da caverna, tentando localizar a origem da explosão.

A tolariana que ajudava Sheoldred apontou uma glaive para ele. Ela havia substituído seu olho por um canhão de raios miniaturizados, e seu raio vermelho atingiu Karn. Karn rolou para o lado. Um estalo explodiu a rocha ao lado dele. Fumaça subiu de onde ele estava anteriormente.

Arte de Ryan Alexander Lee

Phyrexianos completados avançaram na direção dele, e a tolariana sorriu. Ela colocou a mão na garra flácida de Sheoldred. Sheoldred continuava flácida, inerte — como se estivesse sob sedação enquanto a jovem trabalhava para restaurá-la — e vulnerável.

E Karn ainda segurava seu dispositivo incendiário.

A ponte mais próxima para Sheoldred estava próxima, mas era estreita. Doze adoradores em êxtase e a jovem com a glaive bloqueavam seu acesso à pretora. Mas Sheoldred parecia a alguma distância dos acólitos phyrexianos e tolarianos localizados no chão da caverna. Se Karn fosse rápido, ele não teria que lutar contra todos os seguidores de Sheoldred para atacá-la: apenas os doze adoradores, a tolariana somando treze.

Karn se levantou e desceu a estreita ponte de pedra. Os adoradores de Sheoldred cessaram seu hino e se lançaram na direção dele. Dois chegaram à ponte. Karn os empurrou para o abismo da fenda.

Os outros adoradores se amontoaram em um bloqueio. Dois tinham erguido lanças para ele, o que o teria mantido afastado se ele fosse uma criatura com carne. Armas perfurantes o incomodavam apenas se as hastes ou lâminas ficassem presas em suas articulações e inibissem sua amplitude de movimento. Da mesma forma, dois jovens com serras giratórias não o detiveram: aquelas lâminas resvalavam de seu corpo. Não, Karn se concentrou nos adoradores que empunhavam as talhadeiras e as lâminas de solda.

Tudo voltou para ele tão facilmente. Ele se sentiu entorpecido, eficiente. Do jeito que Urza o fez. Karn parou a uma polegada de distância das pontas das lanças. Os adoradores se mexeram, inquietos. Karn deu um passo à frente, pegou uma lança e a ergueu. Um adorador, ainda agarrado à sua arma, ficou boquiaberto e pendurado. Karn o jogou contra os inimigos, varrendo vários da ponte e rompendo o bloqueio. Então ele jogou o portador da lança nas profundezas da fenda, os gritos do homem desaparecendo enquanto ele caía.

A outra empunhadora de lança, uma mulher mais velha, enfiou a ponta da lança em uma abertura em seu torso. Apesar de segurar um dispositivo incendiário, ele quebrou o cabo da lança martelando o punho, quebrando-o dentro de si mesmo. Ele lidaria com isso mais tarde. Ele agarrou a ponta quebrada do cabo, que ela ainda segurava, e o usou para empurrá-la para o lado. Ela tropeçou e desmoronou.

Apenas seis combatentes permaneceram.

O portador de uma serra giratória mirou seu instrumento zumbidor na cabeça de Karn. Karn recuou para escapar. Antes que a serra pudesse voltar novamente, ele entrou na área de alcance do portador e removeu a ferramenta dos dedos do homem. O homem tentou resistir, mas Karn tinha uma força esmagadora ao seu lado. Afastar a pegada do homem foi perturbadoramente fácil. Karn o ergueu e o jogou em mais dois adoradores. A força esmagou os três no chão em uma confusão doentia de membros quebrados.

Um manejador de talhadeira correu para o lado. A ponta acertou Karn, depois deslizou pelo braço, desequilibrando o usuário. Karn deu um soco nele. O homem saiu voando. Os dois adoradores restantes fugiram; sua fé não era tão grande em face de tamanho dano corporal. Mesmo com as alterações phyrexianas, para ele esses humanos não eram mais resistentes do que borboletas. Karn desejou que não fosse tão fácil.

Ele caminhou até Sheoldred. Ela estava pendurada, mole dentro do receptáculo, mas não estava mais quieta. Seus membros segmentados se contraíram como os de um aracnídeo assim que ela emergiu consciente. Seu torso humanoide estremeceu sob o tórax. Seus longos dedos desceram até a jovem tolariana. Mas ela não parecia consciente – ainda não.

Karn.” A tolariana falou com desprezo. “Eu ouvi muito sobre você.”

Como assim?”

Seu olhar foi para a forma inerte de Sheoldred, então voltou-se para ele. “Você não é tão impressionante quanto fui levada a acreditar.”

Karn caminhou em direção a Sheoldred, o dispositivo incendiário em sua mão.

Quem é Você?” Karn perguntou para a tolariana. “Por que você trouxe isso para cá?”

Rona. E isso,” ela gesticulou para Sheoldred, “é a salvação de Dominária.”

Rona se posicionou entre Karn e Sheoldred, glaive firme e em ângulo nas palmas das mãos. O olho carnal de Rona se estreitou enquanto sua órbita mecânica focalizava seu laser no torso de Karn. Ela flexionou as mãos ao redor de sua glaive. Sua lâmina iluminou, crepitando com eletricidade azul. Ela sorriu.

Eu não desejo lutar contra você,” Karn disse a ela.

Que pena.”

Rona apontou sua glaive para ele, e eletricidade explodiu de sua lâmina.

A eletricidade trilhou por todo o seu corpo, faiscando. Karn fez uma careta com a dor, mas resistiu, caminhando em direção a ela enquanto mais ondas ondulavam de sua lâmina, caindo sobre ele. Karn parou, atordoado, e tentou se livrar da agonia enquanto Rona continuava a atacar. Ela girou a glaive para baixo, fincando-a em seu ombro. Karn girou, arrancando-a de sua pegada, e removendo-a de seu corpo. Ele a jogou de lado. Enquanto ele estava ocupado, Rona desembainhou uma adaga e a enfiou em um de seus encaixes abdominais. Ela a enfiou entre as placas que lhe permitiram flexionar, como se procurasse por órgãos. Karn estremeceu.

Karn agarrou a cabeça dela com uma das mãos. Ele pressionou o polegar no olho mecânico e despedaçou a lente do raio. Rona gritou e esperneou. Karn a jogou na parede. Ossos estalaram. Ela bateu e, em seguida, caiu no chão. Ela se contorceu, as mãos em volta da cabeça, a perna em um ângulo sobrenatural para os seres humanos. Óleo e sangue escorriam das peças mecânicas quebradas de sua órbita ocular. Ela olhou para ele por entre os dedos, os lábios formando uma contração muscular semelhante a um sorriso.

Por que você não me mata?” Rona o provocou. “Acaba logo comigo.”

Eu não sou uma arma.”

Karn se aproximou de Sheoldred, segurando seu dispositivo incendiário. Embora sua parte humanoide fosse do tamanho de uma mulher comum, ela se prendia a um corpo de escorpião facilmente do triplo do tamanho dele. Em contraste àquela beleza bem trabalhada, os materiais orgânicos enxertados em seu torso humano pareciam crus, sangrentos. Rona fez o seu melhor para substituir as partes orgânicas que haviam sido queimadas nas Eternidades Cegas durante a viagem de Sheoldred entre os planos, mas os remendos estavam à mostra.

Ele iria despedaçá-la. Ele a esmagaria enquanto ela ainda estivesse fraca. Ele faria qualquer coisa – qualquer coisa – para impedir Sheoldred de phyrexianizar este plano. Karn estendeu a mão e agarrou o torso de Sheoldred, determinado a terminar aquilo. Ele colocaria este dispositivo entre as placas vulneráveis de corpo dela e a destruiria.

Ao seu toque, Sheoldred se mexeu. Sua cabeça com capacete se inclinou na direção dele. Ele podia senti-la com os mesmos sentidos que usava para determinar a composição elementar de um composto. Seus componentes inorgânicos se estendiam diante dele como as páginas de um livro. Suas partes biológicas jaziam como tumores escuros aninhados na glória luminescente do metal. Ele podia ler os pensamentos dela – alguns deles.

Bem-vindo, Pai, Sheoldred sussurrou em sua mente, um ser mecânico para outro. Tenho tantos planos para você.

Karn se afastou do sussurro viscoso, recuando. E ele soube o que ela tinha feito.

Agentes adormecidos phyrexianos espreitavam em todas as terras de Dominária, aqueles espiões desconhecidos espalhados por todos os governos, militares, pessoas comuns. Ele viu um cervejeiro despejando lúpulo em um tonel. Um espião. Ele viu uma escriba sentada em uma mesa, a mão pousada sobre uma carta. Ele viu um adolescente brincando de pique-pega com seus primos, fingindo ser um monstro quando tinha um ano, a armadura phyrexiana pronta para explodir em suas costas. Agentes phyrexianos eram amantes, companheiros, colegas de trabalho das pessoas. Eles estavam por toda parte. Eles podiam ser qualquer um.

Bem-vindo, o sussurro ecoou dentro dele. Bem-vindo.

Karn alcançou entre as placas do tórax dela e depositou o dispositivo incendiário dentro de seu corpo. Ele levantou o polegar para ligar o interruptor que permitiria que os dois produtos químicos dentro dele fluíssem um para o outro e entrassem em combustão.

Mas sua mão não se moveu. Suas articulações haviam travado. Ele tentou olhar para baixo para examinar a si mesmo, mas até seu pescoço permanecia rígido. Ele tentou se virar e não conseguiu mover os braços, as pernas ou o torso. Ele não sabia dizer se estava paralisado ou preso.

Em sua visão periférica, ele podia ver Rona se arrastando – lentes quebradas, perna quebrada e todo o resto – na direção dos aparelhos mágicos desconhecidos, aqueles que ela mesma deveria ter criado. Ela deixava um rastro de óleo, sangue e fluido azul fluorescente.

Karn lutou contra a estranha magia que o dominava.

Rona se ergueu em uma posição sentada. Pelos seus grunhidos, pareceu agonizante.

Seu erro,” ela disse, “foi não me matar quando teve a chance. Nós esperávamos sua vinda, Karn. Nós nos preparamos.”

Ele tentou se mover novamente, seus mecanismos internos gemendo com o esforço, e sentiu seu torque de metal. Ele se curvaria — quebraria — antes de se libertar da magia de Rona pela força.

Rona separou as peças amontoadas que estava usando para consertar Sheoldred. Ela levantou um gânglio, sorriu e colocou de lado. Com uma careta, ela enfiou os dedos na órbita danificada do olho e arrancou o gânglio arruinado, expondo a carne viva e um pedaço de crânio reluzente perto de sua sobrancelha. Um jato de um líquido branco jorrou. Ela encaixou o novo gânglio no lugar.

Rugidos ecoaram pela caverna. Pedras se desfizeram, caindo contra o corpo de Karn.

Isso,” Rona disse, “foi o som de nossas naves evacuando nossas forças desta área de preparação – que foi comprometida – e recuando para uma área de preparação secundária. Temos muitas bases em Dominária. Você não encontrará todas elas.”

Rona enfiou a glaive em sua perna. Ela grunhiu, cortando sua roupa e sua carne. Seus olhos lacrimejaram, até mesmo o olho que ela substituiu. Ofegante, ela expôs seu músculo e seu osso quebrado para o ar da caverna.

Karn falhou. Preso pela magia de Rona, ele seria incapaz de avisar seus amigos, incapaz de lutar ao lado deles, incapaz de salvá-los quando os agentes phyrexianos completados explodissem de seus entes mais queridos para matá-los.

A caverna se esvaziou e silenciou o suficiente para que Karn pudesse ouvir o clique quando Rona encaixou um dispositivo em sua própria perna. Ela suspirou e dobrou sua carne sobre o metal. Ela fixou outro painel sobre sua coxa, selando seu ferimento, e então se levantou. Ela revirou os ombros e sorriu.

Sheoldred, em sua beleza, minha Sussurrante,” Rona disse, “fica mais forte a cada dia, e ela nos levará à vitória.”

Karn, ainda com o braço enfiado no torso de Sheoldred, podia sentir o clique vibrar ao longo de seu corpo. Sheoldred se separou, dividindo-se em pedaços. Seus segmentos se separaram, cada pedaço brotando uma dúzia de pernas viridianas segmentadas. O enxame derramou sobre Karn, usando-o como uma ponte para o chão. As criaturas parecidas com aranhas corriam pelos braços de Karn, pelas costas e pelo torso, pela parte de trás dos joelhos, pelas panturrilhas. O tik-tik-tik de suas garras metálicas reverberou através dele. Uma do tamanho de uma tarântula saltou dos cabos para o rosto de Karn. Agarrou-se à sua cabeça, contorcendo-se, uma bola de carne semelhante a um coração enxertado no centro de seu tórax modificado. Ela rastejou sobre sua cabeça. Ele podia sentir seu corpo molhado deslizar por suas costas. Ela caiu no chão e saiu correndo.

Eu posso não ser capaz de detê-lo, criação de Urza,” Rona disse, “mas posso impedir que você nos detenha.”

Do limite de sua visão, Karn pôde ver Rona mancando por um túnel. Mesmo com seus reparos improvisados, Rona continuava fortemente danificada, e ela se apoiou em sua glaive, usando-a como bengala. Sua perna esguichou um líquido amarelo e ela cambaleou. Ela fez uma pausa para recuperar o fôlego. Óleo escorria de suas novas inserções, misturado com sangue.

Ele virou a cabeça para observá-la. O campo paralisante de Karn enfraqueceu. Talvez fosse devido à retirada de Rona. Ela carregava o dispositivo que o mantinha preso? Karn tentou levantar o braço. O esforço o estremeceu. Ele levantou um dedo.

Rona deixou seu ombro encostar na parede do túnel. Ela usou sua glaive para cortar uma tira de pano de seu manto. “Espero que, ao pegarmos este Plano, à medida que o tornarmos mais perfeito, você sinta a avidez do fracasso mais uma vez.”

Karn lutou contra a força que o prendia. Sua mandíbula doía. “O que…”

Rona amarrou a tira de pano em torno de sua perna escorrendo, fazendo um torniquete. “Quando você assistir as pessoas que você conhece há eras se transformarem e se voltarem contra você, espero que doa.”

Por que você diz isso?” Karn continuou tentando. Ele tinha que mantê-la falando. Se ele pudesse se libertar… “O que eu fiz para você desejar tanto horror para mim?”

Os mirranianos se tornarem phyrexianos,” Rona disse, “foi a melhor coisa que já lhes aconteceu. Eles eram independentes de seu criador. Unificados. Belos.”

A força que segurava Karn parecia afrouxar. Ele precisava se libertar. Mesmo com a plataforma phyrexiana nas Cavernas de Koilos vazia, se Karn pudesse capturar Rona, por ser a mão direita de Sheoldred, ela seria capaz de fornecer informações valiosas. Nem tudo estava perdido.

Você os mataria, não é”, disse Rona, “por terem alcançado a perfeição?”

Ele só precisava de mais um momento –

Você deu sua inteligência ao Memnarca. Suas habilidades. Mas ele não tinha experiência para lidar com aquilo. A orientação. Ele estava tão perdido.” O sorriso de Rona se torceu. Ela gostava de vê-lo lutar. “Eu não suporto pais ruins.”

Karn parou. Seu corpo não poderia ter reverberado mais se ela tivesse o golpeado.

Rona ligou um interruptor na parede. Houve um pequeno ruído de rangido. Então, uma série de estrondos do alto. O rugido, enquanto a caverna caía, o engoliu. Toneladas de pedra caíram sobre ele. Uma pedra rolou da parede da caverna, em seguida, ricocheteou em seu peito. Isso o jogou de costas. Ele olhou para a caverna em colapso, ainda paralisado pelo dispositivo de Rona. Rochas caíam. Pedaços do tamanho de um punho marretaram seu corpo. Seixos menores batiam e ricocheteavam contra ele, rolando e preenchendo as lacunas. Sua visão ficou cinza por causa da poeira e depois escureceu quando as pedras obscureceram toda a luz. A pedra pesava sobre ele.

Ele podia sentir o feitiço de Rona se reduzir. Ele podia se mover — ou, pelo menos, sob toda essa pedra, ele podia tentar se mexer, mexer um dedo. Seja qual bem isso lhe faria. Nem mesmo ele poderia levantar esta pedra. Nem mesmo ele conseguiria sair desse desmoronamento.

A esmagadora camada de rocha era pesada demais até mesmo para ele se mexer.

Karn alcançou a centelha que lhe permitia transplanar. Ardia dentro dele, quente e brilhante, uma companhia tão perpétua que ele havia parado de notar. Se ele conseguisse apenas se concentrar e-

Não funcionou. Nada aconteceu.

Karn estendeu seus sentidos especiais através das pontas dos dedos e analisou os materiais inorgânicos circundantes: olivina, granito, quartzo, mica. Pedras comuns, mas com toda a antiga tecnologia interplanar e phyrexiana fornecendo uma interferência de baixo grau, ele não poderia transplanar.

Ele estava preso. Só ele sabia que Sheoldred tinha vindo para Dominária e não podia avisar ninguém.

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