Mtg Lore

Compêndio da Lore de Magic the Gathering

CRONAUTÔMATO

Texto original
por Ryan Miller

Bazzle acordou sobressaltado. Ele ouviu um grito de pavor e os sons de botas correndo do lado de fora. Ele se sentou com algum esforço e ouviu os sinos e tiques dos duzentos e doze relógios ao seu redor. Era um ruído tão reconfortante que o pedido de ajuda teve que ser registrado uma segunda vez em sua mente antes que ele percebesse o que provavelmente acontecera.

Ele saiu de novo. Minha criação continua a desafiar minhas vontades!

Ele lançou o olhar na prateleira de bronze da criatura, completamente coberta de linhas de filigrana e uma ligeira pátina de ferrugem que, de alguma forma, a fazia parecer majestosa. Evidentemente, ele mesmo fizera todo o trabalho, e com a sua mão boa. Ele perdera o braço esquerdo para a peste que tinha sido sua companheira constante nos últimos seis anos – a peste rastejante transformou o estranho relojoeiro no pária da aldeia. Ele estava certo de que, se não fosse por suas raras habilidades, teria sido jogado na floresta nevada e esquecido há muito tempo.

Provavelmente teria sido melhor… não, isso é apenas autopiedade. Velho coitado.

Ele abandonara seus sonhos de uma esposa, filhos e até de mentorar seu próprio aprendiz. Ele mergulhara em seu trabalho. Nenhum dos aldeões entendia por que todos os outros atingidos pela peste rastejante haviam morrido, enquanto esse estranho reparador continuava vivo. Quando os serviços dos relógios inevitavelmente cessaram, ele continuou mesmo assim, criando um relógio magistralmente trabalhado atrás de outro. Seu espaço de trabalho começou a parecer uma tumba enorme em uma floresta de prata e bronze, clicando, batendo e tilintando ao seu redor. Ele imaginava que eram pássaros coloridos.

Mas este – este era o auge de seu trabalho. Ele quase ficou cego cortando as milhares de engrenagens de que as pernas precisavam. A caixa torácica era de longe a mais difícil e exigia duas enormes chaves – frente e verso – para enrolar suas molas. Trabalhando com apenas um braço, ele inventara uma maneira de girar as chaves ao mesmo tempo: girar a frente o suficiente até o braço mecânico ganhar vida e virar o da parte de trás. Levara um ano para descobrir isso e mais um ano para alinhar precisamente os movimentos. A lembrança o fez sorrir.

Cronautômato | Arte de Vincent Proce

Sim, esta era de longe a sua maior criação. Uma que seria seu legado duradouro para um mundo que o segregara. Mas agora, parecia que ela preferia a companhia dos outros e saía sozinha à noite para aterrorizar os aldeões pela alameda. Ele escondeu as chaves, acorrentou a coisa e amarrou pedras a ela, mas nada parecia ser suficiente.

Você não pode culpá-la. Se pudesse, você também sairia por conta própria.

Às vezes ele acordava e encontrava coisas estranhas em sua loja – objetos que não faziam sentido estar ali. O capacete de um guarda, os estribos de uma sela, até mesmo um par de dentes de madeira. Na maior parte das vezes, ele encontrava chaves estranhas, centenas delas, enchendo pequenos sacos de aniagem e empilhados perto da porta. Ele nunca se preocupou em devolvê-las, já que seus donos nunca as tocariam agora que estavam com ele. Ele simplesmente as empurrava para um dos poucos cantos de sua loja que não estava coberto de peças, ferramentas ou aparas e se esquecia delas. Afinal de contas, elas eram de bronze, e não serviam para ele.

Nesta manhã, ele olhou cautelosamente ao seu redor para ver se ficaria surpreso novamente. Ele caminhou desajeitadamente até a bancada de trabalho, quase derrubando sua cadeira favorita, e parou no meio do caminho, soltando um grito patético. Lá, descansando na escrivaninha de pele de javali, estava um rudimentar braço mecânico.

Você realmente está no fundo do poço, velho. Agora você está fazendo coisas de que nem se lembra.

Ele se aproximou cautelosamente, lentamente estendendo a mão boa como se esperasse que a coisa saltasse para a vida e o agarrasse. Ele estremeceu quando o tocou, mas a coisa não se moveu. Algo não estava certo sobre aquele artefato. Algo que forçava o inconsciente de Bazzle.

Aposta Cega | Arte de Lucas Graciano

Ele puxou a faixa de couro que mantinha suas lentes de leitura da coruja-relógio, ao lado de sua mesa, e a colocou. Balançando a mais grossa das lentes sobre o olho, ele começou a examinar o trabalho à sua frente.

Sem filigrana, sem a suavização dos cantos e os pinos martelados! E esse traço de mineral cinza… zinco? Isso era latão! Bazzle se recusava a usar o latão, já que desvalorizava o resultado final de seu trabalho duro – pelo menos em sua opinião.

Você não fez isso. Ninguém mais poderia ter feito.

Sua linha paradoxal de pensamento foi interrompida quando ele notou algo. Havia linhas no braço, e elas pareciam fazer um estranho sentido; claramente intencional, mas sem qualquer lógica artística. Foi quando ele viu os dentes angulares e as alças enroladas.

Chaves. Isso foi feito de chaves derretidas.

Ele comparou com o braço da criatura, o que ele tinha feito, e encontrou as evidências que não esperava encontrar. Seus dedos estavam cobertos com limalhas de latão, fixadas pelo óleo do relógio. Por décadas, ele havia esfregado uma mistura semelhante em suas próprias mãos no final de um longo dia de trabalho.

Agora, ao que parece, ele finalmente tinha um aprendiz.

Bazzle olhou com os olhos arregalados, enquanto as implicações começavam a encher seu cérebro como leite derramado na água. De alguma forma, a criatura aprendeu o ofício do criador e estava usando-o para construir… o quê? Uma companhia? Um exército?

Ele puxou freneticamente a chave do peito da coisa, mas ainda estava sonolento e seu braço bom falhou. Ele rangeu os dentes e puxou novamente, desta vez desalojando a chave e jogando-a para o outro lado da sala. Para seu horror, o braço da criatura girou e começou a virar a chave de trás, o som alto da manivela enchendo a pequena e triste oficina. Antes que Bazzle pudesse fazer alguma coisa, a mão se virou e o atingiu diretamente no rosto. A última coisa que ouviu foi o barulho dos duzentos e doze relógios. Era hora do café da manhã.

Na manhã seguinte, Bazzle acordou sozinho, com uma dor de cabeça estridente lembrando-o do ataque do dia anterior. Ele olhou em volta com espanto, tentando lembrar onde havia jogado a chave. Com ela, ele poderia recuperar o controle de sua criação e desmantelá-la, acabando com aquela terrível empreitada e, talvez, salvar o velho homem da decadência de sua dignidade.

Capitão da Vigilância | Arte de Greg Staples

A milícia marchava do lado de fora e ele ouvia os gritos roucos do sargento de armas. Eles estavam revistando as fazendas, sem dúvida procurando por seu filho travesso de metal, mas ele sabia que eles não viriam hoje. O crânio escuro pintado em sua porta – o símbolo da peste – era melhor do que as muralhas de um castelo para impedir a entrada de invasores. Ele se percebeu ansioso pelo visitante anual que reavivava a pintura.

A luz do sol entrando pelo buraco em seu telhado de palha provocou um brilho no canto do olho. A chave! Repousava sob o que costumava ser sua mesa de jantar, mas que agora estava coberta de ferramentas e pedaços de metal, muito parecida com qualquer outra superfície de sua loja. Ele se levantou, gemendo de dor e de repente perdeu o equilíbrio. Ele caiu em direção a sua bancada, agarrando-a para se manter estável. Quando se levantou, seu coração pulou na garganta.

Ele estava olhando para uma cabeça decepada.

Ele desmaiou em choque. Quando sua mente começou a se realinhar, ele reconheceu as características metálicas que encontrara no braço misterioso. Esta era uma cabeça mecânica. O capacete do guarda fora moldado como um crânio, as lentes de leitura de Bazzle usadas como olhos, e os estribos e dentes de madeira presos na mandíbula em uma triste paródia de um rosto humano. Ele podia ouvir seu coração batendo profundo e lentamente em seus ouvidos, quase no mesmo ritmo do tique-taque que o rodeava.

Seu filho cresceu além da sua capacidade de controle. Você deveria deixar como está. Velho estúpido e triste.

Ele caiu no chão e estendeu a mão para alcançar a chave, ao mesmo tempo em que ouviu o assustador, porém familiar, zumbido das engrenagens. A coisa tinha uma mente própria e, aparentemente, nenhuma intenção de caminhar em silêncio. Bazzle se arrastou com o braço bom em direção à esperança dourada que havia na chave.

Não falta muito agora. Apenas o comprimento de um braço, apenas a largura de uma mão, a apenas alguns dedos de distância.

Ele sentiu o metal frio da chave na ponta do dedo, ao mesmo tempo em que o braço da coisa acertou sua nuca. A dor atravessou sua mente e ele sentiu a sala girando. Ele viu a coisa estendendo a mão para a chave, ouviu o som metálico do mecanismo quando a coisa encaixou a chave no lugar…

Na terceira manhã, Bazzle abriu os olhos. Ele estava momentaneamente indiferente aos acontecimentos dos últimos dois dias – um estado de espírito que ele logo invejaria. Ele percebeu que estava sentado em sua bancada de trabalho. A dor em seu pescoço o fez querer esticar a mão e massageá-lo, mas seu braço não atenderia ao chamado de seus instintos.

Um olhar ao redor da sala lhe explicou o porquê: seu antigo braço bom estava decepado no chão, perto de sua cama e, em seu lugar, preso a seu ombro, estava o braço mecânico de dias anteriores.

Não é isso que você queria o tempo todo?

Ele olhou para sua criação; seu corpo de metal. O corpo que ele passou seis anos fazendo. O corpo que o ajudou a enganar a morte da peste rastejante. Bazzle percebeu tarde demais que a coisa não estava fazendo um companheiro. Não estava construindo um exército. Apenas decidira que não mais compartilharia um corpo com um velho relojoeiro apodrecido.

Cutelo de Açougueiro | Arte de Jason Felix

Os braços começaram a se mover novamente, e não importava o quanto a mente de Bazzle gritasse para eles pararem, ele não podia controlá-los. A mão que ele tinha feito e a mão que não era sua criação, agora serviam a um mestre, e não havia nada que ele pudesse fazer além de assistir.

A escrivaninha estava cheia de ferramentas cirúrgicas: uma serra de ossos ensanguentada e um enorme cutelo. Ele viu quando o braço que havia criado entrou em ação – as molas cantando a canção da iminente liberação da tensão. Os dedos de metal envolveram o cutelo, ergueram-no até a altura do pescoço e recuaram.

A última coisa que ele viu foi sua loja girando no chão ao seu redor. Ele não ouviria o clique final da cabeça sendo colocada pela mão no espaço recém-desocupado.

Finalmente, sua criação estava completa.

Traduzido por Blackanof

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