Mtg Lore

Compêndio da Lore de Magic the Gathering

CONSTRUINDO UM SONHO, PARTE 01

Texto original
por Ken Troop

Minha querida Klytessa—

Você abrirá esta carta? Você a lerá? Ou você a lançará no fogo? Enquanto você assistir o papel se curvar e cintilar nas chamas, você sentirá arrependimento? Ou satisfação? Você contará a Lara sobre isso?

Eu sou responsável pela vida de dez mil pessoas. Nós estamos à beira da maior conquista que nosso reino já conheceu… e estas são as perguntas que me atormentam.

Digo a mim mesmo que nós estamos intermediando esta paz para o futuro de Iretis. Por nossos homens, mulheres, seus filhos e os filhos dos filhos deles. Isto nos levará para fora da sombra de Meletis, alcançando uma paz que eles nunca conseguiram. Estas coisas são todas verdadeiras.

Mas elas não são toda a verdade.

A assinatura formal com os leoninos é em uma quinzena. Udaen está com os conselheiros tribais deles até agora, fazendo os últimos preparativos. Você se impressionaria com a chama e a energia de Udaen. Dois meses atrás ele estava perto da morte, um velho e doente dando seus últimos suspiros. Sua recuperação foi uma resposta direta às minhas preces. Nós temos confiado por muito tempo em seu sábio conselho e a perspectiva de forjar essa paz sem ele era impossível. Com a recuperação da doença, ele ganhou uma vitalidade que é surpreendente. Eu tenho colocado esta vitalidade em bom uso, fazendo dela meu fator principal em negociações com as várias tribos.

Paz, Klytessa. Paz em nossas existências. Eu me lembro daquele dia que você chegou pela primeira vez de Meletis. O sol cintilava em seus cabelos e eu não sabia dizer o que era mais brilhante. Seu sorriso brilhava mais que ambos enquanto você contemplava o que deve ter parecido como as humildes faces de meu reino, comparadas às maravilhas da Meletis que você conhecia. Com seu sorriso eu soube que você era a escolha certa para mim, para nosso povo. Naquela noite, sua primeira noite, nossa primeira noite, quando os sobreviventes ensanguentados e cheios de cicatrizes voltaram com seus relatórios de mais uma contenda fronteiriça entre os leoninos (como é tentador ainda se referir a eles como felinos, ou pior… os velhos preconceitos não se vão com facilidade) e nosso povo, quando você viu o custo sangrento de viver em Iretis, foi a primeira vez que vi seu sorriso se ofuscar. Às vezes eu me pergunto se seu sorriso verdadeiramente voltaria, do jeito que estava ao sol com o vento gentil anunciando sua chegada. A paz está vindo, Klytessa.

 

Ela veio com um custo. Os assentamentos exteriores relatam atrocidades cometidas por monstros impossíveis, mais ferozes que qualquer leonino e difíceis de matar. Absurdo, Udaen disse, e eu concordei. Os expansionistas sempre querem mais terra e eles veem esta paz em potencial como um golpe direto aos seus sonhos de expansão. Eu lhes peço pelos corpos destas criaturas como prova e eles alegam que os corpos desaparecem em poeira. Em vez disso, eles me presenteiam com os corpos de seus soldados e, de fato, eles são mutilados com uma ferocidade e violência raramente vista. Eu não quero acreditar que nosso povo possa fazer isto com eles mesmos para sabotar a paz, mas eu concordo com a prudência de Udaen.

Homens farão coisas terríveis para alcançar seus sonhos.

Eu lembro de uma noite, logo depois de Lara ter nascido. Nós tínhamos passado o dia com nosso bebê, colocando os cuidados de nosso reino de lado, ao menos por um dia. Um dia para nossa bebê, você tinha dito, e eu concordei. Certamente ela merecia aquilo. No dia em que ela nasceu, me senti como se a conhecesse a vida inteira, como se nunca houvera uma parte da minha vida da qual ela não fosse parte. Foi a primeira vez que eu tive ressentimentos por ser rei, tendo que me sacrificar por tantas pessoas que não fossem você e Lara. Então eu dei a você e a ela aquele dia, e o dei alegremente. Nós passamos o dia no lago, nadando, caminhando e conversando, e eu pensei por um momento que você até se esquecera dos guardas. Foi um dia maravilhoso. E depois que nós retornamos ao palácio o dia maravilhoso se tornou uma noite maravilhosa. Enquanto você dormia, com a luz da lua sobre seus ombros e minhas mãos sobre suas costas sentindo sua vagarosa respiração entrando e deixando seu corpo perfeito, eu sabia que queria que este momento durasse para sempre. Se eu pudesse prender aquele momento, a luz da lua enquadrando nossos corpos entrelaçados, e nunca mudá-lo, eu assim o faria. O momento fora perfeito, e mudá-lo só poderia torná-lo pior.

Eu penso sobre aquela noite muitas vezes.

Eu escolho a esperança, Klytessa. Eu escolho acreditar que os leoninos manterão sua palavra e assinarão este tratado de paz conosco em duas semanas a partir de agora. Eu escolho acreditar que os expansionistas compreenderão os benefícios da paz, da estabilidade, e pararão suas tentativas de sabotagem. Eu escolho acreditar que você realmente abriu esta carta, que você a abriu e a está lendo agora. Eu escolho acreditar que existe um caminho em frente para nós. Um caminho que tenha você aqui ao meu lado em Iretis, onde você pertence. Onde eu preciso de você.

Eu te amo. Haverá paz. Você é linda. Sinto falta de nossa filha. Eu não encontrei a combinação certa de palavras para impedi-la de partir. Eu espero que eu consiga encontrar a combinação certa de palavras para fazer você retornar.

Kedarick

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Klytessa –

Um dia difícil e escuro. Eu conheço Thoros Clawkiller há mais de trinta anos. Nós crescemos juntos, treinamos juntos, lutamos juntos. Ele salvou minha vida contra os felinos muitas vezes. Ele era meu amigo. Eu o matei hoje. Com a minha espada eu separei sua cabeça do corpo, certeiramente cortando seu pescoço. Foi um corte limpo e rápido.

Você costumava me perguntar como eu conseguia ir para a batalha aparentemente tão sem medo. Eu teria tido uma resposta diferente, há muitos anos, mas agora a minha resposta é esta – uma batalha te mata rapidamente, mas a vida te mata lentamente. Todos os dias, outra parte de você morre.

Eu anseio pela simplicidade de batalha.

O dia começou bem o suficiente. Thoros tinha enviado notícias de que ele estava vindo para oferecer seu apoio ao tratado de paz. Era uma grande vitória, ter um expansionista tão proeminente do lado da paz. Cumprimentei-o na sala do trono e lá nós abraçamos e sorrimos. Thoros tinha trazido um pequeno grupo de seus homens e, apesar de estarem em suas armaduras e armados, eu não esperava algo diferente dos guerreiros dos assentamentos exteriores. Nem todas as viagens ao coração de Iretis estão livres de violência. O restante da equipe do palácio estava ocupado com os preparativos para a assinatura que acontecerá daqui a uma semana, mas o próprio Udaen estava ao meu lado para acolher um convidado tão importante, aquele que pode trazer a totalidade dos expansionistas para o nosso lado. Quando eu fiz menção para irmos parra o salão de banquetes para o almoço de boas-vindas, Thoros levantou uma mão. Nós paramos e Thoros colocou sua mão em uma sacola e tirou uma cabeça. Era a de um homem jovem, embora eu não o tenha reconhecido. O pescoço tinha sido rasgado bestialmente do corpo; não havia nenhum sinal de um corte limpo ou em linha reta. Os guardas sacaram suas espadas, mas Thoros e seus homens não fizeram nenhuma tentativa de sacar as deles.

“O meu sobrinho”, disse Thoros. “Morto pelos felinos, na noite passada.”

 

Perguntei-lhe se ele tinha provas.

“Antes, minha palavra teria sido prova suficiente.” Eu não podia negar sua verdade, mas não éramos mais guerreiros lutando contra felinos. Eu era o rei, tentando forjar uma paz, e eu precisava de provas.

“Eu vi com meus próprios olhos. Foi o maior felino que eu já vi, mais de dois metros de altura. Forte como um urso. Ele tinha quatro braços, duas cabeças e dentes e garras tão longos quanto adagas. Um felino diretamente de nossos pesadelos. Ele simplesmente apareceu no meio do acampamento dos batedores. Ele arrancou a cabeça de Teralos de seu corpo. Perdemos dez outros que tentaram derrubá-lo.” Estou redigindo suas palavras exatas porque eu as acho tão difíceis de acreditar. Quatro braços? Duas cabeças? Será que ele considerava-me um tolo? Olhei atentamente para ele e seus homens, mas apenas rostos estoicos olhavam para mim em resposta.

Perguntei-lhe se eles mataram o monstro. Eles não mataram. O gato desapareceu no meio da batalha, evaporando-se em névoa, deixando apenas os mortos e feridos. Perguntei-lhe o que ele queria de mim.

“Justiça”, disse ele. “Justiça para Teralos. Justiça para os mortos. Justiça para os vivos. Por que você busca a paz com aqueles que fazem isso para seu povo?” Ele estava gritando no final.

Eu não tinha nenhuma resposta. É uma lição que eu te ensinei há muito tempo – nunca demonstre incerteza. E ainda assim eu olhei para meu amigo e eu não sabia o que fazer, e eu não disse nada.

Udaen quebrou o silêncio. “Eu me pergunto”, ele disse, “quem é o maior proprietário de terras no assentamento Colinas Verdes? Quem tem os maiores direitos sobre terras que nós tiramos dos leoninos?” Isto quebrou a determinação de pedra dos homens de Thoros. Agora havia respostas altas de raiva. Udaen fora cruel, mas ele estava certo. Thoros era meu amigo e meu compatriota em batalha, mas ele também perderia muito se a paz com os leoninos fosse obtida. Eu não poderia esquecer isso.

Eu tinha decidido, Klytessa, ser gentil. Lembre-se disso. Por favor. Meu amigo estava furioso e ainda em luto pela perda de seu sobrinho e seu povo. Embora eu estivesse zangado com o pretexto de sua visita, eu entendia. E uma parte de mim queria endireitar o mundo para o meu amigo. Eu lhe disse que pensaria sobre o assunto e faria os meus homens investigarem para ver se havia provas a serem encontradas. Não foi uma ação decisiva, mas nos daria tempo. Tempo que eu precisava desesperadamente para conciliar esses relatos bizarros desses ataques.

Não era a resposta que Thoros estava esperando.

Mesmo agora, eu quase acredito que Thoros pareceu tão surpreso com suas ações quanto eu. Eu tinha acabado de falar e me virei para sair, para dar a Thoros e os seus homens a privacidade para se lamentar e recuperar a sua compostura. Quando me virei, vi o olhar no rosto de Thoros, aquele olhar familiar de raiva e desejo de batalha mas nunca tinha visto aquele olhar dirigido a mim. Antes que eu tivesse tempo de reagir, Udaen estava lá, interpondo seu corpo frágil entre mim e Thoros, gritando: “Pelo Rei!” Ele enfiou seu bastão no meio das pernas de Thoros, o fazendo cair para frente no chão, e só então eu vi o punhal voar das mãos de Thoros, o punhal que ele tinha começado a mirar para as minhas costas.

 

 

O abate dos homens de Thoros foi rápido. Se eles haviam sido uma parte em seu plano de assassinato, eles estavam mal preparados para isso. Eles pareciam tão surpreendidos pela tentativa quanto eu. O próprio Thoros parecia em transe, mesmo depois de ele ter sido arrastado pelos meus guardas, com o rosto espancado e ferido, enquanto olhava para seus companheiros mortos.

“Eles disseram… eles disseram que você tinha ficado cego. Que sua busca pela paz, sua busca pela sua… rainha, o tinha cegado para as necessidades de seu povo. Eu disse a eles que você me ouviria. Que você me veria, e veria a… verdade. Que você abriria os olhos e parar este pesadelo.” Eu quero capturar cada palavra que ele falou. Eu quero lembrar cada gota de sangue que ele cuspiu enquanto as falava.

Eu tinha meus olhos bem abertos quando eu fiz o julgamento e sentenciamento de Thoros Clawkiller, meu amigo. Eu vi minha lâmina descer rapidamente e passar diretamente através de seu pescoço. Não há cortes irregulares para meu amigo, não como seu sobrinho. Um corte rápido e limpo.

É a bondade de um rei.

Kedarick

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Minha querida Klytessa – 

Eu tenho carregado o segredo comigo durante todo o dia. Udaen me entregou a carta esta manhã. Tem sido meu escudo, minha armadura, minha espada. Eu não poderia fazer nada errado hoje, porque eu tinha meu segredo.

Amanhã é a cerimônia de assinatura com os leoninos. Anciões de várias tribos (“Seis tribos, Kedarick, seis. Devo te fazer repassar os nomes de novo?” Isso foi Udaen esta manhã. Ele está bastante irritadiço, mas dado tudo o que ele tem feito para promover esta cerimônia, eu posso perdoá-lo) se encontrarão comigo e Udaen para a assinatura. Eles nos darão uma arma cerimonial. Nós daremos a eles direitos formais sobre as suas terras atuais, com privilégios comerciais lucrativos para cada clã. Eles ficarão com o melhor da troca, mas se isso nos der uma paz duradoura, valerá a pena.

Eu dei um discurso hoje. O último discurso que eu dei foi logo depois que você partiu, quando o reino precisava da minha voz e da minha garantia. Aquele discurso foi um desastre, mas como não seria? Meu coração se fora. Eu sei que nenhum homem pode falar convincentemente sem seu coração.

O discurso de hoje foi lindo. Houve poucas vezes em minha vida quando falei com meus súditos e percebi que eles se agarravam a cada palavra minha, que eles eram cativados pelo poder da minha voz e das minhas mensagens. Hoje foi um desses dias. Eu falei da histórica ocasião da assinatura de amanhã. Eu disse a eles que nós estávamos inaugurando uma nova era de prosperidade e segurança, que nós estávamos aqui para vislumbrar o nascimento da era dourada de Iretis. Eu disse a eles que os rumores do recém-formado exército dos expansionistas e os rumores dos terrores que espreitam a noite eram efêmeros e evaporariam como o orvalho da manhã contra o poder do sol, o poder de nossa paz com os leoninos. Foi um momento triunfante e as salvas e os gritos do nosso povo foram sublimes.

Contudo, foi apenas uma pálida sombra de alegria comparada ao meu segredo.

Depois do discurso, Udaen queria me informar sobre os relatórios de observação dos expansionistas. Os irmãos e filhos de Thoros tinham reunido um pequeno exército de muitas centenas de homens dos assentamentos. Mas eles ainda precisariam de mais antes de nos desafiar e Udaen estava confiante de que a paz com os leoninos diminuiria o avanço dos expansionistas. Eu dispensei Udaen da sala o mais rápido que pude. Que necessidade havia de falar dos expansionistas ou dos detalhes finais de amanhã?

Eu queria falar sobre Lara. Quanto ela cresceu ano passado? Figos ainda são a comida favorita dela? Ela fala frequentemente de mim? Ela ainda toca o alaúde? Foi apenas um ano e ainda assim tremo só de pensar em vê-la de novo, seus cabelos ruivos, seu sorriso, a forma como ela teimosamente cruza seus braços da mesma maneira que você faz, com seu nariz arrebitado e determinação em seus olhos.

Ignore minhas lágrimas que mancham a borda desta página, pois eu tenho meu segredo e eu estou invulnerável. Você vai voltar. Você vai voltar!

Minha querida, meu amor, até daqui a poucos dias quando nos veremos um ao outro de novo. Eu tremo só de pensar. Uma nova era está chegando para Iretis amanhã e você e eu a governaremos!

Seu amor,

Kedarick

 

Traduzido por: Magic the Gathering History

Revisado por: Blackanof

 

 

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