Mtg Lore
Compêndio da Lore de Magic the Gathering
AQUELA QUE QUEBRA O MUNDO
Nissa Revane está cavando sua própria cova. Sob a cobertura da noite, ela enfia a pá na terra de Zhalfir e enxuga o suor da testa. A tarefa deveria ser fácil para ela. Afinal, é apenas terra. Antes, ela podia dobrar a natureza com um capricho, mas agora seu coração palpita, seus membros tremem. Ela conclui que deve ter excedido seu corpo em recuperação e decide que vai ter um descanso merecido após concluir esta tarefa. Mas não tinha como ignorar a pergunta que a assombra: é isso que acontece quando um planinauta perde sua centelha?
Ela perguntou aos outros o que aconteceu, mas eles só puderam descrever a batalha e sua ressurreição. Ninguém pôde responder o que havia acontecido em sua alma. Chandra sugeriu que era um efeito colateral de sua ressurreição. Karn teorizou que foi danificada quando os phyrexianos alteraram a mente e o corpo de Nissa.
Mas Teferi apenas ouviu e acenou. “Não é só ela,” ele disse.
A centelha de Teferi havia desaparecido em algum momento após a invasão. A de Koth também. Chandra era a única entre eles que parece ter mantido a sua – bem, Chandra e Ajani.
O sílex havia explodido nas Eternidades Cegas. Buracos haviam sido abertos no espaço entre os planos. Talvez isso seja algum tipo de resposta natural do Multiverso; uma grande poda, um recuo daquela energia misteriosa que um dia os preencheu. No entanto, a causa não importava. Nenhum tipo de teorização ofereceu conforto a Nissa.
Então, para se confortar, ela toca o torrão pesado que levantou da terra vermelha, mas a terra não a tranquiliza como o solo familiar de seu mundo natal, Zendikar. Ela o aperta entre os dedos. Ela pergunta ao Plano como ele se sente, mas ele não responde. Talvez o dano se estenda além de sua centelha, direto para seus poderes animistas.
Então ela escuta algo diferente. Não é a voz profunda e reverberante de um Plano que abala sua alma, mas algo distante, animado e humano: música. Os tambores de Mirrodin e Zhalfir estão celebrando sua vitória sobre os invasores phyrexianos. Desde que deixou o austero clã Joraga em sua juventude, a música se tornara seu deleite favorito, mas hoje ela a ridiculariza, fazendo apenas com que seu peito doa. Ela sabe que em algum lugar, sob a luz do fogo, seus amigos também estão celebrando.
Naquela manhã, Karn e Koth haviam terminado de cobrir o último telhado em uma nova aldeia. Nissa viu alívio – até felicidade – em seus olhos enquanto se juntavam aos mirranianos refugiados, pois todos estavam unidos como sobreviventes. Eles a convidaram para se juntar a eles.
“Você tem certeza de que sou bem-vinda?” ela perguntou.
“Claro.” Teferi colocou a mão em seu ombro e disse: “Você terá um novo lar aqui se apenas tentar.”
Então Nissa trabalhou com os outros sobreviventes, comeu com eles, conversou com eles. Mas não era a mesma coisa. Teferi tinha seu lugar de volta. Koth e Karn estavam forjando um novo. A Zendikar de Nissa estava trancada em um Multiverso distante.
Zhalfir ainda não falava com ela. Nem os cinco sóis coloridos, outros refugiados de Mirrodin agora em casa no céu de Zhalfir. Ela se sentia isolada, perdida no Multiverso sem nenhuma voz chamando-a para casa. Talvez nenhum Plano a ouvisse novamente. Todos haviam perdido suas centelhas, mas apenas Nissa ainda queria caminhar pelos Planos.
Mesmo que seus amigos parecessem seguir em frente sem ela, ela ainda se importava com a felicidade deles. Então, sem querer arruinar o ânimo da celebração, ela se desculpou. Havia, pelo menos, uma tarefa que ela podia fazer. Ela enfia sua pá no chão.
Novamente.
E novamente.
Finalmente, o buraco está fundo o suficiente. Ao lado dele, sua carapaça phyrexiana aguarda o enterro. Com a líder phyrexiana morta e sua poderosa influência no óleo brilhante cortada, os sobreviventes foram capazes de purificá-la com o Halo, mas o metal inerte permaneceu. Sua estrutura de cobre está coberta por espinhos retorcidos, e esses espinhos estão cobertos pelo sangue seco de seus amigos. Ela esfrega uma mancha, e resíduos escuros descascam em seus dedos. Ela se pergunta de quem era aquele sangue. Talvez de Koth? Talvez de Wrenn? Talvez de Chandra?
Chandra.
Ela havia machucado Chandra, quase a matado.
Nissa e os outros planinautas haviam tentado lutar contra os invasores phyrexianos, mas ao invés disso, se tornaram armas do inimigo. Depois da derrota phyrexiana, os amigos de Nissa disseram que a perdoavam. Eles a libertaram de sua prisão de metal e limparam sua mente da influência phyrexiana. Eles limparam o óleo de sua Espada-Caule, mas não puderam limpar as memórias do que ela havia feito.
A caixa torácica de cobre era uma armadilha e uma armadura, um construto de terror paralisante e poder intoxicante. Concedeu-lhe a capacidade de desencadear um chamado através dos galhos da Árvore da Invasão e falar da glória de Phyrexia para todos os Planos do Multiverso.
E agora, Nissa está desgostosa consigo mesma porque – apesar dos sacrifícios de seus amigos, apesar dos sacrifícios de Chandra – parte dela sente falta de ouvir aqueles Planos.
Ela tenta chutar a carapaça para dentro da cova que cavou, mas é pesada, mais pesada que a pá, mais pesada que a terra.
Alguém atrás dela fala: “Você saiu da festa cedo. Queria ter certeza de que você tinha algo para comer.”
Nissa reconheceria aquela voz em qualquer lugar. Ela se vira para encarar Chandra Nalaar, braço estendido, oferecendo-lhe metade de uma manga madura. O sorriso no rosto de Chandra é acolhedor, e Nissa sabe que não merece isso.
Nissa balança a cabeça. “Não estou com fome.”
Ela vê o olhar de Chandra desviar para a pá e depois para a concha phyrexiana vazia. “Precisa de ajuda?”
“Estou bem.”
Chandra dá um passo à frente mesmo assim. Ela entrega a manga para Nissa e coloca as palmas das mãos contra a carapaça de cobre. O calor irradia de seus dedos, e o metal sujo começa a ceder sob seu toque. Seus cabelos se incendeiam em uma chama viva.
Nissa não pode deixar de pensar que ela fica tão bonita assim.
Os espinhos se dobram com o calor. A carapaça amolece em um pedaço desforme de sucata. O cheiro de metal esfriando enche o ar da noite, e Nissa quer dizer a Chandra para parar, para deixá-la ter, pelo menos, esse pequeno sucesso.
Mas, em vez disso, ela ainda diz a Chandra: “Obrigada.”
“Sem problema!” Chandra pisca um olho, e com um chute rápido, chuta o esqueleto amassado para dentro do buraco. Sem hesitar, ela faz um gesto com a mão para a pá de Nissa. “Quanto mais rápido enchermos esse buraco, mais rápido você poderá se divertir!”
Em vez disso, Nissa entrega a manga não comida para Chandra. “Eu vou comemorar quando terminar.”
Chandra deixa a manga cair para pegar o pulso de Nissa com as duas mãos. Suas palmas estão tão quentes. “Faça depois, então! Vamos lá!”
Nissa sabe que Chandra está apenas tentando fazê-la se sentir melhor, concentrando-se em sua vitória, mas não está funcionando. Ela se solta suavemente do aperto de Chandra. “Vou ser rápida. Prometo.”
Mas Chandra não se afasta. Ela passeia, usando o pé para empurrar a terra para dentro do buraco quando acha que Nissa não está olhando. Há algo que ela não está dizendo.
Então Nissa pergunta: “Existe um motivo para eu ter que ir agora?”
Chandra roe o lábio antes de baixar a cabeça e admitir suavemente: “Porque se você se atrasar, talvez eu não esteja lá.”
Conforme as palavras de Chandra assentam, a memória de Nissa volta ao dia em que acordou em Zhalfir. A primeira coisa que sentiu foi a mão quente de Chandra segurando a sua, e a primeira coisa que viu foi o seu amplo sorriso. Seus membros estavam pesados com o metal de cobre morto, mas seus pensamentos eram dela. O sorriso de Chandra era dela.
Estou bem aqui. Chandra disse. Eu estou bem aqui e não vou a lugar algum.
Nissa queria dizer alguma coisa para lembrar Chandra de suas próprias palavras. Mas antes que pudesse protestar, a voz de Chandra se espalhou para preencher o silêncio que ela não suporta. “Amanhã, vou sair para encontrar Ajani.”
Nissa abre a boca para responder, mas não sabe como reagir a uma promessa quebrada. Sua reticência só preocupa ainda mais Chandra.
“É só por um tempo! Só até eu encontrá-lo. Eu sou uma das poucas pessoas que ainda pode transplanar, certo? Se eu não puder trazê-lo de volta, quem pode? E eu sei que você estará aqui, esperando por mim…”
Mas Nissa não quer esperar aqui. Ela não pode escolher, porque não é mais uma planinauta.
Nissa mal se ouve quando sussurra: “Mas você me beijou.”
Você finalmente me beijou.
Chandra muda de pé. “Quer dizer, sim, mas ainda tenho que ir…”
O resto das palavras de Chandra não significam nada para Nissa. Como Chandra poderia amar tantas pessoas tão livremente? Mas deixá-las tão facilmente? Será que lhe falta mais do que apenas uma centelha? Ela tem que saber.
Nissa endurece sua voz. “Então seja clara – que tipo de amor você tem por mim?”
Ela observa a ansiedade crescer dentro de Chandra, formada por palavras que ela não sabe como dizer, transformando-se em gestos frenéticos que começam, param e começam novamente como se seus dedos pudessem moldar seus pensamentos confusos em frases. O que sai é: “Eu… eu…” As mãos de Chandra caem ao seu lado. “Tipo, eu sabia que tinha que te salvar.”
“Você é uma heroína, Chandra, uma planinauta. Você salvaria qualquer um.” Nissa enfia sua pá no chão. “Não sou diferente de qualquer outra pessoa!”
“Não, não é isso! É… é… é difícil de explicar – é tão grande, como, não consigo descrever. Isso não é suficiente? Você não pode simplesmente acreditar em mim quando digo que você significa tudo para mim? Tudo!”
Nissa franze a testa. Porque o que Chandra está dizendo não combina com o que Chandra está fazendo. Nissa pensou que Chandra entenderia. Que o tipo de amor que Nissa precisa é um que não a deixe. Ou ela mais uma vez foi atraída para a órbita indissociável de Chandra apenas para ficar presa em um amor unilateral? Como seu Sol Imortal particular.
“Por favor,” Chandra implora. “Você não pode pelo menos me dizer se algo está errado?”
Nissa olha para baixo, para as carcaças carbonizadas de seus ossos metálicos. Para ela, sua dor é tão óbvia, mas não tem mais forças para descrevê-la, muito menos para curá-la. Ela não pôde contar a Teferi, Karn ou Koth sobre isso, e ainda não pode nem contar a Chandra. Nissa balança a cabeça. “Vá, então, encontre Ajani, e eu vou esperar aqui.”
Chandra coloca a mão em concha em volta da bochecha de Nissa e gentilmente vira sua cabeça até que seus olhos se encontrem. Ela morde os lábios, e sua voz é baixa e reconfortante. “Eu vou voltar,” ela diz, “Zhalfir não é um lugar ruim, Nissa. Acho que você gostaria se tentasse.”
Nissa Revane está cansada de tentar. Virando-se para esconder as lágrimas que se acumulam em seus olhos, ela pega sua pá e não observa Chandra transplanar indo embora, mas, ainda assim, pode sentir o cheiro que ela deixa para trás, como as últimas correntes de fumaça de uma lareira.
Nissa acorda na manhã seguinte e sente imediatamente a ausência de Chandra. Instintivamente, ela procura a alma deste plano desconhecido em busca de conforto, mas Zhalfir está em silêncio. Talvez a terra também sinta dor porque sente falta de casa. A dor de um segundo abandono perfura seu coração e ela até se pergunta se Ashaya, a alma-mundo elemental de seu Plano natal, ainda reconheceria seu chamado.
O apelido de Nissa, Shaya, significava Despertadora de Mundos, não destruidora de mundos.
Ela se deita em sua esteira, contando cada inspiração, cada expiração. Fazia muito tempo desde que ela meditou de verdade. Costumava praticar todos os dias antes de se juntar às Sentinelas, antes de conhecer Chandra. Ela deveria tentar novamente.
Mas não aqui. Cada voz, cada som, cada vibração de vida fora de sua tenda a faz lembrar do quanto a distância cresceu entre ela e seus amigos. Ainda assim, há um que poderia entender.
Nissa pega seu cajado e sobe a colina arborizada que tem vista para a vila. Desajeitadamente, ela se senta no chão, com as pernas cruzadas ao lado do broto que costumava ser Wrenn. Ela está crescendo rápido, nutrida pela luz dos cinco novos sóis que Zhalfir herdou.
Nissa só falou uma vez com a dríade, e não havia motivo para falar com a mudinha. Ainda assim, ela sente uma familiaridade com a única outra planinauta que se ligou à Árvore da Invasão. Nissa viu tantas coisas horríveis durante seu tempo como phyrexiana, mas um momento bonito se destacava em sua mente. Quando Wrenn costurou seu corpo frágil no cerne da Árvore da Invasão, os ossos de Nissa foram preenchidos por uma música assombrosa e bonita. Não era apenas uma única canção de árvore. Era um hino cantado por um coro de vozes planares, tocado nas cordas das linhas de força.
Nissa tentava lembrar essa música agora. Ela fecha os olhos e respira devagar. Ouve seu coração, desejando acalmá-lo com cada inspiração e expiração, concentrando-se em si, nas raízes de sua alma. E ela ouve.
Uma canção jaz além do silêncio.
Seu tom baixo ronrona profundamente no peito de Nissa, como em seus primeiros dias como animista, antes de Ashaya. Ela volta seu coração para isso, mas ouve algo mais. Um tinido silencioso se solidifica atrás de seus olhos.
Não importa. Ela se concentra nessa música, na magia planar. Mas quando o faz, o tinido cresce. Ela chama mais alto, e o ruído também. Seus ouvidos estão coçando, tremendo, queimando agora.
Ainda assim, ela tenta novamente. Seu coração dispara. Sua alma grita pela canção sussurrada. Mas seu grito é abafado por dezenas de novas vozes alienígenas que ela reconhece e despreza: os Eldrazi, Bolas e, finalmente, Phyrexia, a mais alta.
O tinido explode em uma estática que dilacera o crânio. Uma dor vívida percorre seus músculos e sua espinha dorsal. Faíscas coloridas explodem na escuridão de sua visão.
Ela grita de verdade.
Quando Nissa abre os olhos, ela está deitada de costas na sombra de uma acácia próxima, e a verdade silenciosa encara-a de volta: todo ser que tocou sua mente agora está enterrado em sua alma. Ela passou tanto tempo conectada aos outros que sufocou sua própria conexão com o Multiverso. Quer esses laços tenham sido feitos por sua própria vontade ou não, os Planos a rejeitaram.
Ela se levanta com dificuldade. À medida que sua visão se afina, ela vê uma luz azul pairando no ar, um brilho pulsando no ritmo da canção da linha de força. Suas bordas se parecem com um pano rasgado, como se alguém tivesse cortado o tecido da realidade com uma faca. Nissa estende a mão em direção a ela e rapidamente a puxa de volta quando um raio de eletricidade salta para seus dedos.
Com um estrondo ensurdecedor, a luz se rasga.
O impacto joga Nissa no chão. Ela se levanta de joelhos a tempo de desviar da enorme criatura que irrompeu da luz. A besta é diferente de tudo o que ela já tinha visto antes, um predador maior que um urso com garras mortais que emitiam nuvens de tempestade encaracoladas. Rachaduras douradas de raios traçavam seu corpo musculoso, emitindo faíscas que ameaçavam incendiar a grama seca. O chão racha sob seus pés e, com um golpe de seus membros, um arbusto próximo sai voando. Quando vê Nissa, a criatura berra de raiva.
Nissa não pode deixá-la se aproximar da vila. Muitos ainda estão se recuperando das feridas da guerra. Eles não podem lidar com um animal frenético.
Nissa Revane pode não ser uma planinauta, mas é a única pessoa aqui agora.
Ela rola pelo chão. Com um movimento suave, pega seu cajado e o carrega com magia. Sua ponta ilumina verde, e a grama do deserto se curva à sua vontade. Ela a entrelaça consigo mesma, tornando-se cordas grossas para prender as pernas da criatura. Mas, ao entrar em contato com sua pele elétrica, a matéria vegetal seca e se desfaz em cinzas. Nissa convoca raízes e galhos. A fera enfurecida os rasga do mesmo jeito, deixando poeira em seu rastro.
Ainda assim, Nissa conseguiu um espaço para se levantar. Com uma respiração profunda, ela tenta se lembrar como é ser uma heroína, para impedir essa criatura de jogá-la como uma peça de jogo e se tornar a mão que a move.
Ela envolve seus dedos ao redor do cajado, e sua madeira retorcida ganha vida. Cipós verdes se enrolam em seus pulsos enquanto desembainha a espada de seu cerne. Ela projeta sua magia pela lâmina, e seu metal brilha em verde. Nissa dá um passo ágil para frente, mas até o uso de pouca magia a deixa sem fôlego de alguma forma.
A fera se lança, mas desta vez Nissa está pronta. Ela salta para cima de seu dorso. Quando a criatura empina, Nissa tem que segurar em sua pelagem para conseguir se equilibrar. Um calor ardente atravessa sua luva, e ela sabe que não terá muito tempo.
Não quer machucar a criatura, mas ela precisa imobilizá-la. Nissa enfia sua espada em uma das fendas elétricas em sua lateral – não muito fundo, apenas uma picada para algo tão grande. A magia verde se desenrola da lâmina, solidificando-se em gavinhas grossas e pontiagudas que perfuram a perna da criatura e se enrolam em torno de seu corpo. A fera empina selvagemente antes de cair de joelhos danificados. O movimento joga Nissa para o ar, e ela mal tem tempo para se dobrar em uma rotação antes de bater no chão.
Ela se endireita e olha para o animal. Sua arma ainda está presa em seu lado. Ela observa suas gavinhas conectadas à criatura queimarem novamente. A criatura se sacode e se levanta, ilesa e ainda mais irritada. Seus olhos encontram os dela enquanto sua espada cai, inútil, no chão.
Nissa pressiona suas mãos na terra, pedindo ajuda às linhas de força como costumava fazer. O chão brilha sob seu toque enquanto ela pede, implora, suplica, para que um elemental apareça. Os seixos ao redor dela tremem e a esperança se eleva em seu peito.
Então eles caem de volta.
Zhalfir não pode ouvi-la.
A criatura corre diretamente em sua direção, apanhando-a em suas garras largas. Com um movimento de seus braços enormes, a criatura a joga para frente e ela cai a metros de distância com um estrondo doentio. Dor explode em todo o seu corpo.
Através de uma visão turva, ela ergue o queixo e vê a fera se preparando para atacar, garras estendidas para empalá-la e raios crepitando em sua coluna. Talvez essa criatura não seja um animal comum. Ela pensa em como apareceu quando tentou alcançar as linhas de força. Talvez isso seja um elemental que ela invocou, enviado por Zhalfir para vingar os erros que cometeu em nome de Phyrexia.
Ela não quer morrer. Mas não pode negar que seus crimes merecem isso.
Então deixa a cabeça cair completamente no chão. Afinal, por que lutar contra o mundo quando você sabe quem vai perder?
A criatura avança, presas à mostra. Nissa se prepara para o golpe.
Quando de repente, a besta para.
Ela fica suspensa no tempo, a garra retorcida pronta para atacar. Nissa sente mãos fortes e quentes levantando-a para longe do perigo, e a voz de Koth diz: “Nós te pegamos”.
“Não a machuquem…” Nissa tenta dizer, mas não tem certeza se alguém pode ouvi-la.
Ela vê Teferi, com seu cajado estendido, seu feitiço azul radiante mantendo a besta paralisada. Karn se aproxima da criatura e envolve seu pescoço com seus enormes braços de metal.
“Eu vou soltar agora,” Teferi diz.
Karn assente. “Pronto”.
O tempo volta ao normal. A criatura termina seu movimento, mas suas garras atingem apenas o ar onde Nissa estava. Ela se debate contra Karn, mas suas garras raspam inutilmente contra o aço. Ela rosna com as presas expostas, mas Karn aperta seu estrangulamento para que não consiga virar o pescoço.
Então o ar fica quente com o cheiro de ozônio, e um raio branco irrompe da pele da criatura. A explosão lança todos ao chão, e Nissa levanta a cabeça a tempo de ver a criatura avançar em disparada para longe, nuvens de tempestade rastreando atrás dela.
Koth está de pé novamente, deslizando o braço sob Nissa para ajudá-la a se levantar. Ele devolve sua arma, agora de volta à sua forma de cajado. “Você está machucada?”
“Estou bem.” Nissa responde se soltando dele. Ela pega o cajado, usando-o para se levantar apesar da dor latejando por todo o corpo. “Como você me encontrou?”
“Teferi ia visitar Wrenn quando viu uma luz estranha no topo da colina e nos reuniu para investigar. Felizmente, ela também está bem,” Koth diz, fazendo um gesto em direção à planta.
“É uma luz estranha mesmo,” ela ouve Teferi dizer. Ele está de pé diante do lugar onde a criatura emergiu, onde ela tinha visto o buraco na realidade. Agora, a abertura era um portal enorme, alto o suficiente para qualquer um deles atravessar, até mesmo Karn.
“A criatura,” ela explica. “Eu acho que ela saiu de lá.”
O portal chama por Nissa. Algo do outro lado emite uma energia como uma canção das linhas de força. É como um coro de melodias caóticas, sobrepostas, de diferentes Planos, mas através de tudo isso, ela sente uma vibração familiar. É fraca, mas parece como Zendikar. Mesmo que o Plano não possa ouvi-la, seu coração instintivamente se enche de saudade. Mas ela precisa de mais do que instinto. Ela precisa entender. Então, ela se atreve a perguntar: “Para onde você acha que isso leva?”
Ela quer que isso a leve para casa.
“É difícil dizer,” Teferi reflete. “Mas aquela criatura certamente não era de Zhalfir.”
O desejo aperta ainda mais o peito de Nissa. “Pode ter viajado de outro Plano?”
Karn pareceu dar de ombros, um gesto desajeitado com seus ombros enormes. “É possível. A Quebra-reinos perfurou buracos no tecido da realidade. O sílex explodiu nas Eternidades Cegas. Quem sabe o que isso pode ter mudado.”
A garganta de Nissa se fecha ao falar. “Você acha que um de nós deveria atravessar?”
Silêncio passa pelo grupo, e Nissa começa a se preocupar. Eles poderiam estar apenas pensando, ou poderia haver algo que eles não estavam lhe dizendo.
Finalmente, Karn balança a cabeça. “Os riscos são incalculáveis. Se isso realmente levar às Eternidades Cegas – sem uma centelha, você poderia ser instantaneamente destruída.”
“Mas aquela criatura não foi destruída!” Nissa balança a cabeça. Cada frágil fio de esperança que ela construiu se desgasta e se rompe. Novamente, é isso que significa não ser uma planinauta.
Teferi coloca uma mão tranquilizadora no ombro de Nissa. “Ou é possível que essa criatura seja um planinauta. Mas isso é apenas uma de um número infinito de possibilidades. Não sabemos para onde este portal leva, então não podemos afirmar com certeza o que vai acontecer. Mas atravessá-lo… bem, isso seria simplesmente um salto de fé.”
Um salto de fé.
Nissa não é do tipo de pessoa que dá saltos de fé. Chandra, porém. Chandra é uma pessoa que faria. Sem sequer pensar.
Koth fala, interrompendo sua análise. “Sinto a necessidade de lembrar a todos que a criatura ainda está lá fora, perdida e com raiva. Nosso povo sofreu muito, e temos o dever de proteger nosso novo lar de mais riscos.” Ele acena para Nissa. “Vamos controlar essa criatura e depois podemos conversar sobre explorar.”
O grupo concorda, e, por mais que Nissa odeie abandonar o portal, ela sabe que Koth está certo. Por mais que a guerra tenha tirado dela, outros perderam ainda mais. Eles precisam se ajudar primeiro.
Teferi, Koth e Karn já começaram a descer a colina. Nissa segue o mais rápido que pode com suas pernas cansadas e costelas doloridas, mas antes de se juntar a eles dá uma última olhada no portal brilhante atrás dela.
Nissa ainda está machucada. Ela está deitada em um colchonete em sua tenda, tentando dormir sem sucesso. A curandeira Civic parecia exausta, mas, ainda assim, examinou Nissa. Nada parecia quebrado. Nada físico, pelo menos. Mesmo assim, a curandeira pediu que Nissa ficasse para trás quando Teferi, Karn e Koth foram procurar a besta do relâmpago. De certa forma, ela está feliz pelo descanso, porque significa que pode ficar sozinha.
Ela ouve vozes abafadas do lado de fora, as pessoas falando sobre suas tarefas diárias, falando sobre pessoas que ela nunca conheceu. Ela se vira tentando dormir novamente. Nessas horas desejava que a audição élfica não fosse tão sensível.
Mas então, as vozes se aceleram, ficam mais altas, e sua calma é interrompida por um grito. Seguido pelo som do trovão.
A eletricidade aquece o ar, fazendo seu cabelo ficar em pé. Nissa não tem dúvidas: a criatura do portal está aqui. O medo afunda em seu estômago. E se estiver procurando por ela? E se a seguiu até aqui para completar sua missão?
Suas ações deixaram a vila desprotegida e em perigo. Ela se levanta cambaleando, pegando seu cajado ao sair da tenda.
Você não é uma planinauta, ela pensa. Mas, novamente, é a única pessoa por perto.
A criatura está ocupada saqueando a tenda da comida. O chão está coberto de lona rasgada e panelas de ensopado derramadas. Até as maiores mesas de madeira foram partidas ao meio, reduzidas a lascas. Uma equipe corajosa de guerreiros zhalfirianos e mirranianos a cercou, mas ela pode ver que suas armas ainda precisavam desesperadamente de reparo desde a luta contra os phyrexianos. Ela precisa ajudá-los a afastá-la da vila.
Com a ajuda de seu cajado, ela lança sua magia à frente. Espessas raízes emergem do chão. Elas envolvem o pescoço e os membros da besta, tentando prendê-la ou pelo menos puxá-la para outra direção. O esforço faz com que as pernas de Nissa tremam, mas ela se mantém firme.
Ela não terá muito tempo até que a criatura queime as amarras, mas ela aproveita sua confusão. Ali! Ela corre em direção a uma árvore baobá densa do lado de fora da vila.
“Aqui!” ela rosna, desencadeando outra enxurrada de gavinhas raivosas.
A criatura morde a isca e se vira para longe das espadas e lanças dos aldeões, meros incômodos em comparação a este novo atacante espinhoso. Ela balança as garras nas plantas, cortando-as como uma foice. A alguns metros de distância, Nissa levanta outra ofensiva. A besta se lança novamente para perseguir sua presa. Lentamente, cipó a cipó, golpe a golpe, Nissa guia a criatura para fora da vila.
Ela respira aliviada ao ver os habitantes feridos se apressando para a segurança. Pelo menos ela fez algo bom. Mas o esforço a exaure. A luz verde em seu cajado se apaga. Ela cai de joelhos.
E a criatura tem apenas um alvo agora: Nissa.
Ela paira acima dela, garras prontas para derrubá-la.
É tão malditamente grande de perto. Nissa ergue o cajado em defesa e se prepara para o impacto.
Novamente, ele não vem.
Uma figura solitária e ardente fica no caminho. Chandra.
Internamente, Nissa amaldiçoa a habilidade dos planinautas de aparecer exatamente onde há problemas. Chandra ergueu uma barreira de fogo entre elas e a criatura. A besta cambaleia para trás e para frente, tentando alcançar a presa que encurralou há apenas um segundo.
Agora, ela está lançando bolas de fogo na criatura, que está ficando cada vez mais agitada. Ela treme, e faíscas estáticas saem de seu pelo. Ela orienta Nissa: “Eu assumo daqui! Volte para a aldeia!”
Mas foi Nissa quem convocou a criatura. Foi ela quem a trouxe até aqui, e não Chandra. Esta é a sua luta, e Chandra não pode deixá-la ter nem isso. Seu cajado irradia com luz verde. Centenas de gavinhas espinhosas surgem do chão. Uma delas quase acerta o rosto de Chandra.
“Ei! Cuidado!” grita a piromante.
As gavinhas chicoteiam a besta. Ela ruge contra cada golpe doloroso. Uma delas encosta em uma bola de fogo e se inflama. A besta geme ligeiramente, afastando-se do chicote em chamas. Nissa assiste Chandra aumentando o calor. Ela range os dentes enquanto vê cada vinha que conjurou se desintegrar em uma explosão de chamas. Parecia que ela não tinha feito nada. O suor forma em sua testa enquanto ela procura na paisagem por seu próximo movimento.
Os olhos dela passam pelo baobá. O baobá! Seus troncos espessos resistem ao fogo e a árvore maciça seria uma aliada forte se ela pudesse animá-la. Ela estende sua magia em direção à árvore, persuadindo cada galho à vida. Mas ela não está convocando um elemental que anda por conta própria, ela deve se concentrar com todo o seu esforço, desejar que se mova, controlar cada ação. Sua respiração está ofegante. Suas palmas trêmulas suam sob as luvas.
Caule por caule, raiz por raiz, ela o força a sair do chão. Ela lhe dá um empurrão final, lançando-o contra a besta. Ele atinge a criatura de lado, derrubando-a na grama. Cansada como está, Nissa ainda saboreia a sensação fugaz da vitória.
Porque Chandra toma isso como sua deixa. “Obrigada!” ela sorri. Ela queima ainda mais quente. Muito quente. Ela envolve a besta e a árvore em um anel de chamas tão alto quanto um elefante.
Nissa cheira fumaça e percebe que a grama seca está começando a pegar fogo. “Chandra, pare!”
A piromante parece não ouvi-la ou não se importar. Ela aperta seu círculo, mais perto da criatura que percorre a borda, entrando em pânico enquanto as chamas se fecham. Ela se levanta, garras e dentes se debatendo, e destrói o baobá em pedaços. A água dentro da árvore evapora imediatamente ao contato com a chama superaquecida de Chandra, transformando-se em vapor branco.
Nem Nissa nem Chandra poderiam prever o próximo movimento da criatura. Ela inala. Com uma respiração profunda, a fera da tempestade suga o vapor quente do céu. A umidade adicional a faz dobrar de tamanho. Mais do que dobrar. Agora colossal, ela afasta os pedaços da árvore quebrada como brinquedos. Os destroços em chamas incendeiam a grama onde caem.
Ela se eleva sobre as duas.
Elas correm, mas cada passo que a criatura dá equivale a vinte delas. Em breve, elas se encontram diretamente sob sua forma maciça. Ela se prepara para um ataque.
“Cuidado!” Chandra empurra Nissa para fora do caminho de suas mandíbulas, fazendo-as cair no buraco deixado pelo baobá arrancado.
Quando a tontura da queda desaparece, Nissa olha para cima. A fera está arranhando, roendo a abertura, mas a lacuna é muito estreita para seu corpo enorme. Elas estão seguras, mas por quanto tempo?
“Aaaaaaaaaffffff!” O cabelo aceso de Chandra brilha de frustração. Ela aponta suas mãos na direção da criatura, outra explosão se carregando em sua palma aberta.
A fera as prendeu. Toda a savana vai queimar. “Pare!” Frustração e solidão enchem os pulmões de Nissa, emergindo em um uivo. “Deixe que eu me salve, pelo menos uma vez!”
A luz se apaga nas mãos de Chandra. “O quê?”
O coração de Nissa está tremendo, mas desta vez, não de exaustão. Ela usa toda a energia que lhe resta para transformar seus pensamentos, seus arrependimentos, suas preocupações, em palavras. “Você me fez uma promessa, Chandra, e ainda assim partiu. Você acha,” ela diz, com a voz falhando, “que porque eu não tenho mais uma centelha, estou feliz em vê-la correndo pelo Multiverso como se nada tivesse mudado? Que eu estou feliz apenas esperando você voltar?”
As chamas no cabelo de Chandra se apagam, voltando a um vermelho quente e natural.
Nissa engasga ao falar. “Se é assim que vai ser, você não precisa voltar. Vou cuidar de mim mesma.”
Chandra pausa, pensando no que dizer, e baixa a cabeça. Sua voz é suave quando responde: “Não. Eu conheço você. Bem, conhecia. Acho que as coisas mudaram. E ainda estão mudando.” Ela levanta seus olhos quentes para encontrar os de Nissa. “Mas eu ainda quero te conhecer.”
Chandra pega as mãos de Nissa nas suas, e o coração de Nissa salta para a garganta.
“Nissa, eu sinto muito, muito, muito, muito. Com ou sem centelha, você é uma lutadora incrível e uma pessoa ainda melhor, e sinto muito por ter ignorado isso.”
Mas a alma de Nissa ainda dói. Ela não está pronta para perdoar ainda.
Naquele momento, fogo e sujeira começam a cair em suas cabeças. Incapaz de alcançá-las, a besta elétrica decidiu sufocá-las. “Talvez possamos detê-lo se trabalharmos juntas,” Nissa diz.
Chandra concorda. “Tudo bem, qual é o plano?”
O calor cresce no peito de Nissa por finalmente ser perguntada, mas sem sua magia mais forte, ela só pode responder: “Eu não sei.”
“Há algo que já fizemos antes?”
Nissa relembra. Anteriormente, a magia elemental vinha tão facilmente. Agora ela sabe que estava dando isso como garantido. Ela afasta uma chuva de sujeira de cima.
“Tem que haver algo,” Chandra instiga. “E quando canalizamos minha piromancia pelas linhas de força de Zendikar? Se vencemos um Eldrazi, funcionará aqui, certo?”
“Mas…” A admissão de Nissa vem como um sussurro: “Eu… eu… eu não consigo mais alcançar nenhuma linha de força.”
“O quê?”
Nissa balança a cabeça, tossindo por causa da nuvem de poeira que se forma ao redor delas. “Elas não vão me ouvir. Eu tentei. Muitas vezes. Mas quando chamo por elas, é como se minha voz não fosse minha. Como se pertencesse a Phyrexia, como se tudo a que já me conectei estivesse me sufocando.”
Desta vez, Chandra pausa. “Sabe de uma coisa,” ela conclui. “Você também tem boas conexões.”
“O que você quer dizer?”
“É verdade – você fez coisas ruins enquanto eles te controlavam. Mas todos com quem você se conectou ao longo dos anos com as Sentinelas, nós estamos felizes que você ainda esteja aqui com a gente…” Chandra coloca fogo em um pedaço de terra úmida que estava prestes a cair sobre Nissa, transformando-o em uma suave chuva de cinzas. “Comigo.”
Pela primeira vez desde que acordou em Zhalfir, Nissa sorri. Chandra, doce Chandra, mesmo que ela não perceba, sempre entendeu e explicou emoções melhor do que Nissa jamais conseguiria.
Chandra continua, “Suas conexões não estão afogando sua voz, Nissa. Elas estão se transformando em algo novo, talvez algo ainda mais poderoso. Vozes infinitas, possibilidades infinitas, certo?”
Possibilidades infinitas. Nissa estende a mão para Chandra. “Tudo bem, vamos tentar.”
Apertando os dedos de Chandra nos seus, Nissa fecha os olhos. Ela se recolhe para dentro de si e ouve sua voz interior. É difícil, muito mais difícil do que antes, mas Chandra está ajudando-a diligentemente a concentrar-se, explodindo as rochas que caem antes que possam atingi-la.
Nissa é recebida por um zumbido profundo em seus ouvidos, mas ela se recusa a desistir. Com suas conexões em mente, ela separa o estático das melodias únicas, as canções individuais que ela captou de todos os cantos do Multiverso. Ela as organiza, harmoniza e desta vez, quando ela chama por Zhalfir, sua voz é amplificada em coro. Ela pede desculpas.
O Plano responde. Ele também foi cortado de tudo o que conhecia, das conexões que havia feito. Também foi marcado por Phyrexia e está se transformando em algo novo. Ele a perdoa e Nissa finalmente pode se perdoar.
A magia inunda sua carne, seu sangue, seus ossos. Ela ouve Chandra rir, encantada com o sucesso delas.
Nissa usa o poder elemental para se conectar com a criatura. É um elemental, mas feito de uma energia desconhecida que nem Nissa nem Zhalfir reconhecem. Mas Nissa consegue sentir sua desorientação e confusão, preso em uma forma terrena pela magia desconhecida de Zhalfir e tentando desesperadamente retornar à energia pura que o criou. Parecido com Nissa. A resposta lhe ocorre.
“Vapor,” anuncia Nissa.
“Hã?”
“É um elemental da tempestade, uma criatura feita de magia. Mas é de outro plano, então está lutando para se conectar com o poder de Zhalfir. Acho que podemos fornecer a energia de que precisa se o aquecermos.”
Chandra pisca. “Calor? Isso eu posso fazer.”
Nissa permite que Zhalfir entre em sua mente e dirige seu poder para Chandra. Sua visão se torna verde cintilante, ofuscante. Mas mesmo que ela não possa ver, pode sentir a mão de Chandra na sua. Ela fica quente, mais quente, até que é insuportavelmente quente, mas Nissa não solta.
Magia do fogo, como um sol em miniatura, se concentra na mão livre de Chandra, tão brilhante que Nissa pode vê-la através do verde. Com sua conexão completa, Nissa vê o que Chandra vê, sente o que Chandra sente. Chandra aponta para cima, e uma coluna sólida de fogo acerta a criatura relampejante no rosto. Juntas, elas assistem a besta inspirar.
Ela ri. E quando a luz verde desaparece dos olhos de Nissa, ela vê Chandra, com cabelo em chamas e rindo também.
Chuva cai no deserto.
Uma a uma, gotas gordas do céu se juntam em um dilúvio. O dilúvio se torna uma inundação. A água enche a fenda em que estão presas, elevando-as. Em breve, estão flutuando juntas, observando a nuvem se afastar para revelar um céu claro e noturno. Chandra, com o cabelo ainda em chamas, parece uma lanterna na água.
Ela observa Nissa, recusando-se a desviar seus olhos calorosos da elfa por um segundo sequer. “O amor vem em muitas formas. Eu amei Gideon. Eu amei Jaya. Você me perguntou que tipo de amor eu tinha por você. Eu não sabia como dizer.”
O coração de Nissa bate mais rápido. “Então o que você diria agora?”
Instintivamente, Chandra tenta mover sua mão enquanto fala, criando respingos desajeitados ao seu redor. “Ainda é difícil de descrever. Quando te vi lá em Nova Phyrexia, percebi que queria te salvar mais do que queria salvar o mundo. Meu amor por você… É como quando você deixou as Sentinelas e depois voltou – não é perfeito o tempo todo, mas eu quero fazer o meu melhor.”
“Eu não entendo. Como o amor pode mudar?” Para Nissa, parecia uma emoção direta, com a mesma qualidade primal e imutável da magia.
Chandra olha para longe para esconder o rosto, mas Nissa pode perceber que suas bochechas estão tão quentes quanto suas chamas. “Às vezes, você se convence de que é melhor fazer o que é fácil, assumido, natural… porque é mais fácil do que enfrentar o desconhecido. Sob estresse, você se torna quem as pessoas esperam. Jogar aquela bola de fogo gigante em vez de pensar primeiro, sabe? Mas você viu além disso. Sempre. Você me fez melhor.”
Encorajada pela vulnerabilidade de Chandra, Nissa reúne sua própria honestidade. “Mas você me machucou. Eu não quero ser deixada sozinha novamente.”
“E eu sinto muito. Estou mais arrependida disso do que qualquer outra coisa que já fiz em toda a minha vida estúpida.” Chandra se vira para encará-la novamente, olhos brilhantes com uma nova promessa. “Quando fui procurar Ajani, percebi que ele não quer ser encontrado. Ele voltará quando estiver pronto. Ainda estou frustrada, é claro, mas tenho que dar tempo e espaço a ele. Foi aí que percebi que não posso simplesmente queimar qualquer relacionamento que me importo. O amor deixa espaço para a outra pessoa ser quem ela é. Eu tenho que deixar espaço para você também. Eu quero…”
“Como o fogo precisa de oxigênio…” Nissa faz sua última pergunta. “Você tem espaço para alguém que não pode caminhar entre planos?”
“Sim. Eu vou arranjar. Vou vacilar, vou ser tentada, mas vou conseguir. O fogo vai arder, não importa o que você faça, mas você pode moldá-lo se você tentar. E eu quero tentar. Por você.”
Nissa pensa por um momento. Por fim, ela assente. “Eu posso lidar com isso.”
Ela se inclina e coloca a mão no pescoço de Chandra, trazendo a piromante na sua direção. Seus olhos se encontram uma última vez antes de se fecharem, e Nissa puxa Chandra para um beijo.
A tempestade repentina havia causado uma enchente que deixou Teferi, Karn e Koth presos em uma caverna a algumas milhas da cidade. Eles não conseguiram voltar até a manhã seguinte, quando as águas recuaram. Nissa, Chandra e os aldeões os recebem de volta com cobertores, ensopado quente e sorrisos. Mais tarde, os amigos comemoram a vitória das duas. Dessa vez, Nissa se juntou a eles. Ela e Chandra dividem a manga mais doce que já provara.
Quando a última fogueira se apaga, Nissa pega na mão de Chandra e a leva até o topo da colina com vista para a vila. Ela acena para Wrenn antes de parar em frente ao portal.
“Aqui está,” ela faz um gesto, “o lugar de onde a criatura veio.”
Juntas, elas olham para a luz azulada que gira. Chandra pergunta: “Para onde vai?”
“Eu não sei”, Nissa admite. “Teferi, Koth e Karn também não sabiam. Mas quando eu escuto, escuto de verdade, acho que ainda posso ouvir Zendikar lá fora, estranha e distorcida, mas possivelmente ainda lá. Eu posso estar imaginando completamente, mas acho que arriscaria o desconhecido para ver meu lar novamente.”
Chandra concorda firmemente. “E eu estarei caminhando ao seu lado.”
Cada planinauta pode ir a qualquer lugar que desejar, mas Nissa reconhece que a necessidade de Chandra de vagar é mais profunda do que isso. É parte de quem ela é, e parte do que Nissa ama. Então Nissa oferece: “Talvez, depois disso, eu não me importaria de ver mais coisas. Desde que seja com você.”
Chandra sorri largamente. “Deixe-me ser sua tocha, então. Primeira parada: encontrar o caminho de volta para casa! Ei, podemos até conferir aquela floresta que você comentou há um tempo.”
Elas se movem em direção ao portal e colocam um pé no limiar. Nissa vacila e se vira para Chandra. Apenas por precaução, ela pergunta: “Você tem certeza de que quer se comprometer com um salto de fé?”
“Juntas? Claro que sim.”
De mãos dadas, Chandra e Nissa atravessam o portal para apenas uma das infinitas possibilidades.
Traduzido por Rissa Rodrigues
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