Mtg Lore

Compêndio da Lore de Magic the Gathering

A VINGANÇA DE AJANI

Ajani viajou recentemente ao plano de Theros procurando por sua amiga Elspeth Tirel. Juntos, eles viajaram para o reino dos deuses em Nyx em uma jornada para matar o novo deus sátiro que ascendeu, Xenagos. Eles foram bem sucedidos – mas houve um preço. O deus do sol, Heliode, matou Elspeth com sua própria arma, não restando mais desejo ou necessidade de um mortal destruidor de deuses.

Ajani viu Heliode matar Elspeth. Ele carregou o corpo de sua amiga de volta ao mundo mortal e assim sua alma pode viajar até o Submundo.

Ela se foi. Ele permanece. Mais uma vez, ele enfrenta a difícil e delicada questão feita por todos aqueles que perdem alguém querido:

E agora?

Ajani acordou, seu corpo inteiro entorpecido de dor. Sua vista turva resumida em vultos luminosos cintilando em fundo branco angular. Ele estava em uma tenda, durante a noite, e o toldo agitava-se contra a brisa.

Ele estreitou seus olhos e farejou. O cheiro de uma mistura de ervas agarrava-se a sua pele, sem dúvidas graças a um curandeiro que o atendeu durante seu sono. Ele testou um tornozelo, uma perna, um pulso, um cotovelo, e uma garra. Tudo parecia funcionar.

Ele levantou sua cabeça e olhou ao redor da tenda. Ele havia sido deitado em uma cama que ocupava o centro da tenda. O manto de Elspeth jazia em uma mesa de madeira próxima, dobrado ordenadamente próxima a uma garrafa de barro. Estava puramente branca novamente, todo o sangue havia sido limpado, como se nada tivesse acontecido. Próximo a ele, empoleirado em um banquinho dobrável, estava um velho homem de cabelos brancos cujo pescoço e a parte inferior do rosto estavam cobertos de dilaceradas cicatrizes de queimaduras.

“Lanathos,” Ajani rosnou.

O velho deformado sorriu. “Saudações, caro visitante.”

Ajani manteve seu rosto impassível.

O sorriso do homem se desfez. “Você retornou sozinho.”

O rosto de Ajani abateu-se.

O homem se inclinou para a frente. “Sua viagem foi tão problemática? O curandeiro disse que você estará bem pela manhã.”

Ajani sentou-se na cama, elevando-se acima do pequeno humano velho. Sua cabeça latejava. “Não se trata de mim,” ele rosnou.

Lanathos levantou uma única sobrancelha. “Não?”

“A história de Elspeth acabou,” disse Ajani. “Não gostaria de ouvir como ela acabou?”

O velho coçou sua cicatriz. “Eu quero, mas talvez não agora.”

Ajani enrolou uma de suas tranças entre os dedos. “Estamos ambos aqui, não estamos?”

“Minha memória é excelente,” o homem disse. “Eu irei me lembrar de qualquer coisa que disser enquanto eu viver. Você tem certeza que você sabe como você quer que eu me lembre dela?”

Os ombros do leonino caíram. “Eu não tinha pensado nisso.”

O homem olhou para o manto dobrado, e então de volta a Ajani. “Se é uma história que você deseja contar, talvez devesse começar com você mesmo.”

Ajani levantou-se de sua cama, movendo um banquinho desocupado até o pequeno homem, sentando na cadeira improvisada, assomando-se sobre o velho. “Por que eu faria isso?”

“Seu pelo é de uma tonalidade diferente de tudo do que eu já vi entre esses leoninos. Seu sotaque também é diferente. Você me disse que veio de além das montanhas, e um pouco mais. Há uma história aqui, tenho certeza. Mas você parou de contá-la.” Ele olhou para cima, na direção de Ajani e o encarou de frente, desafiante. Entre dois leoninos, isso seria uma evidente provocação, e ele já deveria saber disso. “Você veio até mim procurando por uma amiga. Você a seguiu em uma jornada para matar um deus. Ela pereceu na tentativa, eu presumo, esse é o porque de você ter retornado sozinho. A história dela acabou. Quando a sua irá começar?”

A boca de Ajani se abriu. “Ela precisava da minha ajuda!”

O homem voltou a olhar para o limpo manto branco. “Você ajudou?”

Ajani ficou tenso, suas garras se estenderam. Sua visão alcançou os limites. “Talvez Brimaz te tolere, contador de histórias, mas ele não ficará satisfeito em ouvir que você perturbou um de seus convidados.”

O homem se pôs de pé. “Então eu concederei seu descanso,” ele disse, “mas não antes de te entregar uma mensagem em nome de sua majestade.” Ele quase cuspiu o título honorífico, já que Brimaz que não era conhecido pela sua formalidade. “Os Setessanos estão aqui, celebrando a vitória partilhada por humanos e leoninos. Anthousa não sabe que você voltou, e ela vai suspeitar do que aconteceu se descobrir que você está sozinho. Isso desanimará os espíritos na celebração, o que sua majestade considera inaceitável. Você deve ficar nesta tenda durante a noite.” Ele ergueu uma mão, indicando a mesa. “A garrafa contém uma bebida que o levará de volta ao sono durante a noite e entorpecerá a dor amanhã. Sua majestade irá encontrá-lo no ginásio pela manhã, após o café.”

Apelar para a autoridade de Brimaz havia sido um erro. Ajani dobrou suas orelhas para trás, permitindo que suas garras se retraíssem, e arrancando a garrafa da mesa. “Agora você é seu mensageiro?”

“Ele confia em mim. Você deveria fazer o mesmo se quiser que o mundo se lembre da sua amiga.” Ele sorriu, embora devido ao seu rosto retorcido Ajani não poderia dizer se era um genuíno sorriso humano ou não. “Descanse bem, caro visitante,” disse o homem, e então se virou e saiu.

Ajani cheirou a garrafa. Era aromática, terrosa, e apenas um pouco desagradável. Ele bebeu seu conteúdo, voltou a deitar na cama, e fechou seu olho.

Ele acordou com a luz do sol que se esgueirava pelo teto da barraca, e com o cheiro de carne grelhada e pão. Este último veio de uma bandeja de comida que alguém havia deixado na mesa, próximo ao manto dobrado. Ele pulou da cama e puxou um banquinho próximo a mesa, seu estômago roncava. A carne foi bem temperada e o pão estava quente, embora estivesse um pouco mais aerado do que ele preferia.

Um momento após ele terminar de comer, uma jovem leonina fêmea com pele cinza adentrou na tenda. Era Seza, que o havia encontrado na selva, quando ele havia chegado.

“Bom dia,” disse Seza radiante.

Garra-veloz de Oreskos | Arte de James Ryman

“Para você também,” disse Ajani com um sorriso. Ele balançou sua cabeça em direção à bandeja vazia. “Obrigado pelo café da manhã.”

Ela acenou em resposta, sorrindo, mas então seu rosto endureceu. “É para você encontrar Brimaz nos exercícios matutinos. Eu irei levá-lo até ele.”

“Você e Lanathos têm sido muito formais.” Ajani levantou sua sobrancelha.

Ela olhou ao redor furtivamente, então falou de novo, agora muito mais serena. “Brimaz considera você um grande amigo, mas sua situação aqui piorou. Nós podemos ter derrotado o exército dos nascidos em Nyx com os Setessanos, mas isso nos custou muitos soldados, e nem todo mundo concorda com a decisão do rei de marchar com humanos. A facção separatista de Pyxathor era pequena antes, mas ele se manteve bastante ativo desde quando nós retornamos a Tethmos, e sua influência aumentou. Essa é a primeira vez que Brimaz irá te ver desde a batalha. Os homens de Pyxathor estarão olhando.”

Ajani suavizou-se. “Entendo.”

“Uns poucos dos meus amigos começaram a dar ouvidos a ele, e eu tenho tentado trazê-los de volta. Mas eu terei que tratá-lo de forma fria assim que estivermos fora desta tenda, ou eles suspeitarão de sua influência.” Ela olhou para o chão. “Me desculpe.”

“Todos nós abrimos mão de coisas pelas nossas causas, não é?” Ele sorriu.

Ela acenou. “Vamos?”

Eles saíram da tenda, e ela o guiou pela movimentada cidade por alguns minutos, levando-o até uma parede de cortinas. Ela puxou um dos lados, e fez um gesto para Ajani entrar.

O ginásio em si era algo menos grandioso do que Ajani esperava. Os humanos aqui frequentemente construíam estruturas complexas para se exercitarem. Este ginásio era pouco mais que uma área coberta por cortinas que continha gôndolas de peso e prateleiras de armas, mas isso ainda era mais do que ele teria sido capaz de encontrar em Naya. E no centro disso tudo estava Brimaz, alto e forte com sua cicatriz cruzada em seu peito despido, à luz da manhã. Ele não estava usando sua coroa, mas seu comportamento e o suporte que os outros leoninos davam a ele deixavam sua posição bem clara.

Brimaz, Rei de Oreskos | Arte de Peter Mohrbacher

Seza parou dentro da parte coberta pelas cortinas. “Brimaz o aguarda.”

“Obrigado,” disse Ajani, e então entrou. Pyxathor estava de pé do outro lado do ginásio com os braços cruzados. Lá haviam muitos outros leoninos presentes, muitos da própria guarda pessoal de Brimaz, e seus olhares alternavam entre Pyxathor e o Rei.

Ajani caminhou até o centro, e Brimaz acenou para ele. “Eu queria lhe agradecer pelo seu conselho,” ele disse. “Meu exército lutou ao lado dos Setessanos, e nós acabamos com a investida dos nascidos em Nyx. Na noite passada celebramos a vitória juntos, humanos e leoninos, compartilhando taças. Eu acho que nós fizemos algum progresso em direção a uma paz duradoura.” A voz do rei possuía um novo tom adquirido recentemente, e o discurso claramente não era em benefício de Ajani.

Ajani acenou com seu melhor aceno sábio. “Isso é excelente.”

Brimaz o olhou no rosto. “Você sempre me disse que você é de muito longe.”

Ajani considerou seus arredores. Cada outro leonino estavam os observando agora. Este não era o lugar para explicar, mesmo se ele pensasse que pudesse.

“Isso é verdade,” ele disse.

Ajani esperou por alguma outra pergunta, mas nenhuma veio. Brimaz virou de costas para Ajani em direção a uma prateleira de armas próximas, onde descansava um escudo de madeira e muitas armas de madeiras. O rei passou um braço pela correia de couro do escudo, pegou uma espada com o outro, e se virou para Ajani. “Talvez você devesse escolher suas armas.”

A cauda de Ajani se tensionou. “Nós vamos lutar?”

“Sua pelagem é branca. Não possui o mesmo sotaque que nós. Você não entende os contos do campeão. Você não é um de nós, e escolheu não me contar nada. Mas você é claramente um guerreiro capaz, e estou precisando de um parceiro de treino.” Brimaz continuou encarando Ajani, desafiadoramente.

“Eu não quero lutar com ninguém,” Ajani disse, evitando seu olhar.

“Depois de todos os problemas pelos quais passei para chegar a essa conclusão?” Brimaz estendeu uma garra a um machado de mão única e a uma espada na mesma prateleira, cada uma com lâminas de madeira – cada uma feita exatamente no estilo de armas que Ajani se tornou acostumado a carregar.

Ajani suspirou. Ele se curvou até a prateleira e ergueu o machado em sua mão direita e a espada na esquerda. Eles foram bem feitos, com um ótimo peso e equilíbrio. Por um momento, ele ansiou por seu machado de duas lâminas, mais familiar a ele. Tal arma teria marcado-o mais ainda como um forasteiro, mas talvez isso não fosse tão importante agora.

O rei o levou para um espaço aberto nas proximidades. “Elas são suficientes?” ele perguntou, apoiando seu escudo redondo em seu joelho esquerdo estendido.

Ajani assentiu.

E com isso, o rei caiu sobre ele. Ajani recuou, mas o alto leonino era muito rápido. Ajani cortou com sua espada pelo lado direito de Brimaz, mas o escudo do rei estalou em um bloqueio com uma velocidade de relâmpago. Ajani desviou para a direita e girou seu machado, mas Brimaz estava muito próximo, e apenas o cabo fez contato com o ombro do rei antes de Brimaz empurrar a ponta de sua espada de madeira contra a garganta de Ajani.

Ajani congelou, Brimaz balançou a cabeça, e se afastou. “De novo.”

Brimaz foi mais uma vez o primeiro a se mover. Ajani deixou cair seu braço esquerdo para estocar sua espada por baixo do escudo de Brimaz. No último momento, Brimaz desviou para a esquerda – o lado cego de Ajani. A estocada de Ajani apenas atingiu o ar. Ele levantou seu machado em sua mão direita para bloquear um ataque em seu ponto cego assim que algo bateu no lado direito de seu pescoço.

O rosto de Ajani revelou sua frustração quando ele voltou ao ponto de partida. “Será que eles não ensinam o golpe giratório de onde você vem?” perguntou o rei. “Talvez as espadas não possuam dois gumes?”

Ajani rosnou e se firmou no lugar onde estava. O rosto de Brimaz permanecia impassível.

Brimaz veio diretamente a ele uma terceira vez, mas Ajani equiparou-se com sua aproximação. Brimaz levantou seu escudo para obstruir o machado de Ajani em seu lado direito, e Ajani ouviu mas não pôde ver suas espadas colidindo à sua esquerda. Brimaz jogou seu escudo para o lado direito da cabeça de Ajani, empurrando seu machado mais ainda para fora de sua posição. O escudo na mão do rei se prendeu em uma das tranças de Ajani e o puxou para baixo. Ajani vacilou, e então Brimaz se lançou sobre ele novamente.

Ajani caiu no chão. No momento em que se recuperava, Brimaz apontou uma espada para sua garganta.

Brimaz colocou sua espada entre seu braço direito e seu corpo. “Você estava certo,” o rei disse, estendendo sua mão para ajudar Ajani a se levantar. “Você não quer lutar, e esse é seu problema.”

Ajani agarrou a mão estendida. “E isso é tão errado assim?”

Brimaz puxou Ajani um pouco mais perto do que a distância que estavam falando. “Tudo aqui é uma luta, Ajani. Eu lutei para fazer meus soldados marcharem ao lado de humanos. Eu lutei para manter a ordem quando nossos exércitos misturados encararam os nascidos em nyx. Agora estamos de volta, e eu devo lutar com aqueles do meu próprio povo que preferem viver isolados de qualquer outra civilização. Eu estou feliz de tê-lo aqui, mas eu preciso que você lute por algo, ou sua presença apenas tornará minha luta mais difícil.”

“O que posso fazer?”

Brimaz se virou um pouco, e olhou para os outros leoninos. Eles estavam observando, e ouvindo, embora agora apenas pelos cantos dos olhos e orelhas. “Eles não confiam em você por que não sabem quem você é,” Brimaz sussurrou. “Eles precisam de respostas antes que você possa ser realmente considerado um de nós.” Ele se virou novamente para ficar de frente com Ajani. “Eu estarei ocupado por um tempo com os Setessanos. A próxima vez que conversarmos, eu irei perguntar a você qual papel você deseja desempenhar em minha cidade.”

Ajani acenou. “Sim, sua majestade.”

Brimaz sorriu, finalmente, pelo menos um pouco. “Você sabe que não ostento títulos entre meus amigos.”

“Então ainda somos amigos?”

A alusão de sorriso desapareceu, e Brimaz olhou de relance para Pyxathor. “Pessoalmente, nós sempre seremos amigos, mas muito pouco da minha vida é pessoal nesses dias.”

“Eu entendo.”

“Foi bom ver você.”

Ajani acenou. Brimaz se virou para pendurar suas armas. Ajani colocou as suas na prateleira próxima, e saiu do ginásio.

Ele vagou pelas ruas na maior parte da manhã, um fantasma forrado de peles brancas entre os leoninos mais escuros de Tethmos. Ele sempre podia ir embora, claro. Existem muitos planos, cada um cheio de paisagens e sons, alguns que até possuíam outros leoninos para ele conviver. Mas Brimaz estava certo. Ele não queria lutar, mesmo quando havia muitas coisas pelas quais lutar. O direito de Oreskos de existir em paz era uma delas, apesar de ser apropriadamente mais a luta de Brimaz. Elspeth desejava punir Xenagos pelo modo como sua ambição havia afetado tantos neste plano, mas essa também não era a real luta de Ajani. Talvez ele devesse encontrar a sua própria.

Então Ajani se lembrou da imagem de Heliode golpeando Elspeth, e o deus sorriu, um selvagem e maldoso sorriso. Ele voltou para sua tenda, recolheu seus pertences, prendeu o manto de Elspeth ao redor de seus ombros, e partiu pela estrada de Meletis.

Enquanto viajava, ele ponderou sobre a natureza dos deuses. Xenagos demonstrou que poderia se tornar um deus em Theros se ele pudesse convencer criaturas sensíveis o suficiente a acreditar. Ficou claro que Heliode não era, rigorosamente falando, uma força para o bem, e mesmo assim em algum ponto muitas pessoas escolheram acreditar nele. O que aconteceria se muitas pessoas escolhessem parar?

A viagem foi longa, e era um alívio ver os muros e construções reluzentes de Meletis à distância quando a noite começava a cair. Ele se aproximou dos portões com orelhas retesadas e um comportamento penitente, na esperança de parecer dócil. A postura dos dois guardas mudaram de alerta para alarmados curiosos quando o viram se aproximar, e Ajani reprimiu um sorriso de satisfação.

“Eu procuro pelo templo de Heliode,” ele disse calmamente aos guardas quando chegou ao portão. Um deles parecia suspeitar, mas o outro estava disposto a fornecê-lo a direção, apesar de falar com Ajani do mesmo modo que se estivesse falando com um gato de estimação. Após vinte minutos navegando pelas ruas de Meletis e entre os olhares de seus humanos ocupantes, Ajani se encontrou na base das escadas do lado de fora do maior templo de Heliode em toda Theros.

Templo da Iluminação | Arte de Svetlin Velinov

Ajani subiu as escadas e entrou no prédio. Lá dentro, era civilizado e perfeito, cada ângulo entre as imaculadas paredes de mármore exatamente trabalhado, uma luz brilhante sem ponto de emanação impregnava tudo no interior do edifício. Ajani era o único leonino lá dentro; os outros suplicantes, talvez oitenta no total, eram todos humanos, e suas orgânicas e arredondadas formas, pareciam deslocadas em meio aos ângulos perfeitos do templo.

Muitos deles o encaravam abertamente – alguns para o seu corpo, mas muitos mais para suas armas. Ele olhou para sua esquerda; havia uma brilhante e dourada prateleira, na qual um punhado de espadas e punhais haviam sido colocadas. Ajani retesou suas orelhas e colocou seu machado e sua espada na parte inferior da armação.

Muito da atenção havia se dispersado, e uma jovem mulher vestida como uma serva do templo se aproximou. “Nós não costumamos ter muitos convidados leoninos,” ela disse brandamente, sua pele escura e seu cabelo brilhante sob a luz celeste.

Ele olhou para ela fixamente, se equiparando ao volume dela. “Eu acabei concluindo que apenas Heliode pode responder as perguntas que tenho.”

Seu rosto suavizou-se. “Devoção aos deuses é raro entre os da sua espécie.”

“Eu tive experiências únicas com ele,” ele disse, mantendo seu rosto calmo.

“Como assim?”

Ajani ergueu-se um pouco mais alto. “Eu estava presente,” ele disse, com sua voz alta o suficiente para chamar um pouco a atenção, “quando o deus deste templo ceifou uma mulher que tinha sido sua Campeã e minha amiga.”

A serva enrijeceu-se. O homem e a mulher próximos fizeram uma pausa, e começaram a escutar. “Como você sabe que foi Heliode quem fez isso?”

Ajani ergueu sua sobrancelha. Ele ergueu a voz mais uma vez, mas manteve o tom suave. “Sua auréola dourada é bastante distinta.”

Os olhos da mulher se desviaram por um momento antes de ela se recuperar. “E que questões você possui para o nosso divino patrono?”

“Esta minha amiga,” disse Ajani, passando por ela e se projetando alto o suficiente para todos ouvirem, “consentiu em se tornar uma Campeã de Heliod. Para fazer sua vontade, para realizar grandes feitos em seu nome, para manter a salvo aqueles de nós que podem apenas rezar aos deuses pela nossa segurança.” Ele queria cuspir a última parte, mas ao invés manteve sua voz a mesma, interpretando a imagem de uma ingenuidade provinciana. “Eu assumi que ela seria recompensada pelo seu serviço. Que ela seria agradecida, enaltecida, entregue a ela uma recompensa apropriada pela posição que ela havia aceitado. E ao invés disso ela foi golpeada. O que eu deveria pensar de um deus que trata uma suplicante leal com tal ingratidão?”

Nem todos estavam observando agora, mas eles estavam ouvindo.

Um jovem garoto se aproximou, não possuindo mais do que seus quatorze anos, com olhos azuis que desapareciam na brancura leitosa enquanto caminhava. “O que um deus pensa de um campeão que excede sua posição?” Sua voz ecoou com uma profundidade sobrenatural, e os homens e mulheres que o cercavam todos caíram de joelhos.

Ajani nem sequer inclinou sua cabeça.

“Você veio semear a discórdia no templo de Heliode.” A voz retumbante do menino sacudiu os ossos de Ajani.

“Eu vim para fazer a Heliode uma pergunta.”

O oráculo estreitou seus olhos. “Este lugar é para aqueles que respeitam o poder divino de Heliode. Se você não conta como um de seus fiéis, você deve sair.”

Ajani deu um passo a frente, sentindo-se mais ousado agora. “Eu acredito que Heliode é um deus. Eu acredito que as pessoas deste templo o veneram pelo seu poder divino. Eu acredito que não faz muito tempo que todos os seus sacerdotes foram expulsos deste mesmo templo, forçados a fugir pelas suas vidas. E eu acredito que ele matou sua Campeã a sangue frio.”

“Ela também matou um de sua espécie.” A voz era ensurdecedora, e Ajani virou suas orelhas para longe dela. “Os mortais ‘deste lugar’ possuem um lugar, e ela não consentiu em permanecer dentro dele.”

Fogo queimava na barriga de Ajani. “Eu vi o que acontece aos mortais que permanecem nos locais que seus deuses atribuem a eles. Quando os sacerdotes deste templo foram espalhados aos quatro ventos, eu conheci um deles, Stelanos, na estrada. Ele era um cego e débil miserável. Ele até mesmo se recusou a nos deixar enterrar os mortos ao seu redor. ‘Deixe-nos como um aviso aos outros,’ ele disse. ‘Os deuses nos esqueceram.’ Ele bebeu da erva moura para acabar com seu sofrimento.”

O garoto cruzou seus braços. “Se você continuar a disseminar desordem no templo de Heliode, você terá o mesmo final que Elspeth teve.”

Ajani sorriu um sorriso sem alegria. “Então eu não vou disseminar a desordem aqui.”

O menino franziu o cenho e fez um gesto em direção a entrada do templo.

Ajani se virou, pegou seu machado da estante próxima a porta, e caminhou para fora, no crepúsculo. Todos os humanos o encaravam por trás enquanto ele caminhava, mas agora, talvez, nem todos os olhares eram hostis.

Ele tomou seu rumo até a beirada do complexo do templo, e descobriu que alguns poucos dos suplicantes o estavam seguindo. Na borda do complexo, ele se virou para olhá-los.

“Você disse que Heliode matou seu próprio campeão?” perguntou uma adolescente. “Seu sacerdote, foi deixado débil e cego na estrada?” disse um velho.

Ele caminhava com eles, e contou o que havia visto em Nyx, do ato de morte vingativa de Heliode, da verdadeira natureza dos deuses.

“Eles são como uma grande chama,” ele disse, abrangendo uma pequena multidão quando fez uma pausa em uma das praças públicas de Meletis. “Antes da fagulha, não há nada. Após a fagulha, há luz, calor e destruição. Mas sem esses que acreditam, não há nada para o fogo queimar. E se Heliode trata seus campeões e seus oráculos como um pouco mais do que combustível para sua chama, que esperanças possuem aqueles de nós que não podem ouvir sua voz como eles?”

Uma mulher que parecia cética deu um passo a frente. “Você não pode apagar um deus como uma fogueira.”

Ajani a olhou com uma bondade severa. “Um fogo sem nada para consumir morrerá, não importando quão grande ele se tornou.”

Ele coçou seu queixo, e desapareceu entre a multidão. Outro deu um passo à frente. Um velho desta vez. “Você parece pensar que nós que criamos os deuses. O que deveríamos criar no lugar?”

“Criem algo para vocês!” Ajani quase rugiu. “Uma família, um lar, uma vida. Amigos, conhecidos e felicidade. Algo que seja de vocês, não algo distante de vocês que possa destruir tudo que prezam em um capricho.”

Houve muitos acenos enquanto a multidão se dispersava, muitos de seus integrantes conversando entre eles. Eles falavam de suas ambições, suas famílias, as coisas que amavam, e como eles poderiam melhorar suas próprias vidas. Um falou em como os deuses o haviam ajudado. Raramente, ele disse, e não muitas vezes. Aqueles ao redor dele concordaram.

Uma mulher permaneceu com ele. “Você disse umas coisas interessantes, e eu gostaria de ouvir mais sobre elas. Você tem um lugar para ficar?”

Ajani sorriu, e sacudiu a cabeça. “Eu não tinha antes.”

Ele permaneceu na cidade por vários dias, espalhando sua mensagem, subsistindo apenas da bondade e simpatia daqueles que achavam suas palavras inspiradoras. Ele muitas vezes dormia nas casas daqueles que deram ouvidos a ele. Duas vezes ele dormiu nas ruas, mas cada vez o manto de Elspeth foi o suficiente para mantê-lo aquecido à noite. Ele encontrou muitos que rejeitaram suas ideias, mas alguns poucos mais a cada dia pareciam simpatizar, e talvez esses poucos retornassem às suas vidas com novas ideias sobre as forças divinas que vivem nos céus de Theros.

Filósofo Viajante | Arte de James Ryman

Em seu nono dia na cidade, enquanto comprava seu café da manhã de um vendedor de rua com moedas dadas pelo seu anfitrião na noite anterior, ele ouviu uma humana discursando alto em uma esquina próxima. “Os deuses nos traíram,” ela bradava, “e mesmo assim nós os alimentamos com nossa fé!” Ela conseguiu reunir uma pequena multidão, e embora não fosse nem eloquente nem tão amável quanto Ajani era, estava claro que a mensagem começou a se espalhar. Era hora de ir para casa.

A jornada de Meletis de volta a Oreskos era longa, mas Ajani não se importava. Ele precisava do tempo para pensar em um monumento digno para Elspeth. Uma história que iria se espalhar por toda parte. Uma história sobre uma mortal digna, comum no nascimento mas grande em suas façanhas. Uma história que inspiraria leoninos e humanos ao mesmo tempo para olharem as estrelas e dizerem não, eu não doarei minhas forças a esses caprichosos e insensíveis deuses. Uma história que, algum dia, balançaria a fundação de Nyx.

Logo, Ajani pensou quando viu o sol se pondo por trás dos portões de Tethmos, nenhum leonino pensaria na história da Campeã da mesma forma. Levaria tempo para essa versão da história alcançar os humanos, mas histórias sempre possuem uma forma de se espalhar.

Dois leoninos armados guardavam os portões. Um deles deu um passo à frente quando Ajani se aproximou. “Você é Ajani, certo?”

Ajani acenou.

“Brimaz deseja falar com você. Eu irei levá-lo a ele.”

O guarda o levou pela cidade que escurecia até o salão do rei. Um grande fogo queimava no centro, rodeado por muitos leoninos e um único velho desfigurado. Quando Ajani adentrou o salão, Brimaz se levantou. Todos os olhos se voltaram para Ajani, e os burburinhos cessaram. Apenas o crepitar do fogo se ouvia.

Brimaz falou. “É bom ver você de novo.”

Ajani deu um passo a frente. “Estou pronto para contar minha história.”

Ajani Resoluto | Arte de Chris Rahn

Brimaz sorriu, e se sentou. A roda ao redor do fogo se expandiu, deixando um espaço para Ajani.

Ele permaneceu exatamente fora do espaço. “Muitos de vocês perguntaram de onde eu venho,” ele disse, e sua voz ecoava pelo salão. “Eu viajei muito para estar aqui, e nenhum de vocês sequer ouviu falar do meu lar. Eu era jovem quando parti, e tenho viajado muito desde então. Eu sou, sinceramente, de lugar nenhum.”

Pyxathor, sentado nas proximidades, bufou; alguns outros pareciam céticos. Lanathos coçava sua cicatriz queimada em seu queixo, ponderando.

“Eu conheci a senhora Elspeth muitos anos atrás durante minhas viagens, e foi ela quem eu segui até aqui. Ela era uma grande guerreira. Ela tomou o manto de Heliode, se tornando sua Campeã. Xenagos, recém ascendido à divindade, errado em sua grandiosidade, e ela resolveu puni-lo por sua arrogância. Eu escolhi ir com ela. Ela nos levou até Nyx, a terra dos deuses. Ela finalizou um trabalho para Érebo, que nos permitiu passar para os domínios de Xenagos. Ela o derrotou com uma lança abençoada com o poder de Heliode. E Heliode, enfurecido pela morte de um deus, mesmo um que havia usurpado a ordem natural para alcançar a divindade, matou a mulher que foi sua Campeã a sangue frio, enquanto eu assistia.”

Muitos dos leoninos ao redor do círculo murmuraram entre si.

“Muitos de nós não pensam muito sobre os deuses, mas eles são muito reais. Apesar, de serem nossas próprias criações. Eles surgiram quando os primeiros crentes afirmaram suas existências, e desde então, eles têm apenas crescido em poder.” Ajani analisou o círculo de leoninos, que agora estavam arrebatados com atenção. “Thassa vive nas profundezas, alheia aos barcos, vidas e famílias que seus animais de estimação destroem. Érebo guarda zelosamente aqueles que se encontram em seu reino e permite que apenas patéticas escórias entre eles escapem de seu alcance. Heliode é uma criatura mesquinha e infantil, e mesmo assim ele é quem nós permitimos liderar o panteão de nossas próprias criações. Nós podemos fazer melhor.”

“Eu passei vários dias em Meletis espalhando esta mensagem. Que os deuses são nossas criações, um fogo criado por uma faísca de crença. Que seus poderes de consumir são apenas sustentados por nossas crenças. Que um fogo, privado de brasas, se extinguirá.”

Ajani sorriu levemente. “Como vocês tem observado, eu não sou realmente deste lugar, mas compartilho de suas frustrações com os deuses, e eu irei combatê-los da minha maneira. Se vocês não quiserem que eu fique, eu partirei, mas eu continuarei a espalhar minha mensagem para as outras pólis.”

E novamente, o único som no salão era o crepitar do fogo. O manto de Elspeth flutuava atrás de Ajani na suave brisa.

“Bem vindo ao lar,” disse Brimaz. Lanathos sorriu. Muitos dos leoninos assentiram, Pyxathor entre eles.

Ajani entrou no círculo e se sentou.

Traduzido por Magic the Gathering History
Revisado por Blackanof

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