Mtg Lore

Compêndio da Lore de Magic the Gathering

A RESOLUÇÃO DE NISSA

Nissa progrediu muito desde que deixou Bala Ged, seu continente natal, em sua juventude. Apesar de ter cometido muitos erros no passado, desde que criou uma ligação com a alma de Zendikar, aprendera a suprimir seus instintos mais imprudentes. Ela não precisava acessar a essência selvagem dentro dela quando tinha a força e a confiança de um mundo inteiro ao seu lado. Mas quando sua ligação com Zendikar lhe foi arrancada, Nissa ficou sem o poder da terra e sem sua amiga Ashaya, a manifestação elemental da alma do mundo. Sem conseguir fazer sentido da sua perda, e temendo pelo futuro do mundo, Nissa percorreu o continente de Tazeem em busca de algum sinal de Zendikar, até que finalmente compreendeu – ela estava procurando no lugar errado esse tempo todo. Uma alma ameaçada pelos Eldrazi teria fugido, e havia apenas um lugar poderoso o suficiente para oferecer proteção a algo tão precioso: a poderosa flor conhecida como o Coração de Khalni. Sem hesitar, Nissa transplanou para o lugar onde diziam que a nova floração estava crescendo: Bala Ged. Era chegada a hora de ir para casa.

Por Zendikar.

Não do modo que Gideon queria dizer, não como o grito de guerra – mas pela parte mais profunda da terra, pela alma do mundo. Era por isso que Nissa estava fazendo isso. Ela se lembrou disso mais uma vez, e depois disse novamente a si mesma para abrir os olhos.

Em sua pressa ao transplanar para Bala Ged, Nissa não pensou no que encontraria quando chegasse – nada além do Coração de Khalni, onde ela estava convencida que a alma de Zendikar estaria esperando por ela.

Floresta Flagelada | Arte de Jason Felix

Mas a visão que a recebera – infinitamente branca, infinitamente corrompida – a fez fechar os olhos assim que chegou em seu continente natal.

É claro que Nissa sabia que seria assim. Bala Ged caíra nas mãos dos Eldrazi; todo mundo sabia disso. Mas toda vez que ouvia, não imaginava nada assim. Ela imaginara um terreno arruinado, grandes feixes de corrupção cálcica e árvores mortas. Mas aquilo era baseado no que vira em Tazeem – um continente em queda, e não um continente caído.

Nissa se convenceu a abrir os olhos.

Em Bala Ged não havia mais nada. Como era possível que tudo, mas tudo, poderia ser… vazio, branco, sumido?

Era impossível.

E ao mesmo tempo era real.

O terreno não estava arruinado; ele fora inteiramente ingerido.

Ruir em Pó | Arte de James Paick

Não havia árvores mortas. Não havia nem um vestígio de árvores mortas; a paisagem branca era inteiramente achatada e todas as árvores haviam desintegrado. Tudo desintegrara. E não haviam feixes de corrupção; a definição de “feixe” indicava que teria de haver feixes ou arabescos de outras coisas. E não havia nada aqui além de corrupção. Além do Coração de Khalni, lembrou-se ela; não havia nada aqui além do Coração de Khalni.

Se os rumores forem verdadeiros – e eles eram, tinham de ser -, o coração do poder de Zendikar tinha vindo para cá para reviver o terreno, florescendo em algum lugar do continente. Onde quer que fosse, era lá onde encontraria a alma da terra. Era para lá que Zendikar deve ter se retirado. Ela se ordenou a dar um passo para a frente, e depois outro, e mais outro. A corrupção cálcica estalava e triturava sob seus pés enquanto caminhava, e suas pegadas se tornaram a primeira variância do continente empoeirado desde que ele foi perdido.

Bem-vinda de volta, pensou, enquanto partia para atravessar o continente de Bala Ged.

Não parecia razoável que ela conseguisse reconhecer qualquer pedaço particular desses ermos uniformes – um dia inteiro de caminhada e parecia que ela tinha marchado no lugar, pois a paisagem não pareceu mudar. Mas Nissa sabia exatamente onde estava quando parou no meio do continente.

Seus pés pisaram ali por incontáveis vezes. Na verdade, havia uma época em sua vida em que pensava que esta seria a única terra que seus pés conheceriam. Ela imaginara que caminharia pelos mesmos caminhos, se reunindo em torno das mesmas fogueiras, coletando frutas das mesmas árvores, até que se tornasse uma anciã dos Joraga. Ali um dia fora seu vilarejo. Isso aqui tinha sido a jurworrel gigantesca, que mais parecia uma torre. E mais adiante ficava a tenda de estocagem onde os Joraga secavam suas carnes e frutas, além dos cogumelos mais macios da floresta. Lá ficava o maior dos fogos de chão, aquele onde eles queimavam as vinhas espinhosas da sarça-sangrenta no outono, enquanto o Chefe Numa guiava os cânticos.

Nissa podia ver tudo, sentir todos os aromas – até mesmo o do guisado da sua mãe. O aroma trouxe suas memórias à tona. Devia ser algo acolhedor de se lembrar, e desejava que fosse, mas toda vez que sua mãe fizera o guisado para ela, sua mente a levava àquela noite – à última noite, à única noite de que nunca queria se lembrar. Nissa despertara de uma visão com o cheiro do guisado… e com as vozes. Foram as vozes que a convenceram a partir. E ela partiu na calada da noite.

Nissa podia se ver esgueirando-se pelas sombras. Ela se virou para não ver o caminho, não ver a elfa que ela fora. Há muito tempo não pensava naquela elfa. Na verdade, ela fez o que pôde para se esquecer daquela elfa. A elfa que cometeu tantos erros – erros horrendos – depois de partir desse vilarejo. Erros que ainda a assombravam; erros que a assombrariam para sempre.

Arte de Izzy

Mas ela não era mais aquela elfa. E o único motivo para não ser mais aquela elfa era a alma de Zendikar. Era sua ligação com a terra que a mudara, e a salvara. Foi Zendikar quem a manteve concentrada, equilibrada e certeira. Zendikar foi quem a guiou. Ela precisava de Zendikar.

Naquele momento, Nissa notou que viera até Bala Ged para salvar a alma da terra, mas não apenas pelo terreno, pelo plano ou pelo povo, e não apenas por seu poder: veio até aqui para salvar a alma do mundo, porque assim salvaria a si mesma. Sem ela, Nissa seria a elfa que era quando esteve ali pela última vez – selvagem, imprudente, a caminho de passos em falso.

Ela não seria aquela elfa novamente; ela não podia. Não. Nissa jurou que não deixaria Bala Ged sem trazer Zendikar consigo.

Toda a distância que Nissa caminhara para longe do seu antigo vilarejo não parecia importar. Apesar de tentar empurrar as memórias para fora da sua mente, não conseguia impedir lampejos e recordações. Ela se sentia como se estivesse sendo perseguida por aquela elfa de pés macios e destemperada. Pior, sentia como se estivesse se fundindo com as memórias.

Tudo ficou familiar de repente. Mesmo que o terreno fosse uma massa monótona de corrupção branca, ela sabia exatamente qual caminho estaria cortando pelos Vales Emaranhados; caçara nesse lugar milhares de vezes. Ela sabia onde pisar para evitar as armadilhas que grupos de humanos deixavam para as gnarlids – e, então, fazia a volta em torno delas mesmo que não estivessem lá, mesmo que pedisse aos seus pés para não responderem às lembranças indesejáveis. Seus joelhos se prepararam por instinto para subir uma colina que não existia. E quando ela deu passos suficientes para ter chegado ao topo da colina, sua boca salivava e seu estômago roncava na espera de lanchar alguns dos cogumelos grossos que haviam lá em cima, como sempre fazia. E ao ouvir o ruído estridente de uma gomazoa, se abaixou para evitar ser pega – o fantasma de uma memória de um caçador mortal.

Gomazoa de Guarda | Arte de Rob Alexander

Ela a empurrou para fora da sua mente, mas o canto da criatura a seguiu, zombando de sua habilidade de separar a realidade das memórias indesejadas. Sua mão se moveu para a espada, por instinto. Elfa tola. Não havia nada lá – Nissa parou.

A coisa que ela vira no canto do seu olho não era uma memória. Também não era uma gomazoa. Mas era algo parecido: o Eldrazi de tamanho médio tinha tentáculos e um corpo macio e carnudo, igual ao predador do passado.

Nissa se lançou contra ele com a lâmina em riste, antes mesmo que sua mente consciente tivesse ordenado. Ela já tinha feito isso antes. Ali mesmo, naquele solo. Mais vezes do que conseguiria contar. Um corte pelo centro, e um segundo atravessando a frente. Ela cortou a monstruosidade em quatro com tanta rapidez, que o eco do seu grito agudo persistiu por uma batida de coração, mesmo após sua vida ter acabado.

Algo dentro de Nissa se mexeu. Ela ficou de pé, com a respiração pesada, sobre o corpo do Eldrazi. Parecia fazer mais de uma vida que não lutava daquele jeito. Ela se esquecera da emoção de empunhar seu sabre com tanta força e precisão.

Havia mais forças dentro dela. Mais poderes do que ela podia… não. Nissa engoliu em seco, forçando o fio que ameaçava se desenrolar dentro dela.

Ela não era mais aquela elfa. Isso aqui não era mais Bala Ged. E a coisa na sua frente não era uma gomazoa. Era um Eldrazi.

Ímpeto Gélido | Arte de Deruchenko Alexander

Era um Eldrazi!

Nissa nunca tinha ficado tão entusiasmada em ver uma dessas monstruosidades em sua vida – e nunca mais ficaria de novo -, mas agora, ali naquele continente perdido, só havia uma coisa que a presença desse Eldrazi significaria: vida.

Deve haver algo para que ele tenha vindo se alimentar. Tinha de haver, ou o Eldrazi não estaria aqui.

Nissa não sabia muito sobre essas monstruosidades de outro mundo que caíram sobre Zendikar; mas eles provaram ser inescrutáveis, na maioria das vezes. Mas de uma coisa ela sabia: eles tinham uma fome infindável, e estavam em um caminho sem fim de devorar e destruir. Eles só iam para onde havia algo para ingerir, e ingeriam vida.

Em algum lugar de Bala Ged havia vida.

O Coração de Khalni.

Tinha de ser o Coração de Khalni.

Seu coração batia forte contra as costelas, e seus olhos estavam fixos na trilha por onde o Eldrazi garatujara.

Esse tipo de trilha era fácil para Nissa – a elfa patrulheira que ela fora um dia já seguira trilhas de centenas de criaturas nesse mesmo solo. Apesar dos passos do Eldrazi não se destacarem na corrupção para olhos sem treinamento, Nissa via uma trilha brilhante como um farol. Ela a seguiu, ao longo de onde o Rio Umung passava pelos vales – e agora era apenas mais corrupção cálcica. Correu pelas Terras Selvagens Guum – ela nunca teria ousado correr com gosto e casualmente pelo que outrora fora a parte mais densa e venenosa dessa selva. E Nissa fez uma linha reta na direção das cavernas onde os surrakar costumavam fazer seus ninhos.

Ao notar que era para lá que estava indo, Nissa andou um pouco mais devagar. Um arrepio correu por sua espinha ao pensar nas bestas reptilianas e territoriais.

Saqueador de Surrakar | Arte de Kev Walker

Sua mente estava no profundo sistema de túneis que corriam sob Bala Ged. Será que eles foram corrompidos também? Será que os Eldrazi chegaram abaixo da superfície? Ou será que eles negligenciaram os túneis, deixando as coisas que viviam lá embaixo para sobreviver?

Nissa não sabia ao certo o que esperava. O que preferiria enfrentar: um bando de surrakars famintos ou mais terreno profanado?

Ela não tinha aquela resposta, pelo menos não uma resposta que queria admitir. Ainda por cima, não havia muito tempo para considerar: era na abertura parcialmente corrompida e desabada de um túnel de surrakar que a trilha do Eldrazi circundava – e ela viu os primeiros sinais de vida.

Um tapete delicado de musgo empalidecido, que parecia mal se segurar em vida, alinhava a abertura desmoronada.

Nissa caiu de joelhos e correu seus dedos pelo verde brotado. Era macio, frágil, e levemente quente.

Zendikar.

Seu espírito transbordava, e por impulso ela se estendeu pela terra, buscando algum sinal da alma do mundo – mas se retraindo na mesma velocidade, se retirando do vazio vasto e repleto de ecos. Este tinha de ser o lugar certo, mas, então, onde estaria Zendikar? Ela já não devia conseguir sentir o Coração de Khalni? Empurrando a dúvida e a preocupação da sua mente, Nissa afirmou para si mesma que era ali que deveria estar.

O filme verdejante e fino se estendia túnel adentro. Nissa não tinha certeza se era uma combinação da escuridão e das suas esperanças, ou se era mesmo verdade, mas parecia que o musgo engrossava e ficava mais robusto lá dentro. De qualquer modo, estava lá, como uma trilha que a levaria de volta para casa.

Seu corpo não se movia mais rápido do que sua saudade. Ela se esgueirou para dentro do túnel, descendo o mais rápido possível no espaço apertado. Seus olhos não a enganaram: quanto mais longe ia no túnel, mais grosso ficava o musgo, e ela o sentia em suas mãos e dedos – mais grosso, mas ao mesmo tempo mais ressecado? Outro vestígio de dúvida fazia cócegas incômodas em sua mente. Algo não estava certo. Ela se sentiu inquieta.

Ao continuar, seus sentidos foram se afiando, no alerta pelo desconhecido.

O túnel apertado se abriu e revelou uma caverna iluminada por um brilho azulado. Curioso. Nissa apertou os olhos para tentar ver mais à frente, e suas orelhas empinaram para um lado e para o outro. Mas ela não conseguia obter mais nenhuma pista do que seria aquela luz azul; e, então, adentrou a caverna com teto alto, ficando de pé.

Seu fôlego prendeu e sua mente girava, tentando juntar as peças do que ela estava vendo. A luz azul vinha de um círculo de edros interligados por uma rede entrelaçada de linhas de força brilhantes. As linhas de força estavam organizadas em um padrão que nunca vira antes – era antinatural.

Vinhas Reclamantes | Arte de Bastien L. Deharme

Por que isso estaria aqui? O que – ou quem – fez isso?

Não foi um surrakar. Ela tinha bastante certeza de que eles não tinham interesse em alinhar edros.

Um Eldrazi?

Sua pele se arrepiou; ela não podia mais impedir sua preocupação.

Nissa caminhou lentamente pelas sombras em torno do círculo, com olhos em patrulha e os pelos dos braços completamente de pé. Nada estava certo ali, nada estivera certo desde que entrara na caverna.

A força que se movera dentro dela quando matou o Eldrazi lá atrás fervilhou novamente. Nissa estava pronta para o que viesse – e deveria controlar essa força. Não era a hora agora; havia muito a arriscar. Ela se acalmou e virou sua atenção para os edros.

Cada edro estava apoiado pela base com um monte de solo que parecia ter sido amontoado intencionalmente com os dedos – ou garrar – de alguém (ou de algo).

Primeiro, parecia que o anel de edros estava completo, mas Nissa chegou em uma lacuna que parecia ter o tamanho exato de um edro.

E foi por aquela lacuna que Nissa o viu: o Coração de Khalni.

Zendikar.

Seu próprio coração pulou – e desabou na batida seguinte. A jovem flor estava deitada sobre um pedestal de pedra, com suas pétalas murchando para um dos lados e suas raízes, envoltas por pedaços de solo seco, dependuradas para o outro.

Ao ver as raízes expostas, uma memória lampejou pela mente dela. A dor, a sensação de algo sendo arrancado. De repente, ela se viu na cumeeira da beirada da Floresta de Matavasta, em Tazeem. Era como se sua ligação com Zendikar estivesse sendo partida novamente.

A alma de Zendikar não havia se retirado para o Coração de Khalni de livre e espontânea vontade; alguém fez isso com ela. Enquanto os Eldrazi eram uma praga sobre o mundo, alguém arrancara a alma da terra e a aprisionou ali para morrer. Quem poderia ser tão cruel?

Mais forte do que o choque que ameaçava paralisá-la, os instintos de Nissa guiaram suas ações. Suas pernas se moveram, carregando-a na direção da flor. Seus braços se estenderam para oferecer proteção. Mas antes que ela conseguisse adentrar a prisão de edros, uma lufada de vento soprou por sua pele e algo sólido e quente se chocou contra suas costelas. Ela voou pela caverna, derrapando pelo chão.

Respirando intensamente para reivindicar o fôlego que lhe fora arrancado, Nissa tentou se levantar em quatro apoios e foi golpeada de volta ao solo.

Ela rolou desajeitada pelo chão da caverna, e parou de barriga para cima – olhando nos olhos de um demônio.

Ob Nixilis Reaceso | Arte de Chris Rahn

“Por que você está aqui?” a voz grave do demônio era ressoante e vazia ao mesmo tempo, se é que isso era possível. Ele se assomava sobre ela; suas asas estavam abertas apenas pela metade, mas já preenchiam a largura da caverna e bloqueavam a prisão de edros e a flor do seu campo de visão. Havia espinhos longos e afiados por seus braços e pernas, e cinco chifres espessos contornavam sua cabeça. “Quem a enviou?”

Foi esse demônio que fez aquilo. Ao olhar para dentro dos seus olhos vermelhos e brilhantes, Nissa sabia, sem dúvida alguma. Foi ele quem arrancou as raízes de Zendikar. Ele roubou a amiga dela, causou uma dor incomensurável, feriu a alma do mundo. E por isso, Nissa o odiava.

“Responda!” disse o demônio, enfurecido. Veias de magia parecida com lava perpassavam seu tórax e seus braços. “Como você me encontrou?”

Ele falava como se lançasse dardos. Em um único movimento fluido, Nissa desembainhou sua espada – mas o demônio também era rápido. Ele fechou sua mão em torno do pulso dela e a torceu para trás, puxando seus dedos para ela largar sua arma.

Enquanto seu sabre caía ruidosamente na rocha, o demônio lançou o peso do seu corpo sobre o dela, forçando-a a se afastar e cair, como se ele quisesse enterrá-la ali mesmo, no chão. “Foi Nahiri?”

Nissa lutou contra o peso dele. Ele tinha quase três vezes o tamanho dela, então tinha uma vantagem física – ou ao menos ele acreditava nisso. Elfos eram uma das raças mais leves de Zendikar, mas uma elfa com prática conseguia derrubar qualquer uma das raças – ou criaturas – mais pesadas do mundo. E Nissa tinha, ou ao menos teve, prática. A elfa que fora antes, a que vivera aqui em Bala Ged, uma vez lutou contra um baloth espiculado e saiu vitoriosa.

Baloth Espiculado | Arte de Daarken

Este demônio não era diferente do baloth. Ele era uma criatura, um animal, e ela o derrubaria. Nissa mediu seus movimentos enquanto eles lutavam, e não demorou muito para que identificasse onde era o centro de gravidade dele. Quando o encontrou, ela o jogou contra ele, ganhando mais vantagem com cada movimento que fazia. Ao ter alavancagem suficiente, juntou os pés e o chutou no ponto certo do tórax para que ele se desequilibrasse para longe.

O demônio deu passos destrambelhados para trás, mas recuperou-se no ar, batendo suas poderosas asas de couro.

Ele fez menção de avançar sobre ela novamente, mas desta vez Nissa foi mais rápida; os movimentos instintivos do combate estavam voltando. Recuperando sua espada, ela estocou o sabre nele, que pegou de raspão na perna enquanto se esquivava.

Ele sangrou; seus olhos contraíram e ele berrou. Mas Nissa nem se retraiu.

O demônio flutuou acima dela com um olhar que ela não conseguia ler bem. Havia ódio, claramente, mas havia algo mais, algo desconcertado. Ele sibilou. “Se Nahiri pensa que pode me impedir agora, é um erro grave.”

Nissa não sabia do que ele estava falando, e nem se importava. Ela se lançou com a espada em riste novamente, mas não estava preparada para o contragolpe dele. O demônio girou e a força que queimava dentro dele transbordou da palma da sua mão, estourando sobre o tórax da elfa. Era um poder que drenava vida diretamente da essência de Nissa – e alimentava a escuridão do demônio.

Apesar de ter crescido ignorando, e até mesmo suprimindo, o poder dentro de si, ele não diminuíra. E agora, sob a ameaça, este poder era puxado de dentro dela, e uma onda profunda e cortante de dor a atingia.

Nissa perdeu o fôlego e desabou, desequilibrando-se com a sensação nauseante de fraqueza. Se ela não agisse agora, este seria o seu fim. O demônio a drenaria, e a Zendikar em seguida.

Ela sabia o que tinha de fazer. Ele não lhe deixara escolha. Ela usaria apenas uma fração, por apenas um momento.

No início não foi fácil usá-lo. Apesar do poder estar ansioso para ser liberto, Nissa sentia-se desconfortável ao usá-lo, como se andasse no escuro na casa de um estranho. Ela cambaleou e caminhou com dificuldade quando canalizou seu poder pelo coração até o braço.

Erguer sua espada pareceu erguer um tronco de uma árvore jaddi inteira, mas ela a ergueu ainda assim e forçou sua essência por meio dela. Quanto mais aquele poder fluía, mais ela o reconhecia. Algo dentro dela despertava, e estava entusiasmado que aquela manhã finalmente chegara.

Nissa fez o ângulo certo e avançou com o sabre entre seu peito e o dreno de energia do demônio, empurrando-o com todas as suas forças. De repente, a força total da essência dela voltou a si – e com ela todas as suas memórias, horrores, passos em falso e erros. Quantas vezes ela brandira esse poder apenas para estragar tudo? Com qual frequência ela causara mais mal do que bem? Ela não podia confiar em si mesma…

Mas era tarde demais para ponderar. O ataque do demônio foi refletido pelo poder imbuído no sabre dela, e foi lançado de volta contra ele. A força do golpe lançou Nissa e o demônio para trás com a força de uma explosão, e cada um chocou-se contra um lado oposto da caverna.

A cabeça de Nissa girava, e seus dedos formigavam com poder, um poder impaciente. Ela ficou de pé em um salto enquanto o demônio espreitava em sua direção.

“Impressionante,” ele disse. “Sua aparência engana. Você está vestida como uma simples Joraga.” Ele cheirou o ar em torno dela. “Mas tem o cheiro das Eternidades Cegas. Uma planinauta.”

Nissa ficou tensa. Seria ele um planinauta também? Deve ser. Ela concentrou seus sentidos nele, tentando sentir sua energia. Havia algo lá, nas beiradas do seu ser, que não pareciam certas, e ela não sabia identificar o que era.

“Eu não deveria ter esperado menos de uma emissária de Nahiri,” ele disse. “Mas devo perguntar, por que ela enviou você? Por que ela mesma não veio?”

“Eu não sei do que você está falando.” Nissa segurou – apenas de leve – a urgência que tinha em se lançar contra o demônio. O poço de poder que abrira estava em êxtase, e não ficaria sob controle por muito tempo.

“Talvez Nahiri tivesse medo de me enfrentar, preocupada que depois disso aqui ter terminado eu brandiria mais poder do que qualquer planinauta conseguiu controlar sozinho em muito tempo.” O demônio deu uma olhadela para a flor e Nissa seguiu seu olhar; seu coração batia por Zendikar. “O poder de um mundo inteiro será todo meu.”

Ob Nixilis, Libertado | Arte de Karl Kopinski

“Este poder não é para você.” As palavras de Nissa vieram com força e certeza, sustentadas pela força que surtava em suas veias. “O Coração de Khalni pertence à terra.”

“Não seja ingênua,” disse o demônio, ríspido. “O poder pertence a quem o tomar. Eu o tomei. Então, ele é meu.”

“Então, eu vou retomá-lo.” Nissa não conseguia mais se conter; sua essência selvagem a estimulava, e ela mergulhou pela abertura entre os edros. Ela viera atrás de Zendikar, e não sairia daqui sem ela – mas o demônio lançou outro golpe e Nissa foi forçada a se esquivar.

“Você não quer morrer aqui, elfa,” disse o demônio. “Não vale a pena. Não pelo que Nahiri possa ter prometido a você.”

“Eu não sei quem é Nahiri,” Nissa replicou. Mas o demônio estava certo; ela não queria morrer aqui. O que estava fazendo? Ela mostrava um flagrante descaso por sua vida, pela vida do Coração de Khalni que estava bem ali, à sua frente, vulnerável e definhando. Era a energia volátil dentro dela que dirigia suas ações. Isso não devia ter acontecido. Ela devia ter acessado aquela energia por apenas um momento. ela prometera aquilo a si mesma. Mas não era mais aquela elfa. Ela era uma elfa que estava no controle, que silenciou os impulsos instáveis e erráticos que irrompiam dela. A elfa que dependia da ligação com a terra para empunhar o poder que precisava, em que podia confiar, que não cometia erros.

Aquela elfa de pés firmes era a elfa que viera até aqui para salvar Zendikar, e era a única elfa que conseguiria. Com esforço, abafou sua essência afoita, engolindo sua vontade para mergulhar novamente sobre o demônio. Não daria certo. Havia outros meios de passar por ele além da força física. Ela precisava pensar. Ela tinha de recuperar o foco.

O problema era que havia apenas uma entrada para o anel de edros, e o demônio sempre sabia para onde ela queria ir. Mas se houvesse outra entrada no círculo… dim! Era esse o tipo de elfa que ela era.

“Se Nahiri não mandou você, por que você está aqui?” O demônio a encara de cima.

Nissa apontou para o Coração de Khalni com o queixo, como desculpa para analisar o anel de edros. “Estou aqui para salvar aquela flor. Eu estou aqui por Zendikar.”

“Por Zendikar?” O demônio deu uma risada que parecia um latido. “Ou você está mentindo, ou está delirando. Você viu como está Zendikar agora? Não sobrou nada para salvar. Logo, os Eldrazi consumirão tudo.”

“Não, não vão.” Nissa fixou os olhos em um edro à esquerda do demônio.

“Você diz isso com tanta confiança.”

“Sim.” Nissa ficou tensa e se preparou para correr.

“E quem vai impedir os Eldrazi?” indagou o demônio. “Você?”

“Sim,” disse Nissa. “Eu.” Ela avançou.

Nissa Revane | Arte de Jaime Jones

O demônio moveu-se para bloquear a entrada da prisão, mas ela não estava indo para lá.

Ela se lançou pelo ar, saltando na direção do edro à esquerda dele e criando um caminho livre à frente dela. Ela preparou seu sabre para atacar.

Mas quando o edro estava perto o suficiente, ela sabia que não conseguiria. Ecos de uma memória distante brincavam em sua mente. Ela já quebrara um edro antes. Um edro em uma caverna parecida com esta. Entretanto, ele precisava do poder da sua essência. Se ela golpeasse a rocha apenas com o sabre, teria sorte se talvez deixasse uma marca.

Ela precisava de mais poder, de mais dela.

Não estava claro se era por escolha – não estava claro se ela tinha qualquer escolha -, mas quando seu sabre atingiu o edro, a essência dentro de Nissa irrompeu. E, então, o demônio se chocou contra ela.

Eles rolaram pelo chão em uma altercação física equilibrada. Nissa manteve os olhos fixos no edro, esperando que ele rachasse, aguardando a cascata de caos que ela sabia que aconteceria. Esperando para ver se agira a tempo.

Uma batida do coração se passou e uma fissura de poder irrompeu como uma erupção na superfície do edro, se espalhando como uma teia de aranha pelos lados, e no próximo instante a rocha enorme se espatifou. Então, o padrão de linhas de força que estava conectado a ela começou a tremer e se partir. As reverberações fizeram os outros edros balançarem. A prisão estava perdendo sua estrutura. Logo estaria em completo colapso, e provavelmente faria a caverna desmoronar junto com ela.

Essa era a única chance de Nissa. Ela viu o que tinha de fazer, e acessou aquele poder novamente. Desta vez, o utilizou para lançar o demônio para longe dela. Nissa pulou de pé e correu como uma flecha até o Coração de Khalni.

“Não!” rugiu o demônio. “Não vou deixar você fazer isso!”

Ele se lançou contra ela, mas hesitou ao perseguir Nissa entre os edros que vacilavam precariamente. Ela viu a dúvida em seus olhos e depois o lampejo decisivo quando ele se lançou sobre a rocha angular mais próxima, abraçando-a com braços largos e fazendo força para mantê-lo de pé.

Expedição ao Coração de Khalni | Arte de Jason Chan

Nissa saltou por ele e alcançou o Coração de Khalni.

O momento em que seus dedos tocaram a flor foi – tudo.

Zendikar.

A palavra, a presença, a alma ecoou dentro dela.

E, então, a mão do demônio se fechou em torno da mão dela com tanta força que ela pensou que estrangularia a flor. “Isso foi tolice.” O fogo dentro dele queimava furiosamente. “Mais do que tolice.”

Mas ele não estava mais segurando os edros estremecidos. As linhas de força se estatelavam enquanto as rochas se chocaram em torno deles, caindo em cascata.

O demônio olhou para Nissa com o calor do seu ódio irradiando do seu olhar. “E agora você vai pagar.” Sua fúria transbordou dele para Nissa, prendendo-a no lugar como se fosse um arreio. Ela se debateu para se libertar, mas a cada fôlego, ele drenava mais suas forças.

Seu único foco era matá-la ali mesmo, destruí-la por completo. Ela podia sentir. Ela viu nos olhos dele.

“Não importa o quanto você pode querer isso aí,” disse o demônio, erguendo as mãos com o Coração de Khalni. “Eu quero mais. E vou conseguir o que quero.”

Sua fúria queimava com mais força a cada batida do coração enfraquecido de Nissa. “Se você quer viver, agora é hora de transplanar.”

Nissa entrou em pânico. os cantos da sua visão começaram a escurece. Seus olhos dispararam para o Coração de Khalni. Sua essência vazante buscou o poder de Zendikar, que estava bem ali em suas mãos. Com ele, conseguiria esmagar o demônio, conseguiria vencer – ela só precisaria tomá-lo.

Não. Nissa se controlou e segurou seu desespero. Zendikar não tinha poder para dar a ela – não agora, quando fora arrancada do solo e estava desligada da terra. Se o usasse, drenaria tudo, destruiria a flor, e ela acabaria com Zendikar.

Ela não era mais aquela elfa, aquela que agia sem saber as consequências. Ela não cometeria aquele tipo de erro.

E seria o quê? Cair nas mãos do demônio?

Não. Ela também não era aquela elfa.

Nissa estava em algum lugar entre quem ela fora há muito tempo e quem imaginava que se tornaria. Nenhuma das duas era completamente verdadeira. Fora um grande erro prender a força dentro dela por tanto tempo – ela era poderosa, mais poderosa até do que esse demônio, e não era algo que devia esconder. Mas não foi errado aprender a ter controle e cautela. Nunca foi o poder ou a paixão que estavam errados. Ela sempre fizera as coisas pelas razões certas, sempre com as intenções certas. Mas cometera erros porque não tinha a percepção do mundo em torno dela, o entendimento mais profundo que pedia uma ação cuidadosa.

Agora ela tinha.

Ela aprendera com Zendikar. Ela conseguia ver padrões e ligações, e sentir o panorama maior. Esta caverna, estes edros, o poder do Coração de Khalni, a essência do demônio. Ela também conseguia ver a totalidade de Zendikar, os Eldrazi, os outros planinautas e o acampamento de sobreviventes. E conseguia ver o Multiverso e sua miríada de mundos.

Nexo de Mosco-lumes | Arte de Sam Burley

Nissa tinha um lugar dentro daquilo tudo. Tinha um poder que pertencia àquilo. Um que deveria usar – hoje mesmo, agora mesmo, para salvar Zendikar.

O que ela estava prestes a fazer era perigoso. Era possível que fosse a coisa mais perigosa que já fizera em sua vida. Mas não era um risco. Ela sabia exatamente o que iria acontecer. E estava preparada.

Nissa coletou todo o poder que restava nela, tudo o que o demônio ainda não drenara, e se empurrou para longe dele. Ela podia sentir a mão dele lutando contra a dela, mas forçou sua energia pelos braços e pelos dedos, até o Coração de Khalni.

Quando sua essência fluiu para dentro da flor, ela reviveu. Suas pétalas se ergueram, suas folhas se desenrolaram e ela ficou com cores mais vivas. E, finalmente, suas raízes começaram a crescer. Elas começaram a alcançar o chão.

“O que você está fazendo?” O demônio deu um puxão na essência dela. Ela podia ver a confusão nos olhos dele.

Nissa sentia-se como um salgueiro, puxada para baixo pelo demônio e puxada para cima pela força do seu centro. As raízes do Coração de Khalni estavam quase alcançando o solo. Ela mandou uma onda final para dentro da alma de Zendikar, e então, seu campo de visão se obscureceu, e seu corpo amoleceu.

O demônio arrancou a flor dos seus dedos inertes, e Nissa caiu de joelhos.

“Este mundo é meu!” ele rosnou. “Este poder pertence a mim.”

Mas ele não pertence.

As raízes já tinham alcançado o solo. A alma do mundo voltara para a terra. Zendikar não pertence a ninguém. O terreno surtou para cima, lançando pedaços de rocha pelos artes e alcançando o Coração de Khalni. Ele puxou a flor para longe das mãos do demônio e para o abraço do mundo.

“Não!” O demônio caiu de joelhos, arranhando o chão com suas unhas grotescas. Mas era tarde demais. A terra já havia se fechado sobre o coração de poder. A flor sumira. Estava a salvo.

Toda a caverna começou a tremer, como se a força de Zendikar surtasse pelas palmas das mãos de Nissa, preenchendo o vazio dentro dela e mesclando com a última gota que restara da sua essência.

O demônio foi lançado para longe. Ele tentou alcançar a parede para se equilibrar, mas a parede explodiu. Para se esquivar das rochas, ele bateu suas asas. “O que você fez?”

Nissa ficou de pé e se virou para olhá-lo nos olhos. “Se você quer viver, agora é hora de transplanar.” Ela buscou sua conexão com Zendikar, puxando tanto o poder dentro dela como o poder do mundo, invocando uma extensão do seu ser, uma perfeição da sua forma. Ao golpear o demônio, o solo e os detritos se moveram com ela, lançando um punho de terra para socar o tórax dele. Ele foi lançado descontroladamente para trás, em torno da parede de rocha que estava desmoronando.

Nissa saltou de um pedaço de terra que despedaçava para o seguinte, e cada fragmento de Zendikar se alternava em diminuir o impacto de cada salto e lhe dar impulso suficiente para o próximo. Quando o mundo caía sobre o demônio, Nissa se erguia, e junto com ela se ergueu a alma do mundo, sua amiga.

Ashaya.

Quando ela chegou à superfície, os pés de Nissa tocaram um tapete de musgo macio e fértil. Ela sentiu o aroma da vida vibrante. Ashaya fez o mesmo ao lado dela; a elemental parecia uma torre feita do que sobrara do túnel e do terreno que desmoronara.

Nissa olhou para sua amiga. Ashaya enviou um surto de fervor para Nissa, que sentiu sua própria essência retornando para si. Elas eram uma só, e ao mesmo tempo cada uma delas era individual – e eram fortes com o poder que compartilhavam. Chegara o momento de usar aquele poder para salvar Zendikar.

Ashaya, the Awoken World | Arte de Raymond Swanland

Nissa e Ashaya voltariam para o Portão Marinho, encontrariam o exército de Gideon e se juntariam ao seu grito de guerra, pois aquelas palavras voltaram a significar algo.

“Por Zendikar!”

Juntas, elas partiram para atravessar o continente, caminhando passo a passo em sintonia uma com a outra.

Traduzido por Meg Fornazari

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