Mtg Lore

Compêndio da Lore de Magic the Gathering

A DANÇA DO PASSOLEVE

Texto original
por Jennifer Clarke Wilkes

“Mais crianças levadas. Este é um mal que nós perseguiremos sem piedade.”

—Antousa

 

Meu filho, onde você deixou seus filhos tão jovens? Você não tem pena dos órfãos, para ir embora e deixá-los para trás? Você deixou seus filhos nas ruas, meu filho!

—Antigo lamento cretense

O silencioso, escuro santuário exibia mais uma vez tiras de pano penduradas. Cada uma estava retorcida ao redor de um objeto de pequeno valor – um pequeno bracelete, um cavalinho entalhado – que gritava em silêncio com o sofrimento dos pais desamparados. As oferendas tiniam suavemente com as rajadas que percorriam as ruas.

Não se viu em lugar algum demonstrações públicas de morte e perda, com procissões de pranteadores seguindo o esquife. Não houve um corpo lavado de acordo com os rituais, colocado em vestes cinzentas solenes, coroado com uma diadema de ouro ou de folhas sagradas. Nenhuma estela de mármore, oferendas de vinho e sangue, ou altar com incensos. Esses penhores inocentes marcavam um completo vazio. Nem mesmo a tristeza da morte certeira tinha lugar aqui, apenas uma esperança lamuriosa lentamente desvanecendo-se no crepúsculo.

________________________________________

 

“Mais uma se foi”, disse a soldado patrulheira a seu companheiro, enquanto os dois andavam pela ágora de Meletis.

“Com isso são três até agora neste mês.” O outro sacudiu a cabeça. “As coisas estão feias. E ainda nenhuma notícia sobre o que aconteceu?”

“Nada. É como se eles desaparecessem direto para Nyx.”

“Não consigo imaginar o que suas famílias estão sofrendo. Que os deuses nos protejam de tal destino”.

“Talvez os videntes sejam capazes de discernir a verdade no Observatório. Que Crufix erga o véu de nossos olhos.”

Os dois saíram de vista. A insinuação de um riso satisfeito flutuou em seu rastro.

 

Arte de James Ryman

 

Os ombros do jovem barbudo caíram ao contemplar a placa de mármore. Sua superfície exibia um baixo-relevo de uma mulher vestida humildemente, seus braços estendidos em direção a duas crianças esculpidas. Os lábios do homem moveram-se silenciosamente, sua mão descansando suavemente na placa na altura da cintura. Então ele levantou um lécito pintado, um vaso estreito, e derramou um fio de líquido cor de rubi ao pé da estela. Com um último olhar, ele se endireitou, então se virou e andou lentamente para longe do túmulo.

________________________________________

 

O líder da falange prestou continência vivamente enquanto subia os degraus da Dekatia. A sentinela nas portas douradas da academia retribuiu a saudação e com a cabeça indicou a entrada. “Entre com honra, Reverendo.”

Embora esculpidas em pedra e cobertas de ouro, as pesadas portas giraram suavemente em pivôs de bronze para admitir o soldado. Ele removeu o elmo de pluma enquanto entrava, tendo o cuidado de cruzar a soleira com o pé direito primeiro. Inclinando a cabeça, esperou para ser percebido pelos presentes na augusta reunião.

As maiores mentes da pólis conversavam calmamente, mas intensamente. Os cidadãos, os campos circundantes, o porto e as Ilhas Dakra exigiam uma cuidadosa observação, discussão e administração. Tendo chegado a algum tipo de acordo, os respeitados filósofos inclinaram a cabeça para o capitão. Uma mulher de cabelos grisalhos, usando um peplo simples com uma fina borda azul, levantou-se e deu um passo à frente.

“Saudações, Reverendo Capitão. Agradecemos por seu trabalho. Que notícias nos traz do campo?”

O líder da falange ergueu a mão para o peitoral. “Honrada Oradora Perisofia, peço-lhe que perdoe esta intrusão.”

A mulher sorriu, sacudindo levemente a cabeça. “O bem-estar da pólis é sempre da mais alta importância. Você mais do que qualquer um sabe o que nos ameaça. Por favor, fale livremente.”

“Agradeço-lhe, Oradora, trago notícias sombrias das fronteiras de nossas terras, patrulhas perto dos pântanos costeiros relataram nova atividade dos moradores amaldiçoados de Asfódelos. Eu fui até lá para ver com meus próprios olhos.”

“Um ataque?”

“Não, Oradora. Uma invasão não seria incomum para os Ressurgidos, e nós já rechaçamos muitos deles… Mas isso…” O homem olhou para longe, uma careta torcendo seus lábios por um instante. Perisofia aguardou em silêncio.

Ele continuou em um tom rouco. “Nós vimos novamente a Mulher Chorosa. E… ela não está mais sozinha.”

Um suspiro baixo ecoou ao redor da câmara do conselho. Então a Oradora falou gentilmente. “Ela os encontrou?”

“Eu não sei. Se eles são dela, eles não sabem disso. Rezo para que aqueles infelizes estejam em paz agora.”

“Três crianças a seguem, dois agarrados às suas mãos. Uma menina e dois meninos, provavelmente. Não conseguimos ver seus rostos. Alguns… usavam máscaras.”

 

Pseudomadre Desconsolada | Arte de Winona Nelson

 

Um homem gritou. “Abominação!”

Perisofia deu um passo à frente e colocou a mão no ombro do homem que tremia. “E depois?”, ela perguntou em voz baixa.

“Sei que deveríamos ter acabado com essa zombaria da vida, mas não conseguimos. Os pequeninos”, o capitão engoliu um soluço. “Ninguém conseguiu levantar uma lâmina contra eles. Nós apenas assistimos enquanto eles voltavam para a névoa.”

“Eu lamento, Oradora. Eu fui fraco. Aceito a punição por minhas ações.” Ele abaixou a cabeça.

A Oradora não tirou a mão de seu ombro. “Não, honrado servo do nosso povo. Isso não. Ternura, e não fraqueza, foi o que segurou sua mão. Poderia algum de nós endurecer tanto a nossa determinação a ponto de derrubar inocentes?”

“E, no entanto, tais impulsos gentis levam a uma crueldade ainda maior.” Perisofia encarou a assembleia. “Durante muitos meses, ouvimos as histórias de Lachrymosa. Lamentamos sua trágica existência, mas a deixamos vagar por Asfódelos com os outros que rejeitaram o Submundo. Nós dizíamos a nós mesmos que eles já haviam sofrido o bastante com a escolha que fizeram.

“Mas a nossa tolerância trouxe um novo mal. Todos nós ouvimos falar dos recentes desaparecimentos de crianças dentro da pólis. Agora sabemos o motivo. Em sua busca interminável por seus mortos, a Mulher Chorosa tem atraído os vivos.

“Eles estão presos como ela em uma quase-vida sem fim. Um destino tão terrível é muito pior do que a morte. Não podemos permitir que essa profanação continue.”

Ela cruzou os braços sobre o peito e fechou os olhos. “Que as crianças durmam.”

 

Arte de Dave Kendall

 

O pórfiro rubro das paredes do templo parecia beber o pequeno conforto que a tocha carregava. Sob a luz oscilante, um pequeno círculo de figuras encapuzadas vestidas com túnicas ajoelhou-se em torno de um altar em forma de tigela. Uma a uma, elas ergueram o braço, pegaram uma faca, e fizeram um corte na palma da mão esquerda, inclinando-a para permitir que o líquido carmesim fosse recolhido pelo lécito negro.

________________________________________

 

Sal e podridão percorriam o ar gelado da noite. A oradora dos Doze olhou para o pântano salgado. À sua esquerda estava o líder da falange. Ele segurava seu escudo erguido e agarrava o punho da espada. À sua direita estava um jovem barbado de manto escuro, o rosto ainda marcado pelo luto recente. Ele segurava um lécito negro.

Diante do grupo, com os olhos escondidos sob um capuz pesado, estava um sacerdote solene. Outros três o flanqueavam, igualmente vestidos. Pequenos chicotes dourados em seus cintos proclamavam em silêncio o deus severo a que serviam.

O sacerdote principal começou a entoar um cântico. Quando as notas desapareceram na triste escuridão, ele e os outros sacerdotes se voltaram para o pântano. O grupo reunido cantou sua antístrofe. De novo e de novo, ele falou as palavras prescritas, e os outros responderam. Então o sacerdote fez um gesto, e o jovem viúvo ficou ao seu lado. Ele se ajoelhou na terra lodosa e lamacenta e sussurrou uma oração. Finalmente, ele ergueu o lécito e despejou seu conteúdo na água escura.

O grupo esperou. A luz se foi. Os gritos lamentosos dos pássaros da costa se acalmaram.

Então, da névoa, ela veio. Em silêncio sepulcral, a mulher de máscara dourada percorreu seu caminho. Ela segurava as mãos de duas crianças, que não compartilhavam sua quietude. Um gemido constante e agudo se erguia das bocas abertas das máscaras que usavam. Uma terceira, uma menina de aparência mais velha caminhava atrás deles, choramingando baixinho através dos lábios dourados.

 

Token de Zombie | Arte de Winona Nelson

 

O jovem chorou e arrancou os cabelos. Suspiros dos outros pontuaram sua dor.

Os sacerdotes estenderam as mãos adiante. O líder começou a cantar gentilmente, uma única frase repetida em um monótono. Um a um, os outros se uniram à harmonia e encheram o momento com a música. Os gemidos ficaram mais fracos e finalmente cessaram. As quatro figuras mascaradas permaneceram paradas como que escutando.

Ainda cantando suavemente, os sacerdotes desataram os panos manchados de sangue em suas mãos esquerdas. Em uníssono, eles entraram no pântano. Todos ao mesmo tempo, gentilmente colocaram as palmas das mãos pingando sangue nas faces douradas. E, com um suspiro, quatro figuras mascaradas deslizaram para baixo da superfície. Nem mesmo uma pequena ondulação permaneceu.

 

Eidolon Passoleve | Arte de Chase Stone

 

Quando o amanhecer iluminou o céu, o grupo solene entrou na ágora, as cabeças abaixadas. Ninguém falou. Os ombros do jovem caíram, e seus passos tropeçaram nas pedras. Perisofia e o reverente capitão o apoiaram.

O silêncio foi quebrado de repente pelo tilintar de vozes inocentes. De uma parede próxima surgiu uma forma indistinta, enevoada e de tamanho infantil. Estrelas quase imperceptíveis brilhavam através de sua silhueta enquanto ele brincava atravessando o caminho dos adultos. Olhos e rostos ergueram-se para observar suas travessuras.

A forma cintilante dançou através de um guarda que patrulhava a área, e ele se virou com espanto em sua passagem. Deixando atrás de si um riso baixinho, ela saltou pela praça para dentro de um monumento de mármore, ressurgindo um momento depois do outro lado. A risada se intensificou quando outras figuras brilhantes a perseguiram pelas ruas, serpenteando entre os adultos reunidos. Uma a uma, desapareceram nas paredes que delimitavam a praça.

As vozes brincalhonas cessaram. Um murmúrio de admiração escapou dos lábios dos observadores. Perisofia olhou para o céu, onde o brilho de Nyx estava desaparecendo para dar lugar ao sol nascente. Então ela se virou para os outros. “As crianças estão em repouso. Que a luz de seus sonhos desperte esperança na pólis”.

 

 

 

Tradução: Alysteran

Revisão: Blackanof

 

Comentários

Review Text

Testimonial #1 Designation

Review Text

Testimonial #2 Designation

Review Text

Testimonial #3 Designation

Magic the Gathering é uma marca registrada pela Wizards of the Coast, Inc, uma subsidiária da Hasbro, Inc. Todos os direitos são reservados. Todas as artes e textos são de seus respectivos criadores e/ou da Wizards of the Coast. Esse site não é produzido, afiliado ou aprovado pela Wizards of the Coast, Inc.