Mtg Lore
Compêndio da Lore de Magic the Gathering
UM LENTO DESPERTAR
Há mais de mil anos, uma mulher enfrentou a quase destruição do seu mundo.
Nahiri, a planinauta kor conhecida como A Litomante, ajudou a aprisionar os Eldrazi em Zendikar, seu plano natal, há mais de 6.000 anos. Naquele tempo, planinautas não envelheciam e eram virtualmente imortais, e Nahiri não tinha intenção alguma de abandonar Zendikar sem proteção. Ela decidiu ser uma sentinela, observando a prisão dos titãs Eldrazi, e esperou.
E esperou
E esperou.
Até que as coisas mudaram. Os Eldrazi se mexeram. Nahiri acordou.
Esse não é o despertar grandioso dos titãs visto na história de Despertar dos Eldrazi – os titãs ainda estavam aprisionados, apesar das suas linhagens assolarem Zendikar. Isso ocorreu aproximadamente mil anos antes, e poderia ter chegado a um levante gigantesco… se Nahiri não estivesse lá para impedir.
Nahiri estava em comunhão com o mundo.
Com os olhos fechados, ela estava sentada em um casulo de pedra – cada centímetro da sua pele conectado com a base rochosa, a fundação sólida de Zendikar. Tudo o que tocava a terra tocava Nahiri – uma marcha sem fim de movimentos sem sentido enquanto ela e o mundo simplesmente existiam, e não faziam nada. Por quanto tempo ela estivera ali? Quantas gerações de pessoas e animais vieram e se foram desde que ela se retirou para esta câmara e puxou a rocha para cobri-la como um obelisco? Não importava. Ela era imortal e não envelhecia, como o próprio mundo.
Será que ainda estou viva?
Ela não partira de Zendikar desde o dia que trouxera Sorin e o Dragão Espírito até aqui, quando eles começaram sua labuta fatídica para aprisionar os Eldrazi. No início, ela ficara para servir de sentinela. Seu plano pareceu ter funcionado: a prisão era firme e os Eldrazi foram praticamente esquecidos. Mas Zendikar não gostava de ser sua prisão. Akoum ainda tremia e se arrepiava em torno da prisão, como se tentasse vomitá-los. Se ela partisse, como ela saberia que seu mundo ainda estaria seguro?
Por alguns séculos, ela viveu – de verdade – entre seu próprio povo, entre os kor. Ela arrulhou para bebês e chorou em funerais, gargalhou em mesas servidas com boa comida e se apaixonou… duas vezes. Ela ensinou litomancia para uma longa linhagem de estudantes, ensinando a todos como utilizar a rocha e o metal dentro dela para formar objetos e armas.
Ela treinara os kor para também servirem como sentinelas na prisão dos Eldrazi, levando bandos deles em peregrinações longas pelo mundo todo. Ela mostrou a eles os pontos de foco do poder da rede de edros, e ensinou aos litoforjadores como testar a firmeza da prisão, garantindo que os – usando o nome que ela os chamara para que os kor compreendessem – “deuses” não viessem à tona para arruinar o mundo.
Mas seus estudantes aprendiam e seguiam seus caminhos. Seus amantes envelheceram e morreram. Um nascimento se passou após o outro, e um funeral ocorreu após outro, e eventualmente ela não se lembrava por que… algo daquilo… importava.
Então, ela voltou até aqui, até a câmara do Dragão Espírito que ela e Sorin chamavam de O Olho de Ugin como uma piada interna. Seus passos ecoaram no vasto salão de pedra, e por um momento ela considerou invocar Sorin – a única pessoa que ela conhecia que existira há mais tempo do que ela, que talvez compreendesse a desolação que estava sentindo. Ele não viera visitá-la em decádas, mas concordaram que o poder do Olho de Ugin só deveria ser utilizado caso a prisão dos Eldrazi tivesse se quebrado.
Ela se sentou, há tantos anos, e fechou seus olhos. E sentiu o mundo continuar seu caminho, e todas suas pessoas seguindo seus caminhos desesperadamente como se suas breves vidas tivessem algum sentido. Agora, permanecia em Zendikar porque não conseguia pensar em algum motivo para visitar qualquer outro lugar.
Quanto tempo se passou? Não importava. Por que importaria, afinal?
Quando o mundo rachou, ele torceu as entranhas de Nahiri como se fosse uma lâmina.
Akoum se debatia como um peixe fora d’água que acabara de morder uma isca. Suportando ondas de náusea, Nahiri tentou encontrar a fonte das dores do mundo, que tipo de mordida ou ferroada provocara tal resposta. Enquanto Zendikar se sacudia em torno dela, sua mente encontrou o caminho até a beira do abismo, do absoluto vazio – a prisão dos Eldrazi. Ela estava aberta.
Claro, era tudo uma metáfora. Os Eldrazi não estavam contidos – eles não eram seres físicos que podiam ser contidos. Eles eram criaturas nativas das Eternidades Cegas, e suas manifestações em Zendikar eram apenas projeções, como as sombras de fantoches em uma parede. A grande magia que ela, Sorin e o Dragão Espírito lavraram não era uma simples cela. Ela prendia os Eldrazi em Zendikar ao segurar essas sombras para que não pudessem se mover pelo plano ou se retirarem dele.
Mas algo se movera, apenas um pouco. Ela sentiu um movimento sem descanso dos titãs, como se testassem a força das suas amarras, e o movimento fervilhado das suas proles passando a existir em torno deles, como bolhas subindo da lava. Uma vez, o Dragão Espírito explicara que esse numeroso tropel de Eldrazi menores era como se fossem extensões dos três titãs – órgãos sensoriais e digestivos que tinham alguma ligação com seus respectivos seres extraplanares. Quando os titãs foram presos, suas linhagens continuaram a enxamear o mundo, mas com os titãs em estase, esses Eldrazi menores eram como um corpo sem cabeça, em espasmos, à beira da morte. Eventualmente, o povo de Zendikar acabou com eles. Enquanto a prisão permanecera firmes, nenhum novo Eldrazi fora criado.
Agora, eles irrompiam do chão e cada movimento deles era uma agulha na carne de Nahiri – uma sensação que ela não sentira em eras. Ela observou a sensação com curiosidade, notando o incômodo que se movia em sua mente. Ela considerou descartar esses sentimentos e deixar que os Eldrazi se libertassem – que aniquilassem Zendikar e seu povo, e ela com eles, que permitisse que eles findassem com a eternidade imutável da sua existência e a passagem do tempo sem sentido.
Mas ela sentia dor e irritação, e com essas sensações veio uma vontade: que essas sensações acabassem.
Então, ela espalhou a rocha que havia empilhado em torno de si, levantando-se lentamente e alongando membros que passaram muito tempo sem utilização. Com o chão de pedra dando coices sob seus pés, ela deu passos cautelosos – ancorando cada pé à própria rocha com sua litomancia – até o centro da câmara, onde o grande edro brilhante estava: o centro de toda a rede de edros que formava a prisão dos Eldrazi.
Enfim, chegara a hora de invocar Sorin.
O Dragão Espírito criara uma magia no Olho de Ugin que transcendia sua compreensão, formando uma ligação especial entre cada um deles e com aquele lugar – e essa ligação perpassava as Eternidades Cegas. Qualquer um dos três que estivesse ali, naquele lugar, conseguiria enviar uma mensagem para os outros; ela seria amplificada pela magia do Olho, e buscaria os demais em qualquer plano que estivessem. A mágica tinha a intenção de ser utilizada exatamente nessas circunstâncias, para que Nahiri pudesses invocar os outros, caso os Eldrazi escapassem das suas amarras.
Cerrando os olhos e ignorando os tremores de rocha à sua volta, ela enviou seu chamado pelo éter – uma mensagem sem palavras, que os outros sentiriam como um puxão insistente na direção de Zendikar.
Com sua mensagem enviada, ela se acomodou dentro do solo novamente, puxando a rocha em torno de si e estremecendo enquanto a rocha espalhava os movimentos dos Eldrazi que ardiam por sua pele. Bloqueando a dor enquanto aguardava os outros, ela observava o avanço das proles, que enxameavam enquanto se espalhavam, saindo de Akoum.
Ela piscou uma vez, e sentiu o impacto de pés correndo – o povo Zendikari fugia – e depois a marcha firme de exércitos organizados para enfrentar os Eldrazi.
Ela piscou mais uma vez, e sentiu Zendikar se contorcer de dor enquanto Eldrazi maiores dentre as linhagens aniquilavam a vida e o mana em seu caminho, absorvendo as energias do rico mundo natural.
Ela piscou uma terceira vez.
Quanto tempo eu passei aqui?
O pensamento repentino a puxou de volta para sua percepção total. Por um momento, pensou que a ideia dos Eldrazi se libertando tinha sido uma espécie de sonho, mas a dor que caminhava por sua pele era a confirmação de que as proles Eldrazi ainda eram um enxame pelo plano – e se espalharam ao longe -, enquanto ela esperava por Sorin e pelo Dragão Espírito.
Eles não vieram. Sorin não veio. Ela estava sozinha.
Ela queria – queria que a dor terminasse, queria ver Sorin novamente -, e com alguma surpresa notou que queria manter o plano de Zendikar a salvo; o mundo e todos os seus povos desesperados, perdidos e sem sentido. Mas enquanto esperara, a situação havia piorado muito.
Ela puxou seu casulo e desapareceu rocha adentro, vindo à superfície no cume de uma montanha próxima.
Um tropel de Eldrazi estava nos vales abaixo, transformando o solo em poeira de giz por onde pisavam. Com um arrepio, ela bateu o pé na face rochosa da montanha, enviando uma avalanche para esmagar as abominações. Então, ela desapareceu rocha adentro novamente para vir à superfície em Ondu, perto de uma cidade kor que visitara muitas vezes em seus primeiros anos como guardiã.
Os Eldrazi também estavam lá, mas a cidade estava em escombros – ruínas empoeiradas, abandonadas há muito tempo, com certeza muito antes dos Eldrazi aparecerem. Com um aceno de mão, fechou o cânion para engolir os Eldrazi quando ela adentrou a cidade por uma fenda em suas muralhas despedaçadas.
“Eu conheço essa rua,” ela murmurou. Sua voz era como cascalho sendo triturado, depois de ter passado tanto tempo sem uso. Lembrou-se de barganhar no mercado, mais à frente, à esquerda, para comprar… O que era mesmo? Algo azul e brilhante que a fez sorrir. Macio.
“Uma echarpe,” ela disse, decidida que aquilo era verdade.
Toda a dor e a delícia da vida pulsaram em seu ser em um único momento. As memórias inundaram sua mente – as imagens e sons e aromas do mercado lotado, a gargalhada do seu coração, o sabor do beijo de um amante, o ardor amargo de uma lágrima. Este fora um lugar de vida – um lugar onde vivera, e ela não estava aqui quando ele caiu.
A cidade mudara antes de ser abandonada. Edifícios mais altos substituíram alguns que lhe eram familiares, e uma quadra inteira tinha sido destruída e reconstruída desde sua última visita. Uma estrutura gigantesca de pedra estava lá, praticamente intacta, em um lugar onde outrora existiam habitações. Curiosa, ela adentrou o lugar por um arco.
Logo na entrada, viu-se talhada em pedra, com os braços abertos, em um gesto de acolhida.
Ela parou e olhou com atenção. Com certeza, era ela. A figura estava em alto relevo em uma parede, e uma perna saía como estivesse dando um passo para sair da rocha. Deve ter sido um místico litoforjador, provavelmente um dos seus estudantes, que a desenhou na rocha. Passou os dedos pela bochecha lisa da sua representação na rocha e, então, seus olhos passaram para a parede de onde o relevo saía.
Ela deu um passo para trás para ver melhor. Talhado atrás dela, por todo o relevo, estava outra figura.
“Kozilek?” ela disse. “Mas o q…”
Mas não era o titã Eldrazi – não exatamente, pelo menos. Em seu contorno geral, poderia ser Kozilek – mas tinha a feição de um kor que vestia uma coroa estranha e geométrica, que era uma mímica das placas bizarras de obsidiana que flutuavam em torno da forma alienígena do titã. Os braços do kor estavam abertos acima da Nahiri de pedra, e cada uma das mãos segurava a empunhadura de uma espada cuja lâmina larga se estendia até o antebraço e o cotovelo, sugerindo os membros bifurcados do Eldrazi.
Acima da cabeça da figura masculina, uma faixa declarava o nome da obra: “Nahiri, a Profeta, Voz do Estudo”.
Ela virou as costas para a escultura e saiu a passos largos daquele lugar. Do lado de fora, ergueu suas mãos e cerrou seus punhos, e uma nuvem de poeira veio como uma onda quando o edifício implodiu.
Era tudo culpa dela. Ela tinha sido a primeira a chamar Kozilek de deus, e aparentemente os kor se lembraram mais daquela palavra do que dos graves avisos sobre os deuses que destruiriam o mundo. Ela se sentiu enjoada.
Um a um, ela visitou os lugares da rota por onde ensinara os kor antigos, os pontos de foco da rede de edros. Onde ela vinha à superfície da rocha, encontrava Eldrazi por perto. Toda vez, ela abriu a terra para engoli-los ou enviou cascatas de rocha para enterrá-los. Matar as proles Eldrazi não era um problema – qualquer mortal conseguia fazê-lo. Mas somente ela poderia impedir que viessem à tona – no caso, somente ela, Sorin e o Dragão Espírito. Mas ela estava sozinha, e faria tudo sozinha. Ela tinha de fazer.
Ela quase não seu preocupou em parar em Akoum. Como era muito próximo de onde descansava, no Olho de Ugin, certamente teria notado alguma ruptura na rede de edros; então, não fazia sentido examinar esses locais. Mas decidiu ser minuciosa, mesmo porque, cada um era uma oportunidade de revisitar o mundo que ela quase esquecera, de saborear as memórias que cada lugar trazia à superfície da sua mente.
Então, visitou um local alto dentre as montanhas próximas do Olho de Ugin. E no exato local onde ela ensinara os kor a testar a firmeza da rede de edros, estava um edifício de rocha diferente. Diferente da rocha lisa das estruturas kor; ele era formado por blocos rudes e serrilhados, com espinhos metálicos enormes que se estendiam da argamassa em curvas apontando para o céu. O chão estavam em ondas, como se o edifício tivesse enviado raízes enormes que empurraram a rocha para cima.
Enquanto se aproximava, tinha certeza que era ali que a rede de edros havia sido perturbada. Bem abaixo do seu nariz, onde estava sentada sozinha, no Olho de Ugin. A fúria fervia dentro dela, direcionada a ela mesma e a quem quer que tenha feito isto.
Fúria – outro sentimento de que havia se esquecido. Era gostoso.
Ela deu passos confiantes para dentro do edifício, e cada passo fazia o chão tremer, fazendo com que cascalho e poeira deslizassem pelas paredes. Quando se aproximou, três figuras sombrias saíram detrás do prédio, vindas do lado oposto, e se agacharam em posições de combate quando a viram.
Ela parou seu avanço, se apoiando em um só joelho e estendendo a mão para dentro da terra abaixo dela. As figuras cautelosas andaram mais lentamente. Então, com um brado, puxou uma espada incandescente do chão e avançou contra eles.
As figuras pareciam humanas, mas ela não reconhecia sua indumentária em nenhuma cultura que conhecia. Uma gaze frágil mal cobria seus troncos, revelando a tinta carmesim que adornava sua pele acinzentada. Ganchos afiados se projetavam dos seus ombros e cotovelos, e quando eles rosnaram com seu avanço ela viu presas levemente projetadas.
Vampiros? Pensou. Não existem vampiros em Zendikar.
E, então, eles se chocaram e sua espada brilhante cortou a carne fria e lançou jatos de sangue rubi pelo ar em nuvens de vapor.
Ela passou por cima dos seus corpos e talhou sua própria entrada na parede de rocha áspera. Mais das criaturas vampíricas fugiam com surpresa e logo depois estavam caídas ao chão após sua passagem, até que, por fim, se encontrou em um grande cômodo central.
No centro daquele cômodo, exatamente no ponto onde as linhas da rede de edros se uniam, estava um grande altar de pedra. A ardósia gasta que formava seu topo estava manchada com sangue antigo.
Nahiri olhou pela câmara e notou mais alguns poucos vampiros – será que eram mesmo vampiros? – fugindo do lugar. Em um dos lados estava uma estátua gigantesca de pedra, talhada no que parecia meia memória de uma visão de Ulamog. Ele tinha feições humanas sob um capacete que lembrava muito a estranha placa facial do titã Eldrazi. Em vez de pernas, ele tinha uma massa de tentáculos retorcidos, fiéis à forma verdadeira do Eldrazi. Em suas mãos humanas, segurava os chifres nos ombros de uma figura talhada abaixo dele – um vampiro prostrado de joelhos.
“Mais deuses malditos!” ela gritou. “O que vocês acham que um deus possa ser, seus idiotas – os Eldrazi não são.”
Mesmo assim, qualquer ritual de sacrifício que tenha sido realizado neste altar teve sucesso. Se Ulamog ouvia as preces dos vampiros ou não, seus ritos foram bem-sucedidos em romper a rede de edros o suficiente para que as proles Eldrazi viessem à tona.
Com ambas as mãos no altar de pedra, ela estendeu seus sentidos para avaliar os danos. Era uma mudança sutil, uma alteração mínima da rede de edros que servia de prisão. Mas permitira que os titãs Eldrazi tivessem um mínimo de espaço para se moverem, para estenderem sua presença até Zendikar mais uma vez. Ele seria consertado, é claro, mas levaria tempo. E seria muito mais fácil se ela tivesse alguma ajuda.
“Mas não tem ajuda nenhuma a caminho,” ela disse em voz alta. “É melhor, eu começar logo.”
Com um suspiro, procurou uma rocha de tamanho apropriado no edifício. Seus olhos se fixaram na estátua grotesca e ela sorriu. “Perfeito.”
Andou na direção da estátua e estendeu suas mãos acima da cabeça, tocando os ganchos nos ombros do vampiro, onde as bizarras mãos de Ulamog estavam. Então, puxou para baixo e a estátua inteira mudou.
Levara quarenta anos para estabelecer a rede de edros – o que lhe parecera uma vida inteira na época, quando ainda estava imersa nas ligações que tinha com mortais comuns. Construir um único edro não levaria tanto tempo, apesar de fazê-lo sozinha. A parte mais difícil seria dar forma à superfície sem as instruções de Ugin.
O que fora uma estátua, agora era uma massa disforme de rocha nas mãos de Nahiri, e tornou-se um edro pontiagudo, com oito lados triangulares. Respirando fundo e cerrando os olhos, ela tentou se concentrar nos padrões que precisaria talhar na superfície, a fim de redirecionar o fluxo de mana corretamente.
O bater de pés no chão em torno dela quebrou sua concentração e ela suspirou. Mais vampiros a cercavam, avançando lentamente com espadas longas e curvas em punho.
“Temos mesmo de fazer isso?” ela perguntou. “Está ficando enfadonho.”
Um deles sibilou. “Você dessecra nosso…”
“Pois bem,” ela disse, derrubando as paredes nos vampiros e voltando ao seu trabalho.
Cuidadosamente, correu os dedos em cada centímetro da superfície do edro, formando precisamente os mesmos padrões que o Dragão Espírito lhe ensinara. Quando um enxame de Eldrazi veio em debandada pelos escombros em sua direção, puxou a rocha para formar um domo sólido acima e em volta dela, selando os Eldrazi para fora. Quando a aura de corrupção dos Eldrazi enfraqueceu a rocha e fez com que o domo começasse a se despedaçar, ela o derrubou para cima deles e ergueu um novo domo.
Parecia levar um tempo interminável, o que lhe pareceu estranho. Ela não tinha ideia de quanto tempo havia esperado sentada no Olho de Ugin, meditando enquanto as sensações do mundo passavam por ela. Deixara sua vida para trás e se enclausurou na rocha. Mas agora, com o tropel de Eldrazi caminhando pelo seu mundo novamente, sentiu pressa. É claro que em parte ela queria selar a prisão dos Eldrazi antes que muitos mais perdessem a vida na batalha contra eles. Mas em parte, notou que queria terminar essa tarefa logo para que pudesse voltar às ocupações da vida.
Talvez tivesse ficado no casulo por tempo suficiente e estava pronta para trazer uma vida nova à tona, como um geopede adulto. Talvez o sabor amargo das memórias – de saudade melancólica, e particularmente da ira passional – a despertaram de um sono que durara séculos, acendendo nela uma nova sensação de despertar. De qualquer modo, queria acabar logo com isso para que pudesse tomar o próximo passo da sua vida, qualquer que fosse.
Enfim, o edro estava pronto. Afastando os braços, ela despedaçou o domo de rocha que a protegia e respirou fundo para inalar ar fresco.
Quanto tempo eu passei aqui dentro?, perguntou-se.
Ela deu de ombros com esse pensamento e ergueu seus braços erguendo o edro acima da cabeça com um movimento coordenado. Apenas um pensamento foi necessário para virá-lo pouco, mas o suficiente para alinhar a rede de edros e consertar a prisão dos Eldrazi.
Ela se apoiou em um joelho e encostou as palmas das mãos no chão. Conseguia sentir o movimento dos titãs ficando mais lento, enquanto a prisão restaurada os levava de volta ao torpor. Suas proles ainda enxameavam por toda a terra, mas esse era um problema para os que eram apenas mortais. O que era mais preocupante era que a própria Zendikar estava reagindo – não apenas em Akoum, como reagira quando os Eldrazi foram aprisionados pela primeira vez, mas por todos os lugares. Terremotos sacudiam o solo e reformulavam a paisagem, ondas em surto mudavam a costa e ventos poderosos varriam as ravinas. Zendikar estremecia com a ferroada dos Eldrazi, e ela suspeitou que levaria algum tempo até que se aquietasse novamente.
Deixou-se afundar no solo e veio à superfície mais uma vez no Olho de Ugin. Apoiando suas mãos no edro-chave, ela conferiu se a rede estava restaurada. Ela pensou em chamar Sorin e o Dragão Espírito novamente, mas havia cuidado da situação. Zendikar estava a salvo novamente, graças aos seus próprios esforços. Ela não precisava dos outros.
Entretanto, isso não mudava o fato de que eles não apareceram. Prometeram voltar a Zendikar quando fossem chamados para ajudá-la a manter de pé a prisão que ela guardara por séculos e séculos. Mas Sorin a abandonara, e os Eldrazi andaram por Zendikar mais uma vez.
Outros sentimentos que havia quase esquecido – preocupação e ansiedade – inundaram seu coração e a fizeram sorrir, mesmo que fossem dolorosos. Eles faziam com que se sentisse viva – a sensação do seu coração batendo rapidamente no peito, o som dele em seus ouvidos, o movimento dos seus músculos, do cenho franzindo e do maxilar cerrando.
O que Sorin fizera em todos esses anos enquanto ela estava em um casulo, aqui no Olho de Ugin? Será que ele ainda estaria vivo? Será que a esquecera? Ou da sua vigília sobre Zendikar? Será que ele sucumbira à mesma apatia que a tomou por tanto tempo?
Ela iria encontrá-lo, despertá-lo, se fosse preciso, lembrá-lo dela e de Zendikar e da amizade que compartilharam – lembrá-lo o que era viver, sentir, se importar com algo. Ela salvara Zendikar e agora o salvaria. Depois, retornaria para cá e andaria entre seu povo novamente, e ensinaria e amaria e gargalharia novamente, e tudo isso importaria novamente. Tudo importaria.
Nahiri pousou a mão gentilmente na parede da câmara, que derreteu quando ela abriu um caminho pelas Eternidades Cegas. As paredes da câmara se tornaram colinas ermas em uma serra desolada. Ela respirou fundo o ar que não conhecia e pisou para dentro deste ouro plano, louca de vontade de encontrar seu amigo mais antigo.
Traduzido por Meg Fornazari
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