Mtg Lore
Compêndio da Lore de Magic the Gathering
TÔ PASSANDO!
Fizz colocou a cabeça para fora da trincheira por tempo suficiente para que ela visse que não queria ver por mais tempo. Orcs guerreiros lutavam em uma formação apertada, e centenas de seus companheiros goblins avançavam à frente deles como tropas de choque e varredores de minas terrestres. Bombas explodiram, flechas voaram, e goblins caíram às dezenas.
Alguns deles provavelmente sobreviveriam à batalha. Isso acontecia, de vez em quando.
E eles voltariam com um belo apetite.
Era aí que Fizz entrava.
Fizz não era, por natureza, uma guerreira. Lá no vilarejo, enquanto seus trinta e cinco (ou algo assim) irmãos e irmãs lutavam entre si por sobras de rato e as mais saborosas pedras, Fizz ficava escondida em um canto, cozinhando tatus em seus cascos ou fritando alguns deliciosos esqueletos de sapo.
Quando o general orc Razgar convocou os clãs goblins para a guerra, Fizz relutantemente amarrou uma tigela de misturar ingredientes na cabeça, enfiou uma faca de cozinha no cinto, e juntou-se às fileiras. Mas não demorou muito para seus comandantes perceberem seus talentos singulares, e logo ela se viu deixando a 99ª Infantaria Goblin (o bom e velho grupo dos Montanheses Azarados Descartáveis) pela relativa segurança das cozinhas do acampamento.
Neste dia em particular, ela estava cozinhando um caldo espesso e borbulhante de sua especialidade: Sopa de Coisas-Que-Eu-Achei-Jogadas-Por-Aí. Ela pescou uma bota com sua concha e deu uma mordida. Fizz franziu o cenho, jogou a bota de volta na sopa, polvilhou uma pitada de cabra em pó, e mexeu.
Ela provou mais uma vez. Ainda faltava algo…
“Eeeeeeennnnnnntttttrrrrraaaaaaannnnnndddddooooooo!”
Splash.
“Quente!” gritou o mensageiro goblin que tinha acabado de cair na sopa de Fizz. “Quente, quente, quente!”
Ela o pegou pela orelha, ergueu-o fora da sopa, colocou-o ao lado do caldeirão, e provou.
Perfeito!
“Chef de Campo Fizz?” perguntou o mensageiro.
Fizz bateu continência com a concha ainda na mão, respingando sopa no mensageiro.
“Mensagem do general”, disse o mensageiro, estendendo um pedaço de pergaminho encharcado.
Fizz pegou o pergaminho, torceu-o sobre o caldeirão, desdobrou e leu. Seus olhos se arregalaram.
“O General Razgar quer almoçar…”
O mensageiro bocejou.
“… agora…”
Ele massageou a orelha no lugar onde Fizz o agarrara.
“… em sua tenda…”
O mensageiro lambeu a sopa em seu nariz e acenou de forma apreciativa.
“… do outro lado do campo de batalha…”
O mensageiro coçou a cabeça.
“… no meio de uma batalha?!”
O mensageiro encolheu os ombros.
“Eu não sei ler,” ele disse alegremente. “É por isso que me tornaram um mensageiro! Isso é o que chamam de segurança.”
Fizz, infelizmente, sabia ler. A nota do General era bastante específica. Almoço, agora, em sua tenda, todo o caminho através do campo de batalha. E era melhor estar quente quando chegasse lá.
Ela espiou sobre a parede da trincheira de novo, vendo o terrível e mortal caos da batalha. Ela nunca o atravessaria viva, muito menos sem derramar a sopa.
Fizz se aprumou. Nunca diga nunca, ou pelo menos quase nunca, como sua mãe costumava dizer. Essa era sua chance. Hoje era o seu dia. Ela tinha nascido para isso.
Ela bateu continência.
“Diga ao general que eu estou a caminho.”
“Hã?” disse o mensageiro. “Eu vô ficá aqui. Fala você pra ele.” Ele pegou uma tigela de sopa e encheu-a no caldeirão. “Eu tô na minha pausa pro almoço.”
Ela pegou uma bolsa da parede e encheu-a com vidrinhos de sal, pimenta e dois tipos de carapaça de besouro. Como ela sempre dizia, pimentas eram a pimenta da vida.
Ela provou a sopa pela última vez, puxou o caldeirão de cima da brasa e levantou-o com um grunhido. Ela teria que cruzar o campo de batalha, mas iria tão longe quanto possível por dentro de suas próprias trincheiras. Essa era, afinal de contas, uma missão importante.
Fizz mergulhou na trincheira, com a sopa na mão, tentando não derramar nem uma gota. Pedras e flechas voaram sobre ela. Algumas caíram na sopa. Tudo bem – elas adicionariam sabor.
Ela correu através do caos, pisando em outros goblins, correndo entre as pernas dos orcs, e ignorando os gritos de surpresa que a seguiam pela trincheira estreita.
O caminho à frente estava bloqueado por um esquadrão de goblins nervosos e amontoados. Ela diminuiu o passo e parou.
“Hmm, com licença,” ela disse. “Eu estou em uma missão urgente para o general!”
Ninguém se moveu. Um dos goblins cutucou o nariz para ela. Ela tentou passar de lado.
“Movam-se!”, disse ela. Eles não se moveram.
Fizz tomou fôlego.
“SOPA QUENTE! TÔ PASSANDO!”
Os goblins atropelaram-se para sair de seu caminho, e ela correu avante…
… até tropeçar no pé de alguém. O caldeirão de sopa saiu de suas mãos e voou pelos ares. Ela mergulhou e pegou o caldeirão quente, caindo pesadamente, mas conseguindo não derrubar mais do que o equivalente a uma tigela cheia.
Ela se levantou, se espanou, e olhou ao redor. Atrás dela, a causa de seu quase-desastre, estava um goblin lança-minas.
O lança-minas sentara no meio da trincheira. Ele mordia a língua de concentração enquanto usava uma espátula pontuda – clang! – para remover a terra solta. O monte de terra mal cobria uma…
Aquilo era uma bomba? Sim… sim, era uma bomba. Um pavio erguia-se do monte de terra, queimando em direção ao solo.
Clang!
“O quê… o que você está fazendo?”, perguntou Fizz. Ela se afastou.
“Cavando”, disse o lança-minas. “Bomba.”
“Nas nossas trincheiras?”
Clang!
Ele deu de ombros. “Tenho que fazê isso em algum lugá.”
“Então… quanto tempo até…?”
“Té o quê?” disse ele.
O pavio estava bem curto agora.
“Deixa pra lá,” disse Fizz. “Eu… eu posso ver que você está muito ocupado.”
Clang!
Fizz correu.
A explosão foi muito alta. Suas orelhas pularam, e terra choveu ao seu redor. Bom, principalmente terra.
Fizz contornou uma esquina e derrapou para parar diante de uma fila de goblins carregando caldeirões grandes e quentes. Seriam estes itens do almoço? Teria o general pedido um monte de sopa?
“Transportadores de brasa prontos!” gritou o sargento.
Ah, não.
Fizz começou a andar para trás, mas colidiu com outra goblin que carregava um enorme caldeirão e que estava imediatamente atrás dela. Fizz virou para se desculpar enquanto brasas pulavam e caíam no nariz da goblin. Ela gritou e encarou Fizz.
“Transportadores de brasa… ataaaaaaque!”
Bem, ela precisava cruzar o campo de batalha de qualquer forma…
A goblin atrás dela empurrou as costas de Fizz. Ela encolheu os ombros, ergueu seu caldeirão de sopa, e correu até a rampa e sobre a borda da trincheira com os transportadores de brasa.
Bombas explodiram. Goblins se agacharam. Orcs gritaram. À distância, humanos em armaduras resplandecentes avançaram, balançando espadas brilhantes e lanças longas e cruéis. No meio do caminho, a flâmula do general pendia flacidamente sobre uma tenda grande e suja. Ela estava chegando perto!
Ao seu redor, os transportadores de brasa lançaram suas cargas com um silvo, e algumas vezes gritavam quando o carvão quente caía sobre eles. Alguns sortudos – comparativamente sortudos, de qualquer forma – tiveram sucesso em sua missão, e era o inimigo que gritava.
Fizz acelerou o passo em seu caminho através do campo de brasas e continuou correndo.
Goblins amontoavam-se ao seu redor. Orcs gritavam ordens. Os sons fracos e lamurientos de voz humana mal eram audíveis, mesmo que ela tivesse certeza absoluta de que eles estavam gritando a plenos pulmões.
Bufando e ofegando, Fizz fez uma pausa para recuperar o fôlego no meio de um grupo de goblins rebeldes que estavam agachados dentro de uma grande cratera.
“Issaí é almoço?” perguntou um.
“Não para você,” disse Fizz. Ela estufou o peito. “Eu devo informá-lo de que este é o almoço do general.”
“Ahhh, o general,” disse outro. “Ele já mandô a gente pra morte uma vez. O que ele vai fazê se a gente roubá a sopa dele?”
“Ele vai torcê-lo e esquartejá-lo e… e… cozinhá-lo!”
“Pelo menos aí eu vou tê alguma comida,” resmungou um terceiro.
Os subversivos rodearam Fizz e seu caldeirão de sopa.
“Você não vai roubar o almoço do general,” disse Fizz. “Eu… eu não vou permitir. Pensem em… pensem em…”
“Pensem nos rapazes e moças que deixamos em casa!” gritou uma voz retumbante.
Ali, na borda da cratera, postou-se uma figura arrojada, de espada erguida.
“Pensem neles todos sentados em seus vilarejos, aquecidos e seguros, com o bastante para comer. Afinal, eles provavelmente estão lá pensando consigo mesmos ‘Eu com certeza estou feliz por não lutar em nenhuma guerra!’”
Ele fez uma pausa. Fizz segurou a respiração. Os subversivos inclinavam-se em expectativa.
“Uh, pera” ele disse, coçando a cabeça. “Isso me escapou.”
Os rebeldes olharam uns para os outros.
“Mas o ponto é…?” disse Fizz.
“Certo! O ponto”, ele disse. “O ponto é… veja, o que eu quis dizer é… bem, nós todos estamos nisso juntos, e, se eles não nos enforcarem separados, provavelmente é porque nos enforcaram todos juntos. Ou… algo assim. De qualquer forma, como um grande general disse uma vez…”
Ele ergueu sua espada bem alta e apontou para as trincheiras humanas.
“Todos exceto eu… ATAQUEM!”
Os subversivos animaram-se e correram em direção à linha de batalha inimiga. Fizz foi simplesmente empurrada junto.
“Não, esperam, eu preciso…”
Ela tentou voltar pelo caminho de onde tinha vindo, mas eles estavam por todos os lados ao seu redor. Atrás deles, o goblin que os inspirara agachou-se na cratera que eles tinham deixado vaga.
Eles correram em uma multidão uivante, empurrando Fizz junto. Sua sopa agitava-se perigosamente. Então chegaram à borda da trincheira inimiga. Fizz aterrissou em uma pilha de rebeldes barulhentos. Ela mergulhou para dentro e eles correram, avançando pelo sistema de trincheiras.
Fizz olhou ao redor. As trincheiras eram escavadas de forma reta e limpa, com lados altos que não se inclinavam nem um pouco. Ela procurou desesperadamente uma saída, mas logo ouviu o som de botas se aproximando e as vozes estridentes de humanos. Sem outras opções, colocou o caldeirão no chão e se escondeu atrás dele.
“… não sei por que nós nos importamos,” um deles estava dizendo. “Do jeito que eles lutam, matariam a si mesmos se nós simplesmente os deixássemos sozinhos.”
“Você sabe que isso não é verdade”, disse outro. Este tinha uma voz mais alta. Uma fêmea? “Eles se reproduzem como ratos e lutam como cães raivosos. Com os orcs no comando, poderiam invadir todo o passo oriental.”
“A gente devia ir pras montanhas e matar todos eles,” disse a primeira voz, chegando ainda mais perto. “Arrancar eles dos seus buracos e…”
Fizz agitou-se. Os humanos viraram a esquina, e o primeiro cortou o que estava dizendo.
“Ei, o almoço apareceu finalmente.”
Ah, não. Não não não não não.
“Tem certeza?” disse o segundo soldado. “Essa coisa não cheira bem.”
“Eu estou faminto demais pra me importar,” disse o primeiro.
O retinir de tigelas. O som da sopa sendo mexida e despejada. Fizz espiou pelo lado do caldeirão quando o humano ergueu uma colher cheia da sopa que era sua marca registrada, colocou pra dentro, e ela ficou entalada em sua boca.
Seu rosto ficou vermelho, depois verde, depois roxo. Ele se ajoelhou.
O segundo soldado se afastou horrorizado.
“Ataque químico!” gritou. “Feitiços de proteção, agora!” Ela correu pela trincheira.
Fizz se arrastou de trás do caldeirão. O soldado tinha parado de se contorcer em espasmos.
“Arrancar você do seu buraco,” murmurou Fizz. “Idiota.”
De pé sobre o peitoral dele, ela quase não conseguiu erguer o pesado caldeirão para fora da trincheira e escalar atrás dele.
A batalha parecia estar indo em sua direção. Mas ela tinha que correr. Ainda distante, ainda mais para a esquerda do que ela esperava, estava a tenda do general. Ela começou a correr.
Correu por uma seção calma do front, onde a batalha tinha avançado. Alcançou o topo de uma pilha de terra e viu uma oportunidade.
Ali, sentados no chão, estava um semi-inflado sapo-balão goblin. O sapo coachava satisfeito. O cesto jazia ao lado, e dois tripulantes goblin discutiam de quem era a culpa.
“Com licença,” disse Fizz.
Os dois goblins se viraram.
“Eu estou em uma missão muito importante para o general,” disse Fizz. “Eu preciso chegar à tenda dele com urgência. Voe comigo até lá, e sua recompensa será… algo, provavelmente!”
Os goblins deram de ombros.
“Melhor do que esperar aqui até os humanos voltarem, imagino,” disse um deles.
“Isso é… sopa?” disse o outro.
“Pode ter certeza de que é”, disse Fizz. “Vamos!”
“Bem, você ouviu ela!” disse o primeiro tripulante goblin. “Infle o sapo!”
“Eu vô ficá aqui mesmo,” disse o outro.
Depois de muita reclamação, alguma inflação frenética, e só um pouco de baba de sapo na sopa, o balão começou a se erguer no ar.
“Entre!” disse um dos goblins. O cesto subiu ligeiramente acima do chão.
“Não há tempo!” disse Fizz. “Eu quero aterrissar sem demora.”
Ela enrolou uma corda pendurada em um braço, enlaçou a sopa, e se pendurou.
“Essa,” o outro goblin disse lá de cima, “é a coisa mais estúpida que eu já vi.”
General Razgar sentou-se em sua tenda, tentando se concentrar no mapa da batalha apesar da fome crescente e, especialmente, rabugenta.
Seu estômago roncava alto o suficiente para ser ouvido acima dos sons da batalha.
“Onde está minha sopa?” ele berrou.
“E-e-e-e-e-e-eu enviei um mensageiro,” disse Yort, seu ajudante goblin. Ele prostrou-se. Ele estava absolutamente patético, e Razgar gostava dele desse jeito.
“Só um?” gritou Razgar.
“Eu l-l-l-l-lamento, meu senhor!” disse Yort. “Vou enviar mais. Vou… vou enviar dezenas! Mas o senhor disse que queria a melhor, e Fizz é…” Ele parou e levantou as orelhas. “Que barulho é esse?”
Goblins tinham a audição mais afiada do que os orcs – uma de suas bem poucas vantagens, além de sua alta taxa de reprodução – então levou um momento até que Razgar ouvisse também.
“Tô passsssaaaaaaaaaaaaaaanddddooooo!”
Yort abriu o lado da tenda para revelar uma visão absurda: uma civil goblin portando um caldeirão grande demais pendurada em um sapo-balão goblin.
A goblin escorregou para dentro da tenda, caindo sobre os calcanhares e aterrissando com um grunhido em uma pilha de mapas. O caldeirão de sopa bateu no chão em frente ao general, balançando um pouco. Ainda estava estalando de quente.
A chef goblin saiu da pilha de mapas e bateu continência. Ela chegava ao meio da coxa de Razgar.
“Chef de Campo Fizz, reportando para missão conforme ordenado!” ela gritou.
“À vontade,” disse o general. “Bem, Chef de Campo. Vamos ver se você é tão boa quanto dizem…”
Ele segurou o caldeirão inteiro, ergueu aos lábios, e começou a beber. O líquido queimou sua garganta e encheu sua barriga e fez seus olhos lacrimejarem, exatamente como uma boa sopa devia fazer.
O gosto era indescritível. Botas, terra, ratos, uma pitada de suor de goblin, um pouco de baba de sapo, e…
Ele parou de beber.
“Isso é casca de besouro?”
“Sim, senhor,” disse a chef. “Do tipo vermelho e do tipo brilhante, senhor.”
Ele bebeu o resto da sopa, colocou o caldeirão no chão com um tinido, e limpou a boca na manga.
A chef goblin esperou ansiosa.
“Bom trabalho… Chef de Campo, Primeira Classe.”
A chef recentemente promovida irradiou de orgulho. O general tinha acabado de criar a posição de chef de campo, primeira classe, mas isso parecia fazê-la feliz.
“Sim,” ele disse. “Estava muito bom.”
Ele olhou para a batalha ainda furiosa lá fora. Eles estavam ganhando, mas ainda haveria muitas horas de extermínio.
“Na verdade,” ele disse, “eu acho que vou querer mais uma.”
Traduzido por Alysteran
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